14 jun, 2025 • Sandra Afonso , Arsénio Reis
Começaram por vender aves na baixa de Lisboa e hoje são o maior produtor avícola nacional e uma das maiores empresas do setor na Europa. Um crescimento conseguido praticamente sem créditos bancários nem apoios do Estado, sublinham os gémeos José António e António José dos Santos.
Este é um ano histórico para o grupo, de cariz familiar, com 2.200 trabalhadores e mais de quatro dezenas de empresas. Em abril celebraram 150 anos e continuam a crescer, no último trimestre contam duplicar a produção em Espanha.
Em entrevista à Renascença os gémeos Santos, donos da maioria do capital do Grupo Valouro, falam da expansão do negócio, que já chega a 45 países. Entre histórias do passado, comentam também o que se segue, o ambiente económico atual e o que esperam do novo governo.
Admitem que aquela que foi definida por Luís Montenegro como uma das bandeiras do novo governo, a reforma do Estado, é “o que Portugal mais precisa” e é também uma prioridade para as empresas.
António José explica que “é uma burocracia, as pessoas perdem 2, 3 ou 4 anos para se fazer qualquer coisa” e por vezes “perdem o interesse”. Se o governo conseguir fazer o que promete, o empresário diz que “tira o chapéu” ao executivo.
Esta é uma medida urgente e essencial, acrescenta José António dos Santos, presidente do grupo. “Se acabassem com a burocracia, o país começava a crescer o triplo do que cresce hoje, no mínimo”, diz.
Além de empresários, os gémeos fizeram carreira na Banca, António José dos Santos foi presidente da Caixa Agrícola de Torres Vedras durante mais de 30 anos, enquanto José António esteve outros 30 anos na Caixa de Crédito da Lourinhã.
Hoje explicam que cresceram essencialmente com o reinvestimento dos lucros, o recurso à banca foi pontual, “só no início e pouca coisa”, e investiam à medida que iam ganhando.
Ganharam dimensão com a industrialização do setor e com uma gestão rigorosa das contas. “Fugi sempre da banca e fui 33 anos e cinco meses presidente de um banco, a maior Caixa Agrícola do país”, explica António José.
“O empréstimo bancário suga parte dos lucros que o empresário ganha”, explica, “todo aquele que poder crescer sem lá ir, é um segredo de sucesso”, admite.
Por outro lado, “muitos começam por ir buscar dinheiro logo ao banco e depois, em vez de meterem no negócio, vai para automóveis, para aqui, para ali… para o Ferrari”.
Garantem que a história do grupo não passa por apoios governamentais. Poucas vezes aceitaram ajuda estatal, para darem um exemplo têm de recuar até ao governo de Mário Soares e à crise do petróleo, quando receberam apoios para substituir os combustíveis fósseis.
Ainda assim, não estão contra apoios governamentais e até defendem que devem chegar também aos grandes grupos económicos, para garantir que concorrem ao mesmo nível com as restantes empresas europeias.
Nos últimos anos foram compensados pelas perdas com a gripe das aves, que teve um impacto residual no grupo, até 300 mil euros. No entanto, criticam o preço pago em Portugal, abaixo do que foi praticado noutros Estados-membros.
Defendem ainda que o país trata mal as grandes fortunas, como a da família Santos, que segundo a Forbes Portugal é uma das 30 maiores do país. “Quanto mais as pessoas têm, mais impostos pagam, com agravamentos”, explica José António.
Na prática, quem tem dinheiro acaba por ponderar investir fora do país, onde o retorno é maior. “Conheço alguns industriais que fazem isso”, diz António José.
Compreendem e concordam com a preocupação manifestada pelo Ministro das Finanças, que não quer que aumente o peso do capital espanhol na banca portuguesa, onde já controlam um terço do mercado.
Admitem que existe dinheiro nacional, pode é não interessar o investimento, No caso da banca há ainda uma agravante, “não há administradores para essas empresas”, defendem.
Hoje o Grupo Valouro tem mais de 40 empresas e movimenta-se por vários setores, mas os negócios principais do grupo continuam a ser a produção avícola e as rações, tudo o resto “são amendoins”.
A criação, abate, transformação e comércio de aves é a atividade principal, mas o grupo inclui ainda produção agrícola, fabrico de rações, compostagem, entrepostos comerciais e produção de energia. Têm ainda empresas na área dos seguros e do turismo, por exemplo.
Nesta entrevista admitem que já ponderam se vale a pena continuar a investir, mas aos 85 anos não têm planos para se afastarem da gestão do grupo nem rejeitam à partida novas oportunidades de negócio.
Continuam a contratar e dizem que não falta mão-de-obra, têm “muitos pedidos” de trabalho.
O crescimento passa agora por Espanha. Até ao último trimestre de 2025 contam duplicar a produção avícola no país vizinho, perto da central nuclear de Almaraz, com um investimento de mais de 30 milhões de euros.
O mercado avícola nacional já teve 48 empresas, hoje são cerca de seis. Aqui a dimensão é importante e a expansão além fronteiras natural.
O Grupo Valouro já exporta para 45 destinos, entre Europa, Médio Oriente e África. Saem camiões de Portugal carregados de ovos, mais de 300 mil em cada viagem, para a Rússia, um dos mercados mais distantes. São cerca de 10 mil quilómetros, até chegarem à incubadora.
As tarifas de Donald Trump passam ao lado do Grupo Valouro, porque os Estados Unidos proíbem a entrada de aves.
Por outro lado, dependem do estrangeiro para assegurar todo o cereal que precisam. Apesar da aposta na produção, o preço da água torna rentável a importação e nunca tiveram dificuldade em comprar lá fora o que não conseguiam no país, nem mesmo com a invasão da Ucrânia pela Rússia.
DÚVIDAS PÚBLICAS
O empresário José António dos Santos, dono do grup(...)
O grupo Valouro e José António, pessoalmente, têm uma participação de 16,38% na Sad do Benfica. É a maior participação individual e pode ir parar a mãos estrangeiras.
José António ou "Rei dos Frangos", como ficou conhecido, diz nesta entrevista ao programa Dúvidas Públicas que recebeu esta semana uma nova proposta para a venda das ações, não identifica a origem, diz apenas que vem do estrangeiro e é um novo player.
A proposta ainda está em análise, mas cumpre praticamente todas as condições.
Os gémeos confessam que são adeptos do Benfica desde pequenos, mas este é um investimento racional.
José António comenta ainda as contas do clube, a corrida à presidência e o futebol em Portugal.
José António e António José dos Santos, os gémeos donos do grupo Valouro, que celebrou em abril 150 anos, são os entrevistados esta semana do programa Dúvidas Públicas. Uma conversa que pode ouvir e ver na íntegra aqui no site da Renascença ou em podcast e no Youtube.