09 out, 2025 • Pedro Mesquita
A União Europeia (UE) deve "envolver poderes locais e regionais na implementação da política" de Defesa, defende o Comité das Regiões.
Questionado, pela Renascença, sobre a melhor fórmula para colocar em marcha a indústria de defesa da União Europeia, Ricardo Rio - o relator do parecer do Comité das Regiões, sobre a "Preparação da defesa europeia 2030" - defende a "interoperabilidade" do próprio mercado dos serviços e produtos tecnológicos ligados à defesa.
"Ainda temos muitas barreiras à transação de produtos a nível europeu neste setor. E, é fundamental (...) que os vários Estados-membros possam agilizar as trocas comerciais, o intercâmbio de produtos e obviamente as suas componentes, de maneira que esse valor acrescentado fique em território europeu."
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Ricardo Rio, que é também presidente da Câmara de Braga, sustenta a importância de "uma especialização inteligente em que cada uma das regiões pode obviamente tentar tirar partido de outras indústrias que já tenham outros fins, e que possam ser também alocados à área da defesa".
Quanto ao papel que Portugal pode desempenhar - de uma forma eficiente - na indústria de defesa da União Europeia, Ricardo Rio explica que "Portugal tem vários recursos que podem ser bastante potenciados" e dá o exemplo da indústria têxtil: "existem várias empresas e eu pego na minha região, aqui em Braga, que produzem fardamento para forças de segurança e militares à escala internacional".
Outro exemplo é o das tecnologias de informação: "Portugal tem competências muito substanciais do ponto de vista da inovação ligada às tecnologias da informação, a eletrónica por exemplo, onde pode vir a ter também um papel muito importante".
Se tivesse de resumir, numa frase, o conteúdo deste parecer do Comité das Regiões - de que é relator - o que é que diria?
Este parecer surge em resposta àquilo que tem sido o delinear pela União Europeia de uma estratégia para a área da defesa e os princípios que nós apontamos neste parecer. Para resumir numa frase, eu diria que o Comité das Regiões apoia a aposta da União Europeia no fortalecimento da sua política de defesa, mas defende que deve assentar num fortalecimento da indústria europeia ligada a este setor, e com respeito também pela importância de envolver os poderes locais e regionais na implementação dessa política, em benefício de todos os territórios.
Que produção, que indústria é esta europeia de armamento? Como é que isto vai funcionar? Não é demasiado complexo?
Desde logo não é apenas de armamento. E essa é uma questão muito importante a enfatizar. Quando se fala de política de defesa, estamos a falar de todo um conjunto de produtos, serviços, tecnologias, infraestruturas às vezes que são fundamentais para assegurar a nossa defesa perante ameaças externas e que não tem que passar forçosamente por questões de natureza estritamente militar.
Justamente, mas o que eu queria perguntar é isto: há países que são fortes numa determinada indústria, outros noutra, como é que isto tudo se vai conjugar? De repente, poderemos estar todos a produzir os mesmos bens...ou será que uns países produzem umas componentes, e outros outras? Como é que isto vai funcionar, do seu ponto de vista?
Com muito mais interoperabilidade no próprio mercado dos serviços e produtos tecnológicos também ligados à defesa. Nós ainda temos muitas barreiras à transação de produtos a nível europeu neste setor. E uma das coisas que é fundamental, se queremos criar uma verdadeira indústria ligada à defesa a nível europeu, é de que os vários Estados-membros possam agilizar as trocas comerciais, o intercâmbio de produtos e obviamente as suas componentes, de maneira que esse valor acrescentado fique em território europeu. E aí pode haver uma especialização inteligente em que cada uma das regiões pode obviamente tentar tirar partido de outras indústrias que já tenham outros fins e que possam ser também alocados à área da defesa.
Qual poderia ser, por exemplo, já que estamos a falar em regiões, do Comité das Regiões, qual poderia ser o papel eficiente de Portugal na indústria da defesa?
Portugal tem vários recursos que podem ser bastante potenciados. Veja o caso da indústria têxtil, já hoje existem várias empresas...e eu pego na minha região, aqui em Braga, que produzem fardamento para forças de segurança e militares à escala internacional, instrumentos de proteção individual e com uma ligação também à academia, nomeadamente, por exemplo, em termos de desenvolvimento de novos materiais que reforcem a segurança, que reforcem o conforto deste tipo de equipamentos, trazendo inovação para esses mesmos setores. O caso das tecnologias de informação é ainda mais óbvio: Portugal tem competências muito substanciais do ponto de vista da inovação ligada às tecnologias da informação...a eletrónica por exemplo, onde pode vir a ter também um papel muito importante. Por exemplo, a indústria da metalomecânica, tem aqui já hoje vários "players" que estão a trabalhar diretamente com os tais grandes operadores da indústria da defesa a nível europeu.
Este parecer inclui apenas a indústria europeia ou, na preparação dessa defesa europeia, está a equacionar acordos com outros "players" internacionais no capítulo da indústria. Estou, por exemplo, a pensar na China ou nos Estados Unidos. Em matéria de alguns componentes ou defende que seja limitado apenas a produtos "made in Europa"?
Não poderemos limitar, até porque em muitas áreas não há competências absolutas da Europa em algumas dessas matérias. De qualquer forma, quando falamos no fortalecimento e na capacitação de uma indústria da defesa europeia, não faz sentido que depois os recursos dos Estados-membros sejam drenados para um "outsourcing" com parceiros externos, seja os Estados Unidos ou outro qualquer. E, portanto, também aí um dos enfoques que o parecer tem, e isso resultou do diálogo feito com as mais diversas instituições - desde o Comitê Económico Social ao Banco Europeu de Investimento, a vários outros contrapartes que foram ouvidos - é que tem que existir uma centralização no máximo possível de recursos nos próprios Estados Membros em agentes económicos que estejam sediados e cujas componentes gerem valor acrescentado para os Estados Membros. E isso, voltando ao início da nossa conversa, tem esta dupla dimensão: por um lado tem que existir uma oferta capaz dentro da União Europeia e depois tem que haver uma articulação dos próprios Estados Membros para que desenvolvam processos de contratação em conjunto de todos os produtos e serviços que venham adquiridos.
Presumo que, quando nós produzirmos fardamentos, a Alemanha não os irá comprar à China?
Não, e ao obrigo deste princípio não seria sequer tolerável, porque obviamente que o que se tem de valorizar é a criação de "clusters" regionais e o aproveitamento dos recursos endógenos da União Europeia.
Quais são as principais linhas deste parecer de que o senhor é relator em nome do Comitê das Regiões?
Primeiro, obviamente, o apoio à estratégia da União Europeia. Segundo, a defesa de uma melhor operacionalização dos processos de transação deste tipo de bens e serviços no quadro da União Europeia. Terceiro, o estímulo a procedimentos de contratação agregado entre os diversos Estados Membros para beneficiar e capacitar a indústria europeia; o envolvimento das estruturas regionais e locais e, inclusivamente, também nesta dimensão, perceber quais são os desafios com que algumas delas se confrontam. Voltando à questão dos países do leste, atualmente por força das ameaças que existem nós sabemos que muitos desses países estão a perder turistas, estão a perder população, estão a perder investimento e isso do ponto de vista da União Europeia tem que ser compensado de alguma forma.
Este parecer está concluído. Qual é o próximo passo?
Ele vai à discussão no plenário do Comité das Regiões na próxima quarta-feira, dia 15. Depois de ser aprovado, esperamos que venha a ser tido em conta quer pelos Estados-membros, quer pela Comissão Europeia, na implementação das políticas que se irão seguir em termos de estratégia de defesa.