04 set, 2025 • Pedro Mesquita
Vamos a um exemplo: Quando o tema é a Ucrânia, por regra, a Hungria não alinha. É uma equação difícil, sobretudo quando as decisões exigem unanimidade, e o Tratado da União Europeia não prevê a expulsão de Estados-membros. Só sai quem quer, como aconteceu no Brexit.
27-1= descredibilização..."e a descredibilização, por sua vez, alimenta o ceticismo e enfraquece a Europa, ainda mais", explica à Renascença Paulo Almeida Sande.
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O que é que é preciso fazer? Na leitura deste especialista em assuntos europeus, "a primeira coisa é tornar a política externa e de segurança - sobretudo a política externa, que é relevante para essa imagem e capacidade de atuação - torná-la muitíssimo mais flexível, no sentido de que não pode estar dependente de unanimidade. Essa unanimidade entrava os resultados".
Sande reconhece que "estamos a falar de uma transformação grande", mas de imediato sublinha: "É preciso fazer alguma coisa".
Na prática, a solução poderia passar pela construção de um novo degrau na estrutura europeia, à semelhança da cooperação que já existe na área da defesa: "Isso pode acontecer num outro plano, num plano mais político, em que a Europa se una, aumente a sua interação apenas com aqueles países que estão dispostos a fazê-lo e, depois, criar uma ponte com o núcleo duro, que continuará a ser a União Europeia".
De acordo com o Eurobarómetro, divulgado esta semana, nove em cada dez europeus querem mais União. Este foi um dado enfatizado por Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu. Como é que a União pode ser realmente mais forte e mais efetiva?
A Europa precisa, efetivamente, de ter mais capacidade para reagir aos problemas internacionais e de o fazer em conjunto, e de uma forma coerente. É isso que não está a acontecer basicamente.
Mas como é que esta Europa pode ser mais forte quando, por exemplo, vemos o caso da Ucrânia em que, sistematicamente, a Hungria vota contra ou é colocada à margem e, portanto, nunca há propriamente uma decisão a 27? Como é que se pode tornar esta União realmente efetiva? A Hungria também não pode ser expulsa da União. Como é que se pode resolver isto?
Não é só o caso da Ucrânia. É o caso da Israel, enfim, há muitos casos neste momento, há muitas situações, sobretudo na política externa, porque cada país acaba por continuar a querer manter as suas agendas e a funcionar em função dos seus interesses, o que, aliás, é normal, ninguém o critica. Mas esse é, de facto, um dos pontos fracos desta construção Europeia. É um ponto fraco que neste momento, face à turbulência internacional, se torna ainda mais complicado. O que é que é preciso fazer? Olhe, desde logo, a primeira coisa é tornar a política externa e de segurança - sobretudo a política externa, que é relevante para essa imagem e capacidade de atuação - torná-la muitíssimo mais flexível, no sentido em que não pode estar dependente de unanimidade. Essa unanimidade entrava os resultados.
Mas se entrava os resultados qual será a solução? Criando uma espécie de "Premier League", uma espécie de Zona Euro, mas para a política?
É evidente que estamos a falar de uma transformação grande. É preciso fazer alguma coisa. Alterar os Tratados é muito difícil porque eles dependem da unanimidade dos 27 Estados-membros - a nível de uma conferência intergovernamental - e depois, naturalmente, país a país. Portanto, a unanimidade é muito difícil. Qual é a alternativa? Eventualmente pode ser essa (que sugere). Mas essa alternativa implica uma grande discussão a nível europeu. Seria um bocadinho como se fez no início do século, que deu origem à Constituição Europeia e que aliás, também não correu bem. Mas se não se fizer alguma coisa, este enfraquecimento progressivo da Europa, por via da sua descredibilização, vai continuar.
Essa solução, a acontecer, poderia funcionar como uma espécie de "sala de decisões" onde, para entrar, seria necessário ser muito escrutinado, e de onde também se poderia ser expulso?
Se quisermos pensar num modelo temos, ao mesmo tempo, que ter bom senso, ser realistas e, simultaneamente, encontrar um modelo que funcione, um modelo que participem alguns países. E nós já temos alguns exemplos dentro da própria União Europeia: a União Europeia, do ponto de vista do processo de decisão, é hoje muitíssimo flexível. Veja o caso, por exemplo, da política de defesa. Alguns países já podem avançar no modelo de cooperação na área da defesa e, depois, só podem aderir aqueles que tiverem capacidade para o fazer. É esta a lógica.
