08 fev, 2025 • Arsénio Reis , Sandra Afonso
Ricardo Arroja já soma oito meses na liderança da AICEP, a agência responsável pela dinamização das exportações, internacionalização das empresas portuguesas e captação de investimento direto estrangeiro. O comércio mundial e as economias internacionais enfrentam vários riscos externos, com origens e natureza muito distintas, mas o economista mostra-se otimista sobre a evolução da economia nacional, o potencial de crescimento do país e as perspetivas a curto e médio prazo.
Nesta entrevista ao programa da Renascença "Dúvidas Públicas", o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal revela que estão em avaliação vários negócios potenciais, para serem executados este ano no país, e que estas intenções de investimento direto estrangeiro ultrapassam os 20 mil milhões. Ricardo Arroja não revela as áreas de investimento ou quantos postos de trabalho espera criar, mas adianta que já fica satisfeito se captar em 2025 10% destas intenções de investimento.
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Se conseguir executar estes dois mil milhões, Ricardo Arroja multiplica praticamente por cinco o investimento direto estrangeiro captado em 2024, que rondou os 420 milhões.
Nesta entrevista, o presidente da AICEP admite ainda que os sucessivos governos têm reduzido o investimento público a fundos europeus, em vez de recorrerem ao Orçamento do Estado, mas o mais importante é que haja obra feita. Ainda em matéria de fundos europeus, garante que está mais apertada a fiscalização e controlo, na sequência do caso que envolveu o empresário Manuel Serrão e que levou à implementação de novos procedimentos.
Rejeita comentar a lei tributária, mas admite que a carga fiscal condiciona o investimento e em Portugal as grandes empresas são as mais penalizadas pelos impostos.
Sobre a política protecionista do novo presidente norte-americano, Donald Trump, admite que Portugal será sempre afetado. No entanto, sublinha que metade das exportações nacionais para os EUA são serviços, sobretudo turismo, e estes não serão atingidos.
Ricardo Arroja acredita que os anúncios de Trump ainda vão dar algumas voltas até serem, eventualmente, concretizados. Ainda assim, avisa que ninguém ganha numa guerra comercial, mas a União Europeia deve preparar uma resposta única.
Ainda no cenário internacional, acredita no potencial de crescimento dos negócios na área da defesa e diz que vão aumentar os incentivos públicos no espaço europeu a este setor. Neste momento, é quase impossível canalizar apoios públicos para esta área.
O Dúvidas Públicas é o espaço semanal de entrevista económica da Renascença, que este sábado contou com o presidente da AICEP, Ricardo Arroja. Uma conversa disponível aqui e ainda em podcast e no Youtube.
A política externa norte-americana neste momento é um domínio altamente especulativo porque, como vimos nos últimos dias, os anúncios são bombásticos e depois no final boa parte das ações não são implementadas.
Há neste momento, evidentemente, uma tática negocial por parte do novo presidente Trump, neste novo mandato, de tentar intimidar alguns países pela via comercial, mas a verdade é que o comércio internacional está hoje de tal forma interligado que é muito difícil implementar tarifas dessas, sem que essas mesmas tarifas comerciais produzam efeitos contraproducentes. Tanto no caso do Canadá como no caso do México, os países alvos de Trump nesta primeira investida, imediatamente anunciaram um conjunto de medidas de retaliação comercial que elas próprias também iriam causar impacto nos Estados Unidos.
A história demonstra que tarifas aduaneiras e protecionismo comercial, no final do dia, prejudica toda a gente. Independentemente de que algumas medidas, de natureza protecionista, poderem vir a ser implementadas, no final do dia, entre os anúncios que têm vindo a ser feitos e a realidade das coisas, vai estar uma grande diferença.
Portugal tem uma relação, do ponto de vista comercial, privilegiada com os Estados Unidos. Os Estados Unidos hoje em dia representam 5 mil milhões de exportações de bens, e depois temos outros 5 mil milhões de exportações de serviços, essencialmente turismo norte-americano em Portugal.
Guerra comercial
Presidente norte-americano ameaçou que vai impor t(...)
