15 jul, 2020 - 23:25 • Inês Braga Sampaio
O FC Porto é o novo campeão nacional. A Renascença foi buscar a máquina do tempo, para recordar o percurso da equipa portista, desde a derrota a abrir até à conquista de um campeonato atípico.
Como referido, tudo começou com uma derrota - em Barcelos, frente ao Gil Vicente, equipa acabada de subir à I Liga e que tinha renovado o plantel inteiro. Surgiu logo um coro de críticas, adensadas pela eliminação precoce da Liga dos Campeões. Porém, Pinto da Costa não atendeu a chamada e Sérgio Conceição compensou-o com uma vitória em plena Luz, a segunda de uma série de sete consecutivas para o campeonato, que permitiu o empate com o Benfica no topo da tabela.
No entanto, à nona jornada, o FC Porto tropeçou na Madeira, frente ao Marítimo, e voltou a ver o grande rival fugir. Poucos jogos depois, mais um empate, agora em casa, com o Belenenses, e o Benfica dilatou a vantagem para quatro pontos. Não obstante, Sérgio Conceição mantinha-se "completamente convicto" de que ia ser campeão. Fita à frente e o Porto caiu em Braga e viu o título tornar-se mera miragem. Os sete pontos de desvantagem para o Benfica pareciam ser diferença demasiado grande para recuperar.
Nessa altura, tudo o que Sérgio Conceição fazia era alvo de críticas: se usava Soares, devia optar por Zé Luís; se alinhava com o cabo-verdiano, devia meter o brasileiro. E porque não lançar Fábio Silva no onze? Manafá não servia, mas Corona também não podia ficar preso na defesa. E onde teria ido parar Tomás Esteves? As lesões agravavam-se e o tema Nakajima estava sempre presente: porque razão não apostava o treinador no japonês, questionavam-se os adeptos.
A história deste campeonato não se conta sem a Taça da Liga e uma final que constituiu a metafórica gota que fez transbordar o copo. O FC Porto caiu nos descontos perante o Braga (1-0) e, no final do encontro, em declarações à Sport TV, Sérgio Conceição lançou a "bomba":
"Temos de olhar para dentro. É preciso responsabilidade coletiva, a começar por mim. E não falo do grupo de trabalho, falo de toda a gente. É difícil trabalhar em determinadas condições. Primeiro ano muito difícil, sem reforços e sem dinheiro. No segundo ano, houve falta de verdade desportiva. No terceiro, falta de união dentro do clube. Fica difícil. Por isso, neste momento, o meu lugar está à disposição do presidente."
Curiosamente, foi esse o ponto de viragem numa época que estava a ser negativa para o FC Porto. Pinto da Costa segurou Sérgio Conceição e, cerca de duas semanas depois, teve prémio.
O clássico com o Benfica, no Dragão, podia ser o jogo do título. Se vencesse, a equipa de Bruno Lage ficaria com 10 pontos de avanço e uma mão na taça. Porém, em vez de ceder ao adeus anunciado, o FC Porto impôs a sua lei perante o Benfica e encurtou a distância para quatro pontos.
A partir daí, o Benfica entrou em modo de autodestruição e, apesar da seca de golos dos avançados, o FC Porto aproveitou para acelerar para a frente da corrida. Os dragões até cederam um empate na receção ao Rio Ave, mas o Benfica estava em depressão tal que não aproveitou.
Depois, veio a pandemia.
O campeonato parou por praticamente três meses, devido à pandemia da Covid-19, que chutou o futebol para último plano. Durante quase dois meses, não se sabia, sequer, se o campeonato regressaria.
A 30 de abril, o primeiro-ministro, António Costa, garantiu que a I Liga regressaria no final de maio. A previsão saiu um pouco ao lado: o campeonato voltou uns dias depois, a 3 de junho, com a 25.ª jornada.
Durante a paragem, o Benfica mandara os jogadores de férias, o Sporting acertara cortes nos salários e o FC Porto, como Sérgio Conceição fizera questão de vincar, mantivera toda a gente a trabalhar desde casa o tempo todo, sem intervalos.
A medida de não dar férias aos jogadores não teve grande efeito no primeiro jogo desde a retoma, com o FC Porto a cair com estrondo em Famalicão. Porém, em novo volte-face (este campeonato foi rico nisso), o Benfica perdeu oportunidade de ouro para passar para a frente, ao empatar em casa com o Tondela.
Começou, então, uma espécie de jogo da batata quente, com os dois rivais a mostrarem pouca aptidão para serem campeões. Contudo, se o FC Porto alternava resultados positivos e negativos, o Benfica colecionava apenas desaires e, à medida que a equipa de Sérgio Conceição entrava nos eixos - e os avançados voltavam aos golos na fase decisiva da época, ao fim de seis jogos para o campeonato sem marcar -, a fenda entre ambos foi-se abrindo, até alcançar os seis pontos.
Chegou, então, a altura do "mata-mata", em que cada jornada podia dar o título ao FC Porto.
No primeiro "round", os dragões tinham de vencer em Tondela e esperar que o Benfica, já sob o comando de Nélson Veríssimo, perdesse em Vila do Conde. O FC Porto cumpriu, mas o rival empatou com o Rio Ave. A diferença abriu-se para oito pontos, o que facilitou as contas ao líder, que já só precisava de um ponto para ser campeão.
O segundo "round" chegou esta quarta-feira, com o FC Porto a defrontar o Sporting. Bastava um ponto, mas a equipa de Sérgio Conceição venceu (2-0) e celebrou o 29.º título de campeão nacional.
Chega ao fim a luta pelo título de campeão nacional, ganha pelo FC Porto e com um registo digno de nota: nenhuma equipa desde 2010/11, a época de André Villas-Boas, conseguiu ser campeã com, pelo menos, oito pontos de avanço sobre o segundo classificado.
Foi o segundo campeonato conquistado por Sérgio Conceição em três anos no FC Porto. O primeiro já tinha tido a marca indelével do treinador, mas este, em que nenhum jogador se ergueu de forma evidente sobre os demais, fica intimamente ligado aos altos e baixos no banco de suplentes.
Sérgio Conceição quase caiu em duas ocasiões. À segunda, ofereceu mesmo as costas para que o empurrassem. Porém, aguentou e conseguiu operar a reviravolta na sua carreira no Porto e no campeonato.