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Para Thatcher, "todos os não britânicos eram bárbaros" mas "admirava o Professor Cavaco"
Ouça a entrevista a João de Deus Pinheiro

João de Deus Pinheiro

Para Thatcher, "todos os não britânicos eram bárbaros". Mas "admirava" Cavaco

13 out, 2025 • Pedro Mesquita


No centenário do seu nascimento, a conservadora Margareth Thatcher continua a dividir opiniões, mas é - indiscutivelmente - uma das personalidades politicas mais marcantes do final do século XX. Em entrevista à Renascença, o antigo ministro português dos Negócios Estrangeiros João de Deus Pinheiro recorda, com algumas risadas pelo meio, episódios curiosos dos tempos em que se sentava, juntamente com Cavaco Silva, ao lado da "Dama de Ferro" nos conselhos europeus.

Já passaram algumas décadas, mas João de Deus Pinheiro, antigo ministro português dos Negócios Estrangeiros, guarda, bem frescas na memória, algumas histórias do tempo em que a primeira-ministra britânica da altura, Margaret Thatcher, também conhecida como "Dama de Ferro", se sentava mesmo ao seu lado - e do então primeiro-ministro Cavaco Silva - nos Conselhos Europeus.

"À direita do Professor Cavaco ficava eu. E à minha direita ficava Margaret Thatcher, que - do meu ponto de vista - achava que todos os que não fossem britânicos eram bárbaros", recorda o antigo chefe da diplomacia portuguesa, em declarações à Renascença.

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Mas Deus Pinheiro, tal como Cavaco Silva, não se pode queixar muito da antiga primeira-ministra britânica: "Eu, apesar de tudo, era um bárbaro de primeira, porque falava bem inglês e tinha-me doutorado em Inglaterra. Ela tinha uma certa consideração por mim", confessa.

"Uma vez disse-me que lhe fazia lembrar os navegadores portugueses, por causa da barba. 'Nunca deixe de usar essa barba', ainda me lembro de ela me dizer isto", recorda.

O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros reconhece que Margaret Thatcher "era uma pessoa que tinha um feitio muito difícil, mas era também muito competitiva". E dá um exemplo: "Quando algum interlocutor, no Conselho Europeu, estava a falar e ela não concordava, eu diria que ela era como, como é que eu vou dizer...um "hound dog" [cão de caça]. Isto é: a respiração dela era ofegante, de quem queria saltar para cima do adversário".

"Conhece aquela criatura de cabelos compridos que é agora ministro dos Negócios Estrangeiros de Itália?"

Apesar de ser na altura conhecida como a "Dama de Ferro", João de Deus Pinheiro recorda que Thatcher "era bastante emotiva, embora muito dura com os adversários".

Neste novelo de memórias, desfiado na Renascença, o antigo chefe da diplomacia de Portugal recorda, depois, o dia em que Margaret Thatcher lhe perguntou se conhecia o novo ministro das Relações Exteriores de Itália.

"Quando o Gianni De Michelis foi para ministro dos Negócios Estrangeiros da Itália, eu estive ao lado dela. E , às tantas [Thatcher] perguntou-me: 'você conhece aquela criatura de cabelos compridos que é agora ministro dos Negócios Estrangeiros de Itália?'. Ela não fazia coisa por menos (risos). Era de uma dureza implacável, mas ao mesmo tempo era uma mulher que inspirava confiança, sobretudo aos britânicos, pela forma como tinha enfrentado as greves dos mineiros e a maneira duríssima com que exigiu as reformas no Estado."

Thatcher "não era, obviamente, a favor da União Europeia"

Desde cedo, as reservas de Margaret Thatcher relativamente à construção europeia tornaram-se evidentes para os restantes líderes da União: "Não era, obviamente, a favor da União Europeia. Isso era nítido, muito embora respeitasse fulanos como o Jacques Delors, por quem sentia mesmo consideração".

Já quanto ao parceiro português, João de Deus Pinheiro considera que Margaret Thatcher assumia uma "atitude relativamente benevolente. Thatcher achava que nós éramos, claro, bárbaros - como todos os que não eram britânicos - mas uns bárbaros educados, sabíamos comer à mesa (risos)".

"Admirava o Professor Cavaco Silva, achava que ele sabia sempre os dossiês todos"

Dos tempos em que se sentava - juntamente com o primeiro-ministro, ao lado de Margaret Thatcher, nos Conselhos Europeus", João de Deus Pinheiro guarda para si uma convicção: "Ela admirava o Professor Cavaco Silva. Achava que ele sabia sempre os dossiês todos".

Prova disso, explica à Renascença o antigo chefe da diplomacia portuguesa, "quando se estava a discutir o PEDIP - Programa Específico de Desenvolvimento Industrial em Portugal - já na fase final para aquilo ser aprovado, Thatcher perguntou a Cavaco: 'mas o que é isto do PEDIP afinal?'".

Cavaco Silva ficou da cor de um pimento e respondeu-lhe: "Isso está no Tratado de Adesão... a chamada mentira piedosa. E foi por isso que o PEDIP passou. É uma história que não vem nos livros, nem virá, mas que é muito engraçada e a que eu assisti ao vivo", recorda João de Deus Pinheiro.

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