Que tem crescido a um excelente ritmo. De resto, as taxas de crescimento do comércio bilateral com os Estados Unidos têm estado, sobretudo, no domínio dos serviços. Nos últimos 10 anos temos uma taxa média anual de crescimento das exportações de bens de, sensivelmente, 10% de Portugal para os Estados Unidos e 15% ao ano nas exportações de serviços de Portugal para os Estados Unidos.
Como disse, fortemente alimentadas pelo turismo, mas não só. Há outras áreas nos serviços, nomeadamente serviços de telecomunicações, outros serviços empresariais, em que Portugal tem vindo, cada vez mais, a estabelecer-se como um fornecedor da América.
Se Trump impuser uma tarifa de 25% na fronteira à União Europeia, transversal a todos os setores, Portugal também será afetado. Mas há um bom conjunto de exportações portuguesas onde essas tarifas aduaneiras dificilmente terão eficácia, nomeadamente nos serviços. Como disse, entre os anúncios bombásticos e a realidade das ações, e um outro conjunto de áreas que não serão afetadas pela imposição de barreiras aduaneiras, penso que, no final do dia, Portugal manterá uma relação privilegiada com a América. Até porque, a América não é apenas o Estado Federal norte-americano, são os diversos Estados que compõem a economia norte-americana e permitem a diversificação das exportações de Portugal para os Estados Unidos.
Neste momento, Portugal exporta para os Estados Unidos, no caso dos bens, produtos químicos, são o principal contributo, e máquinas e equipamentos.
Temos também um setor que, ainda não se encontra entre os principais, mas tem revelado um grande crescimento, o setor dos bens farmacêuticos. As exportações crescem 15% ao ano, nos últimos 10 anos. É um caso verdadeiramente notável, em que nos temos conseguido estabelecer, não só com a indústria farmacêutica de base, mas também cada vez mais em áreas de nicho dentro da saúde, o caso da saúde digital, o caso dos dispositivos, a biotecnologia. É revelador de que a economia portuguesa está em transformação, que o problema da produtividade tem neste momento condições para ser atenuado e ultrapassado a médio prazo, porque estamos a conseguir ter cada vez mais empresas e mais valor acrescentado a ser gerado a partir de alguns destes setores de ponta.
O fenómeno da internacionalização geralmente é prosseguido através de várias etapas. O processo típico passa, em primeiro lugar, por uma exportação, que no caso da maioria das empresas é avulsa, para mercados de proximidade.
Espanha é, obviamente, um mercado preferencial. A partir do momento em que há exportações, mais ou menos avulsas, elas tornam-se mais ou menos regulares. A partir do momento em que há exportações mais ou menos regulares, há a necessidade de fazer distribuição local. A partir do momento em que as empresas já dominam o circuito da distribuição local, têm condições para começar a produzir também localmente.
Quando a AICEP apoia o fenómeno da internacionalização, procura identificar empresas que possam participar em cada um destes trajetos e o estabelecimento de investimento direto português no exterior, o reverso do investimento direto estrangeiro em Portugal, é a conclusão natural de um processo de internacionalização bem conseguido.
Temos, neste momento, algumas empresas portuguesas a estabelecerem-se nos Estados Unidos. Desde logo, o setor químico, uma empresa de renome em Portugal acabou de estabelecer-se nos Estados Unidos, com um grande investimento, recebeu, inclusive, prémios de inovação.
É a Colquímica (com sede em Valongo). Por exemplo, nos texteis lar há empresas que desde há muito tempo estão bem sediadas nos Estados Unidos, há empresas, também, no âmbito do agroalimentar, com atividades relevantes nos EUA. De resto, as exportações de produtos agroalimentares são um vetor de grande crescimento da economia portuguesa, não apenas nos agroalimentares tradicionais, mas cada vez mais em produtos de nicho, gourmet, em que Portugal pode também beneficiar de maior valor acrescentado por via da diferenciação das marcas e maior capacidade de impor preço.
A as empresas que têm investimento nos Estados Unidos e com operações locais vão até ser beneficiadas, porque o lado menos mau do protecionismo é que as empresas que estão estabelecidas acabam por ser beneficiadas pelas políticas públicas.
