09 mai, 2025 • José Pedro Frazão
A eurodeputada Carla Tavares, correlatora do Parlamento Europeu na negociação do Orçamento pós-2027, espera que o processo negocial esteja totalmente concluído até ao final de 2026.
Em entrevista à Renascença, a socialista defende que a proposta do Parlamento Europeu é boa para o interesse europeu, sobretudo se fugir ao modelo dos PRR.
Comecemos pela ambição do próximo Quadro Financeiro Plurianual. Defendem que 1% de rendimento nacional bruto da União Europeia a 27 é insuficiente e muitos discutem se devia ser colocada uma fasquia mais ambiciosa. Mas aqui a opção foi deixar em aberto. Porquê?
Em primeiro lugar, este é o documento que enquadra e mandata os relatores para as negociações com a Comissão Europeia, conseguido com uma maioria "simpática" no Parlamento, essencialmente trabalhado com todos os partidos pró-europeus. Embora se discuta muito o tamanho do próximo Quadro Financeiro Plurianual, ainda que não apontemos para um percentual específico, percebemos que é preciso ter mais ambição. Não é possível fazer mais com menos, os desafios hoje são muito diferentes, aliás do que eram em outubro, quando começámos a trabalhar como correlatores neste dossier. Temos Trump, as tarifas, um conjunto de realidades geopolíticas que não tínhamos em outubro.
Deixamos claro no relatório – está aprovado e é factual – que 1% do Rendimento Nacional Bruto da União é insuficiente. Considerando que as necessidades agora são objetivamente maiores, nomeadamente a necessidade de pagar os juros do Next Generation EU a partir de 2028, é preciso olhar para os recursos próprios.
Mas porque é que não fixam uma percentagem alternativa?
O nosso papel aqui é dizer que concordamos que não pode ser 1%, dando espaço naturalmente a todos os entendimentos necessários nas conciliações entre os 27 Estados-membros. O que o Parlamento diz, à partida, é que não é possível fazer tudo, ultrapassar todos os desafios que a União tem pela frente, só com 1% do rendimento nacional.
Ao fim destas semanas de trabalho, está consolidada a ideia de que, apesar dos novos investimentos que têm que ser feitos, quer da competitividade quer da segurança e defesa, tal não pode pôr em causa, por exemplo, a dimensão social da Europa ou, por exemplo, os fundos de coesão?
Sim, aliás é muito claro em diversos pontos da proposta do Parlamento. Temos de olhar para esses novos desafios de uma forma diferente, mais solidária entre os 27 Estados-membros. As questões da competitividade são cada vez mais relevantes, a Europa tem de se afirmar no contexto mundial e todos sabemos, quer relativamente aos Estados Unidos, quer relativamente à China, vai perdendo o seu espaço. A competitividade não deve ser só olhada sobre o ponto de vista económico, mas também sobre o ponto de vista social e territorial.
A par disso, temos tudo o que são as áreas relacionadas com o investimento que a União Europeia tradicionalmente suporta, relacionado com as áreas da coesão ou da agricultura. O Parlamento está mandatado para negociar com a Comissão, tendo o entendimento de que a Europa tem novos desafios, deve-se organizar e ser solidária no contexto de encontrar soluções para esses novos desafios. Paralelamente, não podemos deixar de estar presentes nas políticas tradicionais suportadas pelos quadros financeiros plurianuais anteriores.
Não receia que do ponto de vista dos fundos de coesão pós-2027, com a perspetiva de um alargamento novo e o correspondente dispêndio de dinheiro de verbas europeias, esse ponto de vista não seja tão do interesse português?
A Europa tem tido um apoio muito determinante, importante e relevante à Ucrânia. A posição do Parlamento salvaguarda que, num contexto de alargamento, o quadro financeiro deve ser revisitado. Estamos a falar de um instrumento a partir de 2028, ainda falta muito tempo. Não fazia sentido condicionar qualquer área de investimento neste momento.
O Parlamento defende que, numa situação - não sabemos quando - de possibilidade de alargamento a outros Estados-membros, que seja feita nessa altura uma revisão do quadro financeiro plurianual. Vamos naturalmente trabalhar com a Comissão no sentido dos equilíbrios necessários à realidade geopolítica dos diversos países da União Europeia. Ao dia de hoje, a Comissão já sabe claramente qual é a perceção do Parlamento nessas áreas e quais as vontades dos 27 Estados-membros a nível do Parlamento Europeu.
Há um risco real do reembolso dos empréstimos do Next Generation EU pôr em causa as principais prioridades da União Europeia, ao nível do seu financiamento?
Temos de pagar os juros do Next Generation EU. Entendemos que, face aos novos desafios de momento, com essa mesma necessidade de pagar os juros, é preciso olhar para os recursos próprios. É preciso trabalhar paralelamente e, ainda que não esteja no âmbito e na esfera deste relatório, não nos parece possível que a Comissão aborde um próximo quadro financeiro plurianual pós-27, sem os consensos possíveis que têm de ser forçosamente encontrados sobre novos genuínos recursos próprios. O relatório refere ser uma inevitabilidade, não sendo possível fazer mais com menos, sabendo também que não se pode fazer o que sempre se fez, porque a realidade de facto mudou.
É preciso olhar para como se podem otimizar mais os financiamentos, os programas e os investimentos que existem. Temos, de facto, novos desafios e, portanto, precisamos de novos e genuínos recursos próprios.
E que novos recursos podem ser esses?
