04 abr, 2025 • João Costa, diretor da Agência Europeia para as Necessidades Especiais e a Educação Inclusiva e antigo ministro da Educação
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Todos os anos, os jornais, seguindo a tradição iniciada em 2001 pelo jornal "Público", publicam os rankings das escolas. Todos os anos tenho dedicado um pouco do meu tempo a argumentar (idealmente seria a explicar), a par de outros especialistas em educação, o grande equívoco associado a este pseudo-instrumento para a avaliação da qualidade das escolas. Apesar da frustração por ver o pouco impacto desta argumentação, considero que vale a pena continuar.
Refiro-me a “equívoco” – e nem vou perder tempo relembrando quem foi o iniciador desta prática e, a meu ver, quais as suas motivações, nem comentando o perfil típico dos entusiastas – porque o racional por trás da publicação destes rankings é falacioso. Por um lado, associa qualidade a apenas um indicador (as notas dos exames nacionais), por outro lado, apresenta-se como um exercício de transparência, quando se pauta por omitir (e promover a omissão) de uma parte significativa dos resultados das escolas.
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Vale a pena, contudo, insistir na dimensão da transparência. Para os entusiasmados pelos rankings, estes seriam um exercício de partilha dos resultados das escolas com a sociedade (claro que tendo como premissa uma agenda neoliberal que induz a ideia de que, conhecendo os resultados, as famílias mais qualificadas podem escolher a escola dos seus filhos – o que mais não é do que o aperitivo das agendas testadas e falhadas de introdução dos cheques-ensino).
Acontece que esta alegada transparência está associada a uma enorme opacidade. Os resultados finais partilhados omitem:
A lista podia continuar.
Podia, ainda, repetir a tibieza do exercício de hierarquização das escolas. Geralmente, a discussão em torno dos rankings dura menos de uma semana, mas alimenta discursos e representações durante muito mais tempo.
Os debates são sempre iguais: muita conversa sobre as dez ou vinte escolas no topo e no fim da lista; uma histeria coletiva sobre a posição relativa do ensino privado e do ensino público (sempre omitindo ou apresentando de forma muito superficial as variáveis de contexto e, como sempre, escondendo as piores práticas de seleção e acesso de algumas instituições); uma reportagem mais aprofundada sobre uma ou duas escolas; uns quantos artigos de opinião (como este) contra ou a favor dos rankings.
E assim continuamos… alimentando anualmente uma ilusão coletiva.
A própria hierarquização das escolas não passaria critérios de fiabilidade em nenhum trabalho científico. Qual a validade de um indicador em que, no meio da lista (sempre ignorado, porque não contribui para os verdadeiros objetivos políticos desta publicação), vemos, de ano para ano, escolas que sobem ou descem mais de 200 lugares? Perdem e ganham qualidade súbita? Ou, na verdade, nada disto é sério?
Na ausência de transparência, vale a pena relembrar aquilo que as principais instituições de referência, em particular as organizações internacionais, promovem como instrumentos de garantia de qualidade. Apenas para referir dois instrumentos ao serviço do sistema educativo português, recomendo que, em vez dos rankings, se conheça o referencial de avaliação externa das escolas da Inspeção-Geral de Educação e Ciência ou o sistema EQAVET, de certificação de qualidade das escolas profissionais.
Podem também consultar-se, com profundidade, os relatórios sobre equidade associados ao PISA, os referenciais sobre avaliação de qualidade da European Agency for Special Needs and Inclusive Education, os instrumentos de monitorização produzidos pela UNESCO ou pelo Conselho da Europa. Em nenhuma destas instituições vemos uma proposta tão superficial ou vazia quanto os rankings que os órgãos de comunicação social produzem.
Pelo contrário, incluem-se modelos de garantia de qualidade pluricêntricos, como metodologias de avaliação participativa, com correlações que se estabelecem entre diferentes indicadores (desde a relação entre resultados académicos e indicadores de bem-estar (no PISA) a taxas de participação das famílias e dos alunos (EASNIE) ou à associação entre literacia e participação democrática (CdE), entre outros). Incluem-se, nestes modelos, indicadores de contributo para a equidade, acesso e sucesso dos alunos com maiores dificuldades ou alinhamentos entre os resultados escolares e as iniciativas tomadas em abordagens multinível (das políticas curriculares às práticas, passando pela verificação regular dos próprios indicadores).
Talvez estas abordagens não permitam a venda rápida de cadernos e encartes dos jornais, mas competiria a quem aborda, de forma responsável, os temas da educação promover uma literacia mais aprofundada sobre esta área.
Continuo a não ter dúvidas de que aqueles professores que conseguem que aprendam e não desistam de estudar os alunos dos contextos mais frágeis, que enfrentam diariamente situações de violência, negligência ou carência, são os melhores, os que mais trabalham, os que mais se dedicam de corpo e alma à sua vocação, os que mais estudam, os que mais se esforçam, os que, por vezes, mais experimentam a frustração e, ainda assim, não desistem de criar novas formas de ensinar.
São eles os que mais humanizam o sistema educativo. Sobre estes, os rankings não falam.
Pelo contrário, muitas vezes associam o seu trabalho aos fundos das listas. Só que estes são os verdadeiros professores que fazem da escola um lugar de valores humanos e de humanismo. Nem eles são meros números e, sobretudo, os seus alunos e os seus resultados não são traduzíveis num número numa lista hierarquizada estéril e opaca.