Isso pode acontecer num outro plano, num plano mais político, em que a Europa se una, aumente a sua interação apenas com aqueles países que estão dispostos a fazê-lo e depois criar uma ponte, digamos, com o núcleo duro, que continuará a ser a União Europeia.
No fundo, seria uma espécie de União Política com regras próprias? Passaria a ser o verdadeiro centro de decisões da União Europeia?
Se isso for possível, se isso for viável, e implica que esse projeto seja lançado a nível europeu - pode ser lançado por um país ou por dois ou por três - pode-se pensar nisso, mas é fundamental que alguma coisa se faça. Se for assim, passaremos a ter três planos: a Comunidade Política Europeia, onde estão mais de 40 países...e que é quase, apenas, uma manifestação de vontade em termos políticos e de cooperação; o núcleo duro da União Europeia, com o mercado interno...com tudo o que ele tem e, depois, um núcleo de integração política, onde só estariam alguns países.
Isto pode parecer um bocado utópico, mas foi de utopia que se fez a União Europeia.
Sem isso, arriscaria a dizer que a União Europeia pode ter os dias contados?
(Risos) Eu já ouvi falar disso muitas vezes...
É como Mark Twain, já sei... [Referência à frase "a notícia da minha morte foi manifestamente exagerada”, atribuída ao escritor norte-americano Mark Twain].
Exatamente. Não sei quantas vezes é que eu já o citei por causa desse tipo de preocupações.
Eu não quero ser excessivamente otimista e, naturalmente, estou muito preocupado. Estou muito preocupado porque, enfim, além do mais acho este projeto um projeto extraordinário, uma manifestação de inteligência e de capacidade dos seres humanos e, neste caso, dos europeus nesta matéria e, de facto, ele está-se a descredibilizar constantemente.
Há um ceticismo crescente e porquê? Porque as pessoas não têm aquilo a que aspiram. E a primeira coisa que as pessoas aspiram na vida moderna, no dia-a-dia, na contemporaneidade, é um nível de vida razoável, é viverem de acordo com aquilo que consideram um direito. Isso não está a acontecer. E no plano externo, o facto da Europa falar a tantas vozes, em tantas situações, acaba por contribuir para essa descredibilização. E a descredibilização, por sua vez, alimenta o ceticismo e enfraquece a Europa, ainda mais.
Portanto, alguma coisa tem de ser feita, não sei o quê, mas espero que por via deste tipo de soluções que, naturalmente, terá que ser inovador.
Não arrisca a palavra "federalismo", que é tabu neste momento em toda a Europa, mas, no fundo, seria essa a solução?
Não é por ser tabu, é por ter conotações negativas...e conotações negativas que vêm de trás. Por um lado, eu fui sempre contra essa ideia de que a União Europeia caminhava para o federalismo, porque acho que não podemos estar a comparar modelos incomparáveis. Mas, se calhar, podemos falar disso para as pessoas perceberem melhor. Bom, antes estar a falar disso, é bom criar um modelo que funcione, percebe? (risos)
O que eu acho é que um federalismo, na forma como as coisas estão, é uma palavra que é usada pelos inimigos da Europa, para a tornar ainda mais frágil. Portanto, é preciso cuidado com as palavras. As palavras têm efeitos, e eu prefiro evitá-los. Falemos de uma solução em que um conjunto de países, que o queiram fazer, se associem com o objetivo de criar uma Europa mais forte no mundo. Sem uma Europa forte, cada um dos seus países vai sofrer muitíssimo mais no futuro e, provavelmente, vão-nos tornar, pouco a pouco, mais irrelevantes face ao crescimento de outras zonas do globo. Tivemos agora a reunião na China, que bem ilustra isso. Portanto, a Europa tem que fazer qualquer coisa.
E a solução, numa palavra, é criar uma União Política com regras novas, e próprias?
Mais integração, regras próprias e, eventualmente, uma União Política...sem perda de soberania (de independência) por cada um dos Estados.