21 jun, 2025 • Arsénio Reis , Sandra Afonso
Esta semana ficou marcada pela discussão e votação do Programa de Governo, que inclui várias novidades, medidas que não tinham sido incluídas no programa eleitoral nem foram alvo de apresentação ou discussão prévia. Nada que surpreenda o antigo ministro socialista, Vieira da Silva, que em entrevista à Renascença faz questão de lembrar que outros governos do PSD, e até o primeiro executivo da AD, já tinham feito o mesmo.
As novidades atravessam várias áreas, incluído o setor do trabalho, onde uma das medidas que tem levantado mais contestação é a alteração da lei da greve. Vieira da Silva junta-se ao coro de vozes que critica esta intenção do executivo porque, segundo o antigo ministro socialista, “uma mudança numa área tão sensível como essa só se justifica se houver bloqueios significativos na aplicação dessa medida”.
O antigo governante conclui que, em comparação com o resto da Europa, “estamos muito longe de ser o país com mais incidência de greves” e até os sindicatos “têm vindo a perder capacidade de intervenção”.
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O Governo justifica a medida com a necessidade de conciliar os serviços mínimos com as greves. Mas, para Vieira da Silva, é preciso olhar para o problema de outra perspetiva. O problema não é a lei mas a forma como está a ser aplicada. “Tivemos algumas situações em que não foram aplicados serviços mínimos, por incompetência do governo”, defende. “Quem governa e recebe um pré-aviso de greve tem de estar preparado para ver tudo o que tem de ser feito”, acrescenta.
Dá ainda como exemplo uma das últimas greves da CP, em que não foram decretados serviços mínimos pelo tribunal arbitral, “o governo tinha de ter garantido as condições para que fossem fixados os serviços mínimos”, mas não o fez.
“Tivemos algumas situações em que não foram aplicados serviços mínimos, por incompetência do governo”, defende. “Quem governa e recebe um pré-aviso de greve tem de estar preparado para ver tudo o que tem de ser feito”, acrescenta.
O antigo ministro do Trabalho contesta ainda outras medidas, como a possibilidade de os trabalhadores comprarem dias de férias, que vê como “mais um assunto que só serve para desviar a atenção de problemas relevantes”. “Não há uma reivindicação generalizada” por mais férias, por menos salário, “só serve para confundir”, sublinha.
Em discussão nos próximos anos vai estar também a descida do IRC até 17%, um objetivo que a AD recupera, depois do braço de ferro com o PS de Pedro Nuno Santos, para aprovar o Orçamento do Estado para 2025.
O último secretário-geral socialista traçou uma linha vermelha na descida do imposto para as empresas. Vieira da Silva diz que o que importa é o conceito, ou seja, premiar com alívios fiscais as empresas que reinvistam os lucros.
Recupera ainda a ideia de que a sustentabilidade da segurança social depende muito da manutenção do equilíbrio na lógica contributiva. O sistema depende da manutenção de trabalhadores no ativo que garantam o pagamento das contribuições. Numa população envelhecida e em envelhecimento, isso vai depender cada vez mais do contributo da imigração.
É uma das bandeiras do novo governo da AD e tem mesmo direito nesta versão 2.0 a um ministério próprio, mas Vieira da Silva avisa que não será esta reforma que vai resolver todos os problemas do país. Também não está convencido que seja desta que se concretiza a reforma do Estado.
“Não creio que este governo tenha condições para proceder a mudanças profundas no modelo de organização do Estado”, diz, porque a reforma não se limita à administração central, passa ainda pelas regiões e pelo poder local.
O que falta? “Um governo com um quadro político mais estável”, explica o antigo governante, “ou um apoio maioritário na sociedade e no parlamento muito claro”. Sem isso, Vieira da Silva não antecipa que a reforma seja conseguida.
Critica ainda a forma como a medida foi apresentada, porque ainda não se conseguiu perceber o que está aqui em causa. “Era bom que dissessem ao que vinham”, afirma, não só para “as pessoas poderem perceber”, mas também permitir perguntar se “isso significa despedimentos”.
O antigo ministro socialista admite que o PS enfrenta uma crise profunda, mas não está sozinho, esta é uma tendência que se manifesta pela Europa, em vários partidos da mesma família política. Acaba por associar a perda de votos nas últimas legislativas com o crescimento da extrema-direita, mas o PS não foi o único afetado, também o PSD viu fugir a maioria absoluta.
Nesta entrevista ao programa Dúvidas Públicas da Renascença, Vieira da Silva analisa ainda o crescimento do populismo, que delimita à extrema-direita, e comenta os movimentos neonazis, com ligações a forças de segurança. Dois fenómenos que faz questão de distinguir.
No plano partidário, destaca a próxima batalha do PS, as eleições autárquicas, onde o partido, “obviamente, irá lutar para manter a direção da Associação Nacional de Municípios”. Um objetivo que também já foi fixado pelo líder do PSD, Luís Montenegro, que quer recuperar a presidência da ANMP.
José Luís Carneiro, o candidato único à liderança do PS, já adiou para depois das autárquicas uma posição do partido na corrida a Belém. Até lá, quem já lançou a candidatura vai reforçando a respetiva posição, avisa Vieira da Silva.
O antigo governante continua a defender que “existem outros candidatos, com melhores condições para representar uma área política alargada e com experiência e provas dadas”, em vez de António José Seguro. O antigo secretário-geral do PS oficializou no último domingo a candidatura às presidenciais, sem o apoio da direção do PS, mas com alguns nomes de peso no partido.
O antigo ministro do Trabalho não aponta nomes, que ainda se podem apresentar como candidatos e Belém com o apoio do PS. Mas sublinha que, “se não aparecer (um candidato), será mais uma situação negativa” para o partido.
Vieira da Silva comenta ainda o final de mandato de Mário Centeno no Banco de Portugal, onde não deverá ser reconduzido pelo executivo. Embora respeite “a decisão do governo”, defende que “ninguém pode pôr em dúvida, que seria quase uma difamação, dizer que Mário Centeno iria fazer política partidária no lugar que já desempenhou”. Pelo contrário, “faria decerto um exercício de muita qualidade e independência”.
A confirmar-se a saída de Centeno, o Governo deve explicar porque decide não reconduzir o governador do Banco de Portugal, “coisa que não tem feito na maior parte das substituições que fez”, acrescenta Vieira da Silva.
José Vieira da Silva, antigo ministro do Trabalho e Segurança Social, em entrevista ao programa Dúvidas Públicas, na semana em que o parlamento discutiu e aprovou o programa do segundo governo da AD. Pode ouvir o programa na íntegra aos sábados, a partir do meio-dia, ou a qualquer momento no site, em podcast ou no Youtube.