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Nuno Ribeiro da Silva

Apagão "vai repor na agenda com maior dramatismo" a importância das interligações de energia

01 mai, 2025 • Pedro Mesquita


Antigo presidente da Endesa e ex-secretário de Estado da Energia lembra, em entrevista à Renascença, que "Portugal e Espanha há muitos anos que reclamam uma interligação mais estreita e com maior capacidade entre a Ibéria e o sistema europeu para lá dos Pirenéus". Perante este apagão, Nuno Ribeiro da Silva acredita que o dossier "irá emergir", apesar da resistência francesa.

A interligação das redes energéticas entre a Península Ibérica e o resto da Europa há muito que é um cavalo de batalha que separa Paris de Lisboa e Madrid. Nuno Ribeiro da Silva recorda que quando foi secretário de Estado da Energia, entre a1986-1991, este já era "assunto de conversa e de confronto com os franceses. O antigo presidente da Endesa explica que, desde então, tem havido sucessivas iniciativas políticas para corrigir, neste domínio, a "quase insularidade da Península Ibérica".

Em 2022, indica a título de exemplo, "houve uma cimeira entre Emmanuel Macron, o presidente do governo espanhol, o primeiro-ministro português, com a bênção da Comissão Europeia, para tentar, finalmente, a este alto nível, desbloquear o eterno adiamento do reforço das interligações entre a Península Ibérica e a França. E, na realidade, o que acontece é que as coisas vão sendo empurradas com a barriga".

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Apagão "vai repor na agenda com maior dramatismo" a importância das interligações de energia

O assunto, de resto, foi novamente abordado por Luís Montenegro no último Conselho Europeu, em março de 2025, sem que, aparentemente, tenha existido qualquer aproximação de posições entre a Península Ibérica e a França.

Nuno Ribeiro da Silva está confiante, contudo, de que o apagão desta semana irá "repor na agenda, com maior ênfase e dramatismo, este problema, que é um dos pontos negros da solidez da estrutura da rede europeia. Certamente que esse ponto irá emergir na análise deste acidente".

A importância da auditoria europeia ao apagão

Na leitura do antigo secretário de Estado da Energia, será muito importante encontrar resposta para diversas perguntas, para que episódios semelhantes não voltem a ocorrer , seja na Península Ibérica, seja em qualquer outro Estado-membro da União:

"Por que é que não foi cometido o deslastre da rede, pela Espanha e por Portugal, de imediato? Por que é que (este apagão) acabou por afetar todo o sistema ibérico? Não houve comunicação entre os operadores de sistema? Haverá no sistema pontos negros, que são débeis e que há que reforçar no futuro? Há sistemas de alerta, sensores, que ou não funcionaram ou não são suficientes para dar sinais laranja, e assim antecipar situações de sobretensão e de aquecimento de cabos, nas subestações?"

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"Portugal é mais do que autosuficiente para responder a pico de procura", diz Nuno Ribeiro da Silva

Nuno Ribeiro da Silva explica que toda esta análise, que vai além da origem do apagão, será também "crítica para daí tirarmos ilações", sublinhando a importância da auditoria europeia.

"Como a Comissão Europeia já disse, em 20 anos nunca houve um acidente - nem de perto nem de longe - com a amplitude deste" e, assim sendo, "a auditoria será feita porque também se está a aprender. Qualquer situação deste género implica uma análise para se perceber onde estiveram as falhas...a falha ou as falhas. É um pouco como quando há um acidente de avião, vai-se sempre analisar qual foi a causa, se foram erros humanos".

"Eu aponto francamente para alguma falha humana"

Ainda não se conhecem os resultados das diversas auditorias solicitadas, na sequência do apagão, mas Nuno Ribeiro da Silva considera que o mais provável é ter existido uma falha humana: "aponto francamente para alguma falha humana porque o sistema estava numa situação perfeita. Não havia nenhuma tempestade, não há anúncio de ter caído qualquer cegonha, qualquer abutre ou qualquer melro nas linhas".

O antigo secretário de Estado da Energia sustenta ainda, na sua tese, que "a procura era uma procura média-baixa a nível de Espanha e Portugal e havia muita capacidade disponível".

Ribeiro da Silva explica que "a maior parte das centrais de ciclos combinados, das próprias nucleares espanholas, e algumas barragens de albufeira, não estavam sequer a ser necessárias, portanto, será extremamente estranho que não tenha tido origem numa qualquer distração, de uma qualquer manobra errada por parte do operador de sistema".

Bastará um operador de sistema para pôr a Península Ibérica e outros países sem luz?

Nuno Ribeiro da Silva recorda, nesta entrevista à Renascença, que "a história está cheia destas situações. Repare-se, por exemplo, que Chernobyl foi uma sucessão de disparates e erros dos operadores".

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Nuno Ribeiro da Silva admite que apagão pode resultar de falha humana

O antigo presidente da Endesa admite, por isso, que "alguma falha técnica provocada por um operador, tenha tido um efeito que, depois, também possa ter tido outro tipo de 'não-respostas' para conter a origem da ignição do problema".

Foi um "soco no estômago, foi uma coisa instantânea que se propagou à velocidade da luz, literalmente, pela rede".

Nuno Ribeiro da Silva sublinha que "Portugal, se quiser, é mais do que autossuficiente em termos de capacidade de centrais instaladas para responder ao pico da procura anual que se verifica no país".

Na leitura deste especialista, se não existiu uma resposta mais rápida ao apagão com aparente origem em Espanha, "porque estes impactos, este soco no estômago - como costumo dizer - foi uma coisa instantânea que se propagou à velocidade da luz, literalmente, pela rede. São frações de segundo em que não há possibilidade de reagir, ligando centrais que estavam paradas porque não eram necessárias na altura".

E não eram necessárias, admite, porque a energia que chegava de fora era mais barata: "Exatamente. Repare que no dia seguinte foi decidido, pelo operador de sistema português, desligar-se da interligação com a Espanha e facilmente cobrimos todas as necessidades da procura. Essa ideia de que nós estamos dependentes de Espanha porque não temos equipamentos, digamos, infraestrutura suficiente para nos alimentarmos é uma ideia absolutamente errónea".

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