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Roberto Martínez: Portugal merece muito melhor

22 mai, 2025


Francisco Guimarães, comentador Bola Branca, defende que é tempo de mudar na seleção: "Esta visão que trago relativamente a Martínez talvez seja hiperbólica. Ele não é assim tão mau treinador. Mas também não é bom".

Adornar, alindar, enfeitar, decorar, ornamentar. Além de sinónimos na 1.ª conjugação, são verbos que tanto se poderiam referir a bonsais como a Roberto Martínez. Isto porque Roberto Martínez está para a seleção como os bonsais estão para as salas de estar. Não servem para nada a não ser para fazer o que fazem todos estes verbos.

O problema é que Martínez , no caso de ser uma espécie de bonsai, padece de uma manifestação mais ou menos outonal: a folha está, digamos, caduca; e não há ramos, nem terra com vestígios de vida a nascer. É um bonsai detido pelo vento da irrelevância, que já não é capaz de assegurar a sua única (e prescindível) função. Resta saber se a própria irrelevância deste bonsai ainda se cumpre.

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Filosoficamente falando, um bonsai moribundo continua a ser um bonsai? Um bonsai em agonia serve o propósito de enfeitar aquele T1 ou, antes pelo contrário, desfigura-o? Um bonsai desfalecido não contraria todas as teorias do feng shui? É que o bom senso diz-me que não há coisa pior do que uma planta que nem para ser planta serve. Porque toda a gente sabe o que se deve fazer às plantas mortas.

O bonsai que por mero acaso se senta no lugar de treinador da seleção nacional portuguesa encontra-se nesse cadavérico estado: murcho, estendido no chão pisado, e nem uma frota inteira de bombeiros voluntários a sugar toda a água do Tejo é capaz de o salvar.

Os bonsais vulgares exigem cuidado, carinho e atenção. Este não é apenas um bonsai raro. É um bonsai que já não precisa de nenhuma destas simpatias. Não vale a pena gastar tempo, paciência e dinheiro numa inútil manutenção, quanto mais água, esse bem precioso que tanto escasseia quando é mais preciso. É claro que há uma pergunta anterior a todas estas basilares questões de primeiro mundo a que me proponho responder: será que o bonsai de que falo alguma vez enfeitou?

Desconfio que não, mas a minha tolerância e bondade levam-me a imaginar que há quem se tenha deixado iludir. Todavia, ao dia de hoje, considerar que reúne condições para continuar pousado no banco da seleção é, no mínimo, um caso de dissonância cognitiva ou desajuste da realidade. E isso cura-se. Há imensas opções na farmácia.

Não se trata apenas de títulos. Ou falta deles. Antes fosse. Portugal, desde que Martínez assumiu o comando técnico, continua a praticar um futebol pobre, parco de ideias e irrelevante. Continua – infelizmente – a desperdiçar uma geração invulgarmente talentosa. Continua fechado aos mesmos de sempre quando os mesmos de sempre não mostram rendimento jogo após jogo. Continua a alimentar a ditadura dos estatutos.

Além disso, continua refém – e com ele a nossa seleção – do estrelato fora do prazo de Cristiano Ronaldo. E não me parece que Martínez seja o treinador para dizer “basta”, para ceder corajosamente à realidade inevitável de que se Portugal tem o melhor do mundo, já não é CR7, e depender dele como dependem as igrejas de Nosso Senhor Jesus Cristo, da sua omnipresença indiscutível, para resolver todos os problemas da nação é apenas ridículo, à falta de melhor palavra.

E sejamos sinceros: Ronaldo não aceita ser apenas mais um entre tantos. Tem de jogar nos melhores jogos, ser protagonista. Mas até o Tom Cruise um dia precisará de duplos.

Diante deste cenário medíocre, em que muitos evitam olhar ou fingem não ver como um acidente na autoestrada, o que nos diz Martínez , sorridente e otimista, em língua portuguesa? Que o arco-íris continua a brilhar na terra-do-nunca, que a Alice vai voltar ao País das Maravilhas que é Caxias, que o Saint Exupéry se inspirou no bom samaritano da Cidade do Futebol para escrever o Principezinho. Isto é: está tudo bem.

Portugal está no bom caminho, os jogadores têm sido fantásticos e a crítica - essa malvada antipatriota – está, acima de tudo, a ser injusta com a pátria. Mas Martínez poderia apenas ser incompetente. Faz parte, e com esse pormenor os portugueses teriam de lidar com serenidade até o inevitável vir ao de cima. Contudo, não é o caso.

Martínez não é apenas um corriqueiro incompetente, como outros que para aí andam. Martínez é o menino querido das professoras, o santo que põe os colegas na rua, que aponta o dedo ao pecado alheio, que lança feitiços dissimulados de abertura, simpatia e uma invulgar conduta colaborativa. A contradição parece ser o lema que exibe orgulhoso nas conferências de imprensa, e, movido por alguma desonestidade intelectual e desculpas esfarrapadas, às perguntas – digamos, mais diretas – responde quase sempre com um balde atulhado de areia para os olhos.

Quem não se lembra dos casos do Trincão – que o salvou de um despedimento –, do desperdício do Vitinha no Euro, da lesão crónica do Tomás Araújo ou no facto de, pura e simplesmente, continuar a ignorar Gonçalo Ramos? E o Quenda, que foi passar umas férias à seleção? Contudo, para mim, o melhor bit continua a ser aquele em que, movido por um espírito indomável de falta de bom senso, se referiu a si próprio como o brilhante e genial autor da dupla de médios do PSG, Vitinha e João Neves.

Martínez teve sempre nas mãos a oportunidade de esconder todos estes defeitos mais danosos do que a incompetência, em vez das justificações e contradições constantes a que nos sujeita. Tinha duas hipóteses: não ser intelectualmente desonesto, que era a opção mais sensata, ou sacar da sua mais que legítima autoridade: “eu é que sou o treinador, prefiro estes jogadores a outros e eu é que decido”. Ponto final parágrafo. Mas não. Preferiu sempre caminhos movediços, abastados de falsos fundamentos, muito mais suscetíveis aos erros, às mentiras e, assim, às críticas.

Ficar aquém é manifestamente irritante. Portugal está num patamar que não corresponde à qualidade que aporta. Tinha (e tem) condições para ser muito melhor. A FPF ainda vai a tempo de não adiar uma geração. O que não faz sentido é adiar uma decisão inevitável: a de despedir Roberto Martínez. Ou como gostam de dizer os dirigentes desportivos: a de celebrar um mútuo acordo.

Não há títulos ou argumentos desportivos que justifiquem a permanência de um treinador que não tem mais para dar (mesmo que se ganhe a Liga das Nações). Então, o que o segura no cargo? A cláusula de rescisão, a teimosia ou famoso timing – que é uma espécie de bonsai discursivo quando não há nada mais para dizer? Isto porque Martínez é dos selecionadores mais bem pagos do mundo. E até agora não fez nada para que digamos “ele merece”.

É certo que não há treinadores perfeitos. Nenhum, pelo menos nenhum dos que vivem neste planeta, cumpre com todos os requisitos rumo à perfeição. E esta visão que trago relativamente a Martínez talvez seja hiperbólica. Ele não é assim tão mau treinador. Mas também não é bom. E a seleção portuguesa reúne todas as condições para ter um treinador que esteja minimamente à altura da qualidade do plantel e da dimensão que a FPF, com mérito, atingiu. Por isso, está na altura de mudar. Ou melhor, de corrigir a tempo o mal que se causou, contratando, evidentemente, José Mourinho.

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