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Henrique Raposo: "Mito do Papa Francisco e de tantos outros: a economia global mata, empobrece"

Henrique Raposo

​Mito do Papa Francisco e de tantos outros: a economia global mata, empobrece

05 mai, 2025


"Francisco não estava imune aos erros do pós-verdade."

Mito do Papa Francisco e de tantos outros: a economia global mata, empobrece

Realidade: lamento, mas a globalização ou ordem liberal que temos desde 1989 ou 1945 é o dispositivo mais eficaz da história da Humanidade no combate à pobreza

O papa Francisco merecia muitos elogios, sem dúvida. É de longe o meu papa favorito, até porque foi o primeiro jesuíta a chegar ao topo; mas Francisco não estava imune aos erros do pós-verdade como todos nós. A ideia de que esta economia global que tivemos no último meio século ou no último quartel de século é uma “economia que mata” está completamente errada. Factual, objetivamente errada. Aliás, é um dos maiores erros de perceção do nosso debate, um erro que os católicos partilham com a esquerda em geral. Curiosamente, são as mesmas pessoas que agora ficam assustadas com o fim da globalização conduzida por Trump.

Decidam-se; mantenham por favor um mínimo de coerência. Se a globalização fosse assim tão má, então Trump tinha razão nas tarifas.

FACTOS

Desde 1990 a pobreza mundial foi cortada para metade com a população a crescer. Mas isto até parece abstrato. Olhemos para países concretos.

Ex. Na Indonésia, em 1984, 74% das pessoas vivia na miséria extrema; esse número é agora de 1,8%. É um facto, ponto. Isto é um país com 280 milhões.

Vejam o gráfico do Vietname: em 1992, 45% dos vietnamitas ainda vivia na pobreza extrema – pobreza extrema é não ter dinheiro para comer todos os dias; hoje são 1%. Querem outro exemplo que diz muito ao santuário de Fátima? É sempre muito impressionante ver em Fátima enormes grupos de coreanos que têm dinheiro para uma longa viagem até Portugal. Eis porquê: a Coreia do Sul era tão ou mais pobre do que os países africanos nos anos 60 e hoje é o que é.

Podemos depois dizer – como faz o papa – que este sucesso económico tem um custo ambiental, claro. Não podemos é defender uma coisa e o seu contrário, como faz o Vaticano: o problema ambiental resulta do enriquecimento em massa da população global. Se os asiáticos, africanos e latinos da América do Sul tivessem continuado na pobreza mais abjeta, não teríamos hoje a questão do CO2.

Querem continuar por onde? Educação?

O número de pessoas à escala global com uma educação escolar formal subiu um absurdo. Em 1950 estava na casa dos 40%; agora está nos 90%. Mesmo em África tivemos esta evolução.

Esperança média de vida? Em 2025 os seres humanos vivem mais uma vida inteira do que os seres humanos de 1925 ou 1900. Até África, o continente menos ligado à globalização, conheceu progressos. A esperança média de vida em África é de 62 anos quando era de 25 anos em 1925 e 41 anos em 1960.

A mortalidade infantil baixou a pique no mundo globalizado. Em 1950, 27% das crianças indianas e 20% das crianças brasileiras não chegavam aos cinco anos de vida. O número na Índia baixou para 3.2% e no Brasil para 1.5%. A mortalidade das mulheres no parto baixou de forma igualmente dramática ao longo deste período de dois séculos de capitalismo global, até obviamente nas nossas sociedades ocidentais.

Houve ainda melhores na irradicação de doenças:

varíola, polio, peste bovina, desapareceram, entre outras.

As mortes por malária estão a baixa.

Melhorias nas instalações sanitárias, no acesso a água.

Em 1990, 14% das mortes na Índia estavam relacionadas com a qualidade da água; hoje está nos 3%. Na Indonésia, o número de mortos relacionado com a água era de 11%, agora é 1,9%.

Olhe-se para as instalações sanitárias/esgotos. Em 1990, Na Índia provocava 12% dos mortos, agora é de 2%.

É impressionante. Durante um dia inteiro eu podia encher a emissão da Renascença com este tipo de facto e dados que estão completamente disponíveis e acessíveis. Há instituições como a Gapminder dedicadas a isto.

É incompreensível que se continue a dizer que esta “economia mata”.

Dizer que há aqui uma certa hipocrisia não me deixa confortável. Parece hoje claro que as pessoas gostam de criticar a globalização enquanto vinalização de virtude mas que não verdade sabem que funciona, senão não tínhamos agora o coro anti tarifas de Trump. Mas de calhar agora é tarde.

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