16 mai, 2025 • José Pedro Frazão
A dois meses da Comissão Europeia apresentar a sua proposta de Quadro Financeiro Plurianual pós-2027, os agricultores pedem que o setor não fique para trás, nomeadamente no quadro de um possível alargamento que pode colocar um gigante agrícola - a Ucrânia - dentro da União Europeia.
O tema sobrepõe-se a curto prazo no espaço público com a resposta às tarifas norte-americanas. Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), lembra que a União Europeia exporta quase 5 mil milhões de euros em vinho e bebidas alcoólicas para os Estados Unidos.
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"Ao haver uma diminuição dessas exportações, o mercado europeu vai ficar muito mais cheio de produto. Dizem que a solução é ir à procura de outros mercados. Mas quais outros mercados? Vender vinho para Marte? Já hoje os operadores vendem vinho em todo o mundo e a pressão por falta de vendas nos Estados Unidos estará em todo o mundo também", explicava este mês perante uma plateia de empresários em Torres Vedras, num encontro organizado pela Renascença e pela Caixa Geral de Depósitos.
A diminuição das exportações de vinho da Europa para os Estados Unidos terá também impacto no setor da cortiça. "Há menos rolhas nas garrafas, há também um decrescimento do mercado da cortiça e também da pasta do papel, com 140 milhões de euros por ano de exportações", explica Luís Mira.
Este dirigente da CAP elogia a resposta rápida de Bruxelas, mas alerta para a lentidão na aplicação das estratégias europeias de combate às tarifas.
"O acordo com o Mercosul, mesmo a correr bem, demora dois anos a ser aplicado - a correr bem - e portanto não é uma solução que venha agora a resolver esta questão das tarifas de Trump", alerta Luís Mira, que sublinha que o Brasil é um mercado de 220 milhões de consumidores falantes de português.
"A Comissão fez aqui uma manobra bem feita, ao dizer que as questões comerciais são responsabilidade da Comissão Europeia. Se isto fosse aos parlamentos nacionais, demorava mais outros 20 anos", afirma Luís Mira.
Para falar em lentidão, José Pereira Palha, coordenador do Observatório da Agricultura da SEDES, dá o exemplo da utilização de drones na aplicação de produtos fitofármacos.
"Há 10 anos que o Brasil utiliza drones em pomares e tudo o que seja agricultura de árvores. Neste momento estão a testar aeronaves não tripuladas que conseguem levar 300 litros de água, completamente eficientes, com muito menos contaminações - porque não há arrastamento - e porque chega muito perto da cultura que está a ser tratada. Na Europa, a utilização de drones é proibida e estamos há 6 anos a tentar convencer a Comissão Europeia da importância disto", exemplifica este dirigente da SEDES.
Para a CAP, a maior encruzilhada europeia é mesmo a lentidão que a Europa tem, a par da tendência para "mostrar o jogo". Luís Mira lembra que todas as regras europeias são conhecidas nos Estados Unidos, inclusive traduzidas em inglês.
O coordenador do Observatório de Agricultura da Sedes recusa classificar as ajudas da Política Agrícola Comum como "subsídios aos agricultores". Para José Pereira Palha, a PAC é uma ajuda "para que os consumidores consigam ter produtos de qualidade em quantidade e a preços que os possam pagar".
Para Luís Mira, "só por acaso" é que a Política Agrícola Comum funciona bem, já que vigora numa versão proposta antes da covid-19 e da guerra.
"A PAC anda sempre a mudar. Quando os agricultores se adaptam a uma política, muda outra vez. Flexibilidade e simplificação são palavras que todos os comissários europeus dizem, mas que depois na prática é sempre ao contrário. A PAC cada vez é mais complexa, mais exigente. São mil páginas de regulamento comunitário, não consigo dizer o que é a PAC em dois minutos", denuncia o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal.
José Pereira Palha, da SEDES, denuncia que as metas ambientais europeias "em muitos casos estão a pôr em causa a produtividade europeia", sustentando que a Europa voltou a ser importadora de alimentos em que a Europa era tradicionalmente exportadora.
"A rentabilidade da atividade agrícola tem margens mínimas e se não houver um incentivo para que se consiga produzir cumprindo as regras que a União Europeia nos quer impor, podemos ter um abandono da atividade agrícola numa área importante da Europa", alerta este membro da SEDES.
Já Luís Mira fala numa "agenda ambiental muito apertada" na Comissão anterior, mas garante que é possível conciliar os interesses agrícolas e ambientais. "Mas tem que se dar mais tempo". E as compensações? "Às vezes não chegam. As que os agricultores recebem normalmente não pagam toda a perda de rendimento".
Essencial, para Luís Mira, é mesmo que "a Europa mantenha as mesmas regras na importação de alimentos a que obrigam os agricultores a cumprir no espaço europeu".