Em bom rigor, já vem de trás. O presidente Biden incitou uma política industrial manifestamente protecionista... Trump iniciou um conjunto de tarifas aduaneiras que Biden manteve. Biden iniciou um conjunto de políticas de política industrial que provavelmente Trump vai manter. Eles acabam, do ponto de vista comercial, por completar-se uns aos outros e a estratégia é convergente.
A história demonstra que políticas protecionistas prejudicam todos, é um cenário de perda mútua. A realidade demonstra também que quando há uma "démarche" protecionista por parte de um parceiro comercial que deixa de ser parceiro, naturalmente, há retaliação.
Neste momento o que se discute na Europa, em termos de medidas de retaliação, para além de tarifas sobre a importação de bens provenientes dos Estados Unidos, é também um conjunto de medidas restritivas de penetração de empresas de serviços norte-americanas no espaço europeu. Estamos a falar das empresas na área do digital, de empresas cujos direitos de propriedade intelectual possam, no limite, ser suspensos no espaço europeu, o que seria um grande golpe num conjunto grande de empresas. Desejavelmente, nada disso irá acontecer.
Portugal, enquanto país de pequena dimensão com uma economia muito aberta, não teria nada a ganhar com uma guerra comercial. É importante que Portugal diversifique os seus mercados de destino, as suas exportações, é importante que Portugal se mantenha de bem com as diferentes geografias. Beneficiamos pelo facto de sermos um país de pequena dimensão, podemos ter alguma flexibilidade na diplomacia económica, de forma a poder beneficiar das diferentes tendências que vemos, não só do Ocidente, mas também do Oriente, nomeadamente no investimento direto estrangeiro. Temos de ser capazes de continuar a captar investimento direto estrangeiro norte-americano, mas também asiático.
Aquilo que se prevê é uma resposta em bloco dos países europeus e, sejamos também realistas, é bom que exista uma resposta previamente coordenada, é bom que exista um plano de ação previamente estabelecido, para que, em caso de necessidade, as medidas possam ser rapidamente despoletadas, porque quando a contrarresposta é rápida, a ação inicial, se calhar, é revertida.
Todos os indicadores prevêm que as exportações portuguesas continuem a crescer. Todas as projeções prevêm que o investimento em Portugal continue a aumentar. Portugal, neste momento, está relativamente protegido da desaceleração económica por várias vertentes.
Desde logo, Espanha. É importante que mantenha uma boa trajetória de crescimento económico, não só porque é o nosso maior parceiro comercial, porque é o maior investidor em Portugal, porque há imensos projetos onde Portugal e Espanha podem e devem colaborar e, na AICEP, estamos a iniciar uma descentralização da nossa estratégia em Espanha, porque não nos parece que faça sentido olhar para Espanha a partir apenas de Madrid.
Depois temos um conjunto de instrumentos de natureza europeia que estamos a aproveitar, nomeadamente o PRR. Acresce que Portugal é hoje um centro económico muito relevante, nomeadamente na área digital. Temos uma série de cabos submarinos a entrarem em Portugal, provenientes dos vários continentes, temos também uma posição geoestratégica importante para grandes investimentos de transmissão de energia elétrica de média e alta voltagem e, portanto, há um conjunto de oportunidades que neste momento se vislumbram no horizonte e que permitem a Portugal ter outra ambição em termos de crescimento económico.
Evidentemente, se vier uma crise global, se houver uma recessão global, Portugal também será afetado. Mas, insisto, o que nós vemos neste momento, de acordo com os últimos indicadores e projeções, é o acelerar do crescimento e 2025 será um ano bom, do ponto de vista económico, a economia vai crescer bastante mais do que a média da União Europeia e do que a média da Zona Euro.
Os 3.500 milhões foram intenções de investimento anunciadas para Portugal no ano anterior. Investimento contratualizado a partir da AICEP foram apenas 420 milhões de euros. É muito importante sermos rigorosos no discurso público e é importante não corrermos o risco de criar expectativas falsas.
Quando nós dizemos que captamos 3.500 milhões de euros para Portugal, é uma expectativa falsa que estamos a projetar.