Podem passar por tarifas, por exemplo. Há uma proposta desde 2020-2021 em cima da mesa, que é preciso revisitar e encontrar todos os equilíbrios necessários entre os 27 para não tornar mais difícil ainda o desenho das diversas ‘caixinhas’ onde entram os diversos investimentos do próximo quadro financeiro plurianual.
A contração conjunta de empréstimos será o novo normal?
Não sei se vai ser o novo normal. Todos esperamos que não seja, mas a proposta do Parlamento vai, no fundo, no sentido de que não seja limitada essa possibilidade unicamente às questões da defesa. O horizonte temporal é muito longo e não conseguimos perspetivar o que é que nos espera. Entendemos que essa possibilidade deve ficar clara, até para que o Parlamento não fique sem a possibilidade de exercer as suas competências enquanto autoridade orçamental.
Porque é que que os eurodeputados consideram inadequado o ‘fundo de competitividade’ que está em cima da mesa?
Entendemos que esse fundo deve ser olhado de uma forma holística, não olhando unicamente para a competitividade, mas associando outras áreas que são absolutamente relevantes, nomeadamente as dimensões sociais, económicas e territoriais. Devem estar associadas a todo este grande desafio que a Europa tem na área da competitividade. O próprio relatório de Mario Draghi não deixa de ser um elemento muito importante para todo este trabalho desenvolvido no Parlamento Europeu.
Mas há uma parte deste novo fundo que terá uma fatia importantíssima que vem do orçamento?
É isso que agora vamos começar a trabalhar com a Comissão. A proposta da Comissão vai ser apresentada dia 16 de julho e estamos mandatados pelo Parlamento Europeu para, de forma mais formal, começarmos este trabalho com a Comissão.
Porque é que a ideia do PRR como modelo não é tão benéfica assim?
Da experiência e da avaliação que foram feitas, e que naturalmente tem coisas positivas - não nos podemos esquecer que o PRR, ou o Next Generation EU, foi um instrumento muito importante. Tínhamos saído da pandemia, portanto era necessário alavancar e apoiar as pessoas e a economia.
Quando falamos de um quadro financeiro com uma duração de sete anos, entendemos que é muito relevante, até pelas experiências anteriores relativamente aos quadros financeiros plurianuais, ter um envolvimento muito significativo do nível regional e do nível local, muito mais do que ter políticas centralizadas. Sabemos que a Comissão está a equacionar uma nova arquitetura que não conhecemos ainda em concreto, mas não será como a conhecemos hoje no quadro financeiro plurianual. Quisemos salvaguardar desde o início que o Parlamento Europeu não se revê numa arquitetura fundada exclusiva e unicamente nos planos nacionais. É uma evidência que o envolvimento ao nível regional e local é muito determinante para depois a boa execução deste tipo de financiamentos e deste tipo de programas.
É uma ideia de contrariar uma certa centralização do processo na Comissão e no Conselho?
Também, porque o Parlamento tem de ter uma presença ativa e exercer as suas competências. Essencialmente, na execução nos 27 Estados-membros, é também muito mais benéfico ter a proximidade e ter a possibilidade de o nível local e regional terem não só capacidade de execução, mas também capacidade de decisão na aplicação dos fundos que lhes são atribuídos.
Essa ideia do controlo democrático do que se está a passar ao nível da Comissão é depois expressa na questão da simplificação e da reação à burocracia?
Isso mesmo. O Parlamento tem de cumprir as suas competências, o seu papel legislativo, enquanto autoridade orçamental.
Pode dar-nos exemplos de como é que isso poderá funcionar?
Nós temos situações, por exemplo, com os programas de apoio ao desenvolvimento, nomeadamente de países terceiros, em que o Parlamento perde a sua capacidade de autoridade orçamental e de controlo de utilização desses mesmos apoios. Isso não é benéfico. Num pacote de investimento comum, com um período temporal de sete anos, é muito mais eficiente, mesmo no acompanhamento das execuções, quando o Parlamento assume o papel que lhe é devido e legalmente atribuído relativamente às fontes comunitárias.
Deixam aqui a proposta de dois instrumentos especiais, um para a questão das catástrofes naturais e outro para crises de caráter geral. O Parlamento Europeu considera que esta ideia terá acolhimento na negociação?
Achamos que sim, por aquilo que vivemos, nomeadamente com os incêndios e com as cheias que tivemos. É muito importante que a União Europeia esteja munida de um mecanismo que consiga a cada momento acionar, sem estarmos muitas vezes quase um ano à espera que seja possível depois concretizar esses apoios. As questões da proteção civil e da segurança também passam por essas áreas e têm sido muito discutidas no Parlamento e até pela Presidente da Comissão Europeia,.
Não tenho dúvidas que, nessas áreas, estamos em total sintonia com a Comissão. Temos de tornar os instrumentos mais ágeis para uma resposta mais rápida, quando é necessário que ela ocorra. Infelizmente a história recente vem-nos demonstrar que tem sido necessário bastantes vezes mais do que qualquer um de nós desejaria.
E esta é uma boa proposta também para o interesse português?
Acho que sim, é uma boa proposta para o interesse português. O texto que se conseguiu construir com os partidos pró-europeus do Parlamento é uma proposta que salvaguarda essencialmente o ADN, a matriz e os interesses da União Europeia. E exatamente, se calhar por isso, conseguiu ser aprovada no momento em que o Parlamento não tem propriamente a mesma configuração que tinha na anterior legislatura. Esse trabalho conjunto foi muito importante e relevante, porque vamos precisar que ele continue a existir. Foi muito relevante para conseguirmos esta aprovação e acho que, relativamente aos nossos desafios em Portugal, é um documento muito bom, muito interessante para todos os desafios que temos e para tudo o que aí vem.