26 mai, 2025 • Ângela Lucas
Nos últimos anos, as empresas – desejando mostrar uma atitude responsável perante os grandes desafios globais e contribuir de forma ativa e positiva para o combate às alterações climáticas –, foram proclamando que, até à data X, seriam “neutras em carbono”.
Numa tentativa de concretizar e tornar previsíveis – e visíveis – esses compromissos que as empresas foram assumindo publicamente e impondo a si próprias, a diretiva europeia sobre reporte de sustentabilidade obriga uma empresa que faça este tipo de alegações a ser transparente acerca do seu “Plano de Transição Climática”.
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Este plano é, na prática, o roteiro que as empresas traçam para reduzir e neutralizar as suas emissões de gases com efeito de estufa (GEE), e alinhar-se com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 °C. Este instrumento é tudo menos um detalhe: é o coração estratégico da ação climática corporativa. Pressupõe metas concretas de redução de emissões de GEE (dos âmbitos – scopes – 1, 2 e 3), medidas de descarbonização e de compensação, calendarização, investimentos e – claro – um papel ativo, incluindo de supervisão, por parte dos órgãos de gestão da empresa.
Passou, assim, a ser obrigatório reportar a existência deste Plano, o grau de progresso e a sua coerência com outros relatórios financeiros e não financeiros. A norma específica de reporte sobre alterações climáticas (ESRS E1), estabelece os detalhes do relato: desde as quantidades das emissões, ao plano, às políticas, ações e metas, até os impactos financeiros do risco climático.
Mas mais, se na diretiva de reporte a obrigação se esgota nesse mesmo relato (i.e., na informação transparente sobre se existe – ou não – um Plano) noutra diretiva europeia, a Diretiva de Diligência Devida em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), a obrigação para a empresa já é outra: é uma obrigação substantiva, material, de efetivamente ter e executar o plano (e não apenas de meramente reportar se o tem ou não).
Para as empresas abrangidas por esta CSDDD, não basta ter boas intenções ou uma apresentação bonita no PowerPoint com imagens de florestas e painéis solares. O plano deve existir, estar aprovado e, sobretudo, ser implementado, demonstrando que está em linha com a ciência e que é compatível com os objetivos de limitação do aquecimento global.
Mas – e há sempre um “mas” – 2025 trouxe novos ventos (alguns dirão, uma pequena tempestade legislativa). A Comissão Europeia apresentou, a 26 de fevereiro, no contexto do pacote omnibus, uma proposta para simplificar a diretiva de reporte e as respetivas normas (ESRS). A ideia parece sensata: reduzir carga administrativa, sobretudo para pequenas e médias empresas. Mas como sempre, o diabo está nos detalhes.
Por um lado, fala-se numa revisão que poderá diluir a profundidade dos requisitos de reporte, nomeadamente no que toca aos planos de transição climática. Afinal, simplificar é bom — mas descomplicar demais pode levar a subestimar riscos estruturais. Por outro lado, o pacote omnibus propõe também uma alteração aos Planos de Transição Climática no âmbito da CSDDD, eliminando a obrigação de os "pôr em prática", mantendo apenas a exigência de se fazer uma descrição das respetivas ações de implementação.
O objetivo é alinhar melhor o plano de transição da CSDDD com as regras de reporte da CSRD, mas, conforme demos já nota, importará perceber se e em que medida esta alteração salvaguarda a coerência com a Lei Europeia do Clima e com os objetivos que nela a Europa assumiu de ser neutra em termos climáticos até 2050.
As primeiras discussões da proposta omnibus no Parlamento Europeu mostram clivagens. Alguns grupos parlamentares pressionam para que se mantenha a ambição e uma abordagem firme à transição climática. Outros, defendem que esta legislação só deverá ser aplicada a empresas mesmo muito grandes (propondo aumentar o limiar de aplicabilidade da CSDDD de 1000 para 3000 trabalhadores), havendo mesmo quem defenda que tais planos de transição climática representam um fardo burocrático despropositado, pugnando pela sua pura e simples eliminação.
Então, vão ou não sobreviver os Planos de Transição Climática ao pacote de simplificação? Não sabemos, mas é provável que sim, embora com ajustes.
É fundamental lembrar por que razão este plano importa. A transição da Europa para uma economia com impacto climático nulo, não se faz por decreto nem por voluntarismo. Precisa de instrumentos concretos, mensuráveis e com prestação de contas. Precisa da tal accountability que os nossos amigos anglo-saxónicos tanto prezam. O plano de transição climática permite às empresas antecipar riscos, atrair investimento sustentável e, sejamos honestos, manter-se relevantes num mercado que caminha para a descarbonização, quer se queira, quer não.
Portanto, se é verdade que um plano não salva o planeta sozinho, também é certo que sem plano… caminhamos às cegas. E numa era de emergência climática, em que vozes duras teimam em impor a sua visão a preto e branco do mundo, fechar os olhos é o maior de todos os riscos.