O que se capta nesse momento, com esse valor, são intenções de investimento, que podem depois concretizar-se, ou não. Porque há muitos passos, desde o anúncio de uma intenção até à concretização do investimento.
Eu, devo já dizer, que não vou nunca falar com grande ênfase sobre as intenções de investimento.
São várias, os projetos que nós estamos a analisar neste momento, que incluem algumas intenções mais ou menos estruturadas, mais ou menos maduras, vão para cima de 20 mil milhões de euros.
Sim, mais de 20 mil milhões de euros é o conjunto de oportunidades que em conjunto estamos a analisar.
Quer destacar algum investimento, alguma área, algum projeto?
Posso destacar aqueles que já foram anunciados na fórmula de contratos de investimento comparticipados pelo Estado português, que são aqueles que foram anunciados recentemente no final do ano. O que é verdadeiramente importante são os números que concretizamos no final do ano. É a execução concreta.
Os números são 12 milhões contratualizados em 2022, 42 contratualizados em 2023 e 418 contratualizados em 2024. E este ano, 2025, vamos certamente fazer muito melhor ainda do que em 2024.
Eu ficaria muito satisfeito se, desses mais de 20 mil milhões de euros, pudesse converter 10% desses contratos. Evidentemente que qualquer valor acima de 418 será um bom valor porque revelará crescimento.
Entre o momento em que a tal intenção é anunciada e o tal momento em que o contrato é fechado há muitos passos que têm que ser dados. Há processos de licenciamento, há processos de aprovação de candidaturas que são submetidas ou apresentadas às entidades. Há avaliações que as entidades têm que realizar. É um processo longo.
A AICEP tem em 2025 um instrumento que é muito poderoso, que são mil milhões de euros para apoiar projetos na área da transição energética. São investimentos em grandes setores estratégicos para o país. Estamos a falar de hidrogénio, projetos na área das baterias, projetos nas áreas das bombas de calor, projetos também relacionados com as matérias-primas críticas, enfim. Toda a fileira, a montante e a jusante, que está associada à transição energética.
Os projectos têm que ter uma dimensão de, sensivelmente, 100 milhões de euros, de investimento elegível. Não é qualquer empresa que entra nesse campeonato.
Inclui alguns dos projetos para Sines, que têm vindo a ser discutidos ao longo dos anos, mas não só. Esta linha de apoio é transversal a várias áreas.
Como eu disse, eu não gosto de especificar, porque lidamos com dinheiro dos contribuintes e temos que assegurar a total transparência dos apoios que prestamos. E isso é claramente feito.
Não lhe sei dizer se a avaliação é essa, porque o terreno tem um dono e, certamente, estará ele próprio a pensar no que é que pode fazer ali. Na AICEP não temos como função intermediar negócios, mas mediar negócios. Os investimentos que nós anunciámos contratualizados no final do ano são reveladores, temos ali investimentos na área dos semicondutores, indústria automóvel, dos derivados de madeira, farmacêutica, enfim.
Parece-me que sim. A transição energética e a adaptação da indústria automóvel ao novo paradigma é mais do que evidente.
Projetos como esse, o desenvolvimento de fábricas que produzam baterias para os veículos elétricos, a transição de motores de combustão interna para motores elétricos, enfim. Há vários passos e vários investimentos industriais que temos, felizmente, em Portugal e a indústria automóvel é um dos setores que mais contribui para as exportações nacionais.
O investimento anunciado nos semicondutores também foi bastante avultado.
Sem dúvida. A área das tecnologias de informação é uma área em que Portugal se tem estabelecido. As exportações de serviços têm beneficiado com o crescimento das TIC em Portugal. As exportações de TIC têm crescido também a dois dígitos há muitos anos, é um setor fundamental para a economia intangível e a economia digitalizada que hoje em dia, cada vez mais, é o normal.
Um dos principais ativos que temos em Portugal, agora entrando mais nas STEM, as áreas de ciências, tecnologias, engenharia e matemática, são os engenheiros. Quase 20% dos alunos do ensino secundário estão em áreas de engenharia, o que é um rácio muito elevado, é o terceiro maior na Europa. É muito importante porque muitos destes projetos vêm obviamente também em busca de recursos humanos qualificados. Também temos de ter oferta de técnicos especializados, nomeadamente o ensino técnico-profissional, que acompanha os licenciados que estas empresas vêm absorver.
A sub-execução do investimento público vem desde há muito tempo. Foi apanágio do anterior governo, nas suas várias versões.
Como eu disse, é uma tendência de longo prazo que se sente em Portugal. Boa parte desse investimento público está agora a ser recuperado também com instrumentos como o PRR. Nestas coisas, às vezes, utilizamos os instrumentos europeus para fazer coisas que se calhar nos conviriam que fossem feitas diretamente por nós, com recursos nossos.
A verdade é que o mais importante, no final do dia, é que os projetos se façam, seja com fundos nacionais oriundos do Orçamento do Estado ou seja com instrumentos estrangeiros, europeus, nomeadamente o PRR e os quadros plurianuais. Se as obras públicas forem feitas, eu penso que o essencial está endereçado.
Temos de exportar mais bens e serviços de elevada incorporação de inovação ou de alta intensidade tecnológica, porque são esses bens e serviços que permitem aumentar os preços, aumentar o valor acrescentado que as próprias empresas geram, recrutar cada vez mais recursos humanos qualificados e internacionalizados, robustecer a gestão, que permitem às empresas ganhar dimensão, efeitos de aglomeração, um conjunto de consequências.
Abrindo novos mercados, com empresas com produtos diferenciadores. Por exemplo, o setor agroindustrial, onde começamos a ver empresas com capacidade de ir ao estrangeiro comprar outras empresas, vemos também uma maior ambição de gestão. Quando conseguimos atrair para Portugal investimento direto estrangeiro na área dos semicondutores, quando a área farmacêutica também é beneficiada com esses fluxos, quando a transição energética também beneficia de interesses estrangeiros, vemos que Portugal está posicionado no mapa com outros ativos.
Estamos num nível que se estabilizou à volta dos 50% do PIB. O turismo foi um fator muito importante para o crescimento das exportações, em percentagem do PIB, mas também outros setores, eu já citei alguns, como a área da farmacêutica.
Não sei precisar, claramente, contribuiu muito para o crescimento das exportações. Portugal é hoje em dia reconhecido como um destino de excelência no turismo. O desafio está em transformar Portugal num destino de excelência para os negócios.
Nós temos boas estatísticas. O que é difícil em Portugal é pôr cá o pé, o licenciamento é duro, é burocrático, os promotores queixam-se bastante, os processos às vezes demoram algum tempo, a articulação entre as entidades públicas podia ser melhor em certos domínios. Eu agora tenho, obviamente, a responsabilidade de contribuir para a solução.
Mas, depois de termos os investimentos estabelecidos em Portugal, os inquéritos indicam que oito em cada dez empresas que se estabeleceram em Portugal, em investimento direto estrangeiro, querem reinvestir. Se conseguirmos, de alguma forma, atenuar estes custos de contexto, que em alguns casos ainda servem de entrave, eu penso que temos todas as condições para dar um salto, não só em termos de investimento direto estrangeiro em percentagem do PIB, que neste momento ronda os 70% do PIB, mas também na nossa capacidade de exportação.
O grande desafio, em termos de demografia empresarial que temos em Portugal, continua a ser a dimensão diminuta da maioria das empresas. Nós temos em Portugal uma elevada percentagem de microempresas. Acaba por ser um ónus sob a economia como um todo, porque as empresas de média dimensão e de grande dimensão são as empresas que, de forma estruturada e ao longo do tempo, conseguem investir mais, conseguem ter meios para exportar e internacionalizarem-se com outra robustez.
Apesar de tudo, temos outras marcas e outros grandes grupos, que também são reconhecidamente destacados na cena internacional. Mas em Portugal as estatísticas são claras, as micro e pequenas empresas têm um sobrepeso, face à média da Europa. As grandes empresas são 0,3% do número das empresas em Portugal e representam quase 30% da empregabilidade.
A carga fiscal é um elemento que qualquer investidor vai ter em atenção. Não tenho dúvidas nenhumas de que, em condição de igualdade, tudo o resto constante, a fiscalidade mais onerosa de um país face ao outro vai fazer a diferença. Qualquer modelo de avaliação de projeto que se faça, vai sempre considerar a taxa de imposto que vigora em cada país e, se a taxa de imposto for mais elevada, essa avaliação quantitativa vai ser prejudicada.
Como é, de facto, em Portugal. Porque em Portugal, nomeadamente no que diz respeito às grandes empresas, aquele segmento em que temos poucas, temos uma fiscalidade progressiva, em que as grandes empresas são sobretaxadas face às outras. Em Portugal, ao longo dos anos, transformámos o sistema de tributação empresarial num sistema que devia ser proporcional, uma mesma taxa para todos, num sistema que hoje em dia é progressivo.
Os investidores estrangeiros pedem, em primeiro lugar, condições para executar os trabalhos. Quando nós somos confrontados com o investidor direto estrangeiro, o que é que ele nos pergunta, tipicamente? Dimensão de terrenos que estejam disponíveis, grandes investimentos industriais vão sempre exigir umas boas dezenas de hectares de terreno, nomeadamente nos projetos industriais, vão perguntar se existe fornecimento de energia elétrica, hoje em dia a eletrificação é uma das mega tendências na cena internacional, um país que não seja capaz de ter uma rede de fornecimento elétrica capaz e em expansão vai ter dificuldade em captar alguns investimentos. Aí, felizmente, temos vindo a assistir recentemente a anúncios de planos de expansão de investimento que dão, de facto, conforto. Procuram ainda recursos humanos.
Sim. Essa é a expectativa da população portuguesa.
Recordo sempre, há uns anos atrás, o Ministro da Economia que foi à China, vendeu Portugal como um destino de baixos salários e chegou aqui e foi crucificado. E bem, porque nós já não queremos isso.
Esse é um assunto proibido no nosso discurso, porque temos que ter a capacidade e a ambição de concorrer com os melhores e nós temos essa capacidade. Basta observar o número de pessoas que em Portugal, nomeadamente na área dos serviços, são recrutados por multinacionais estrangeiras, frequentemente ficam a trabalhar cá e, se isso acontece, é sinal de que os nossos recursos humanos são reconhecidos no estrangeiro e a nossa capacidade de falar línguas.
Essas matérias específicas de fiscalidade são da competência do Governo. Posso dizer que a fiscalidade é, sem dúvida, um fator relevante na captação de investimentos direto estrangeiro e tem uma base muito económica, muito quantitativa, que assim o dita.
Falava-me há pouco dos incentivos e das contrapartidas. Do mesmo modo que Portugal tem esta linha de mil milhões de euros para a transição energética ou tem 150 milhões de euros para a inovação produtiva e inovação e desenvolvimento tecnológico e empresarial, também outros países têm sistemas de incentivos idênticos. O desafio está em saber analisar as diferentes candidaturas que nos chegam, as tais intenções, e sermos capazes de avaliar se estrategicamente fazem sentido na malha de investimento que se pretende promover em Portugal.
E depois, fazer um acompanhamento rigoroso para que as promessas e as expectativas que inicialmente foram estabelecidas sejam rigorosamente cumpridas ao longo dos contratos, porque estes contratos de investimento com o Estado português, tipicamente, perduram durante 10 anos.
Os sistemas de incentivos que gerimos a partir da AICEP não permitem neste momento, estatutariamente, investimentos em áreas da defesa. Mesmo o Banco Europeu de Investimento, o maior da Europa, não pode financiar muitos destes investimentos. Não pode, por exemplo, financiar fábricas de munições e uma série de áreas tradicionalmente associadas à defesa.
E é muito provável, as circunstâncias assim o ditam, que a posição europeia venha a ser relaxada nesse domínio e que também na Europa, a exemplo dos Estados Unidos, comecemos a ver mais incentivos de natureza pública ao setor da defesa. As circunstâncias, as metas de investimento em despesa militar, em percentagens no PIB, assim o vão determinar.
Mas, ao mesmo tempo, na AICEP acompanhamos o cluster AED. É aeronáutica, é defesa e é espaço. Um cluster muito relevante já em Portugal, considerando esses três setores, estamos a falar de 150 entidades envolvidas, entre empresas e institutos de transferência de conhecimento, um setor que já gera um volume de negócios de 1700 milhões de euros e a crescer rapidamente, um cluster que já exporta para quase 100 países de forma direta. Dentro deste clúster há empresas relevantes na área da defesa: empresas de cibersegurança, das tecnologias quânticas, que também têm, digamos, utilização do ponto de vista militar.
Nós acompanhamos o setor comercialmente e está no nosso objectivo ter uma intervenção nesse domínio. Provavelmente, envolvendo também outras entidades ministeriais.
A maior parte das empresas são de pequena dimensão, como todo o nosso tecido empresarial em Portugal. Mas, há algumas que têm capacidade de escalar e de ganhar outra dimensão, porque hoje há muita contratação pública nessa área, há muito desenvolvimento tecnológico, há setores que estão vocacionados para bens e serviços de utilidade civil que estão também a desenvolver bens e serviços de utilização militar, o chamado duplo uso.
Os têxteis têm, obviamente, capacidade de produzir fardas militares. A indústria metálo mecânica utiliza, em muitos casos, a tecnologia laser e a tecnologia laser tem utilização militar. São setores que vão encontrar na economia da defesa oportunidades novas de negócio.
Sim, o projeto de apresentação de medidas já foi submetido ao Ministério da Economia, também outras entidades públicas estão a par e estamos agora a fazer o trabalho de acompanhamento das melhores práticas internacionais.
Esse foi o primeiro dossiê que me caiu na secretária, no início de junho. Como disse, tem origem em situações menos claras do passado, imediatamente os serviços fizeram uma avaliação das críticas que eram feitas, foram feitos os ajustamentos necessários.
São questões de natureza interna e de procedimentos, sobretudo para evitar que conflitos de interesses como aqueles que foram observados se repitam. Hoje em dia há ferramentas que permitem identificar os beneficiários efetivos finais de empresas, sobretudo quando estão em causa contratos de fornecimento entre empresas em que não se conhece exatamente quem é dono de quem, passa por aí boa parte do trabalho. Passa também por uma maior articulação com outras entidades que estão envolvidas na atribuição de fundos comunitários.
O último ponto de situação são 59 PIN.
Há uma grande proporção de projetos internacionais, estamos a falar de um investimento global de 24 mil milhões de euros.
Sim, sim. Era bom que conseguíssemos ter eficiência administrativa para que todos os projetos fossem alvo dos menores custos de contexto em Portugal.
Não. Os serviços técnicos devem fazer a avaliação. Na AICEP acompanhamos proactivamente e diretamente mais de 10 mil empresas e depois há mais 15 mil empresas que recorrem a nós de forma mais esporádica. Temos também que dar o maior apoio possível às empresas que estão no estrangeiro e a nossa rede externa é um ativo fundamental que chega a mais de 50 países. Temos ainda que saber onde é que está a inovação em Portugal, porque são as empresas inovadoras que vão contribuir para a internacionalização da economia portuguesa, que vão crescer a elevado ritmo no futuro.
Estamos a fazer um mapeamento de todo o conhecimento que está a ser transferido dos institutos científicos para as empresas, para saber, nas tecnologias críticas, o que é que somos capazes de fazer. Já há muitas empresas a desenvolver projetos nessas áreas, como a robótica, a biologia sintética, a nanotecnologia, a inteligência artificial. O nosso desafio agora é mapear esse conhecimento que é produzido em Portugal e fazer de Portugal o tal destino de excelência de negócios, a par do destino de excelência no turismo, que já somos.
Temos algumas multinacionais de grande renome em Portugal, não só com projetos de natureza industrial, mas também com projetos nos serviços partilhados e centros de competências. Tínhamos menos de 100 unidades dessas em 2015 e hoje em dia temos mais de 250, 90% são detidas por estrangeiros, o número médio de idiomas falados nesses centros de competências e serviços partilhados é de 5.
Já não estamos a falar dos call centers do antigamente. A partir do momento em que essas empresas virem que há capacidade de execução em Portugal, também poderão sediar investimentos de natureza mais industrial e temos com isto a tal mescla que permite a Portugal estabelecer-se na nova economia.