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Contado Ninguém Acredita. Calma, Trump não é a América
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Contado Ninguém Acredita

Henrique Raposo: "A América mais poderosa está do nosso lado"

30 mai, 2025 • Henrique Raposo


Temos que perceber o seguinte: a América mais poderosa está do nosso lado. Apesar da iconografia apontar para Musk e outros milionários, são os mais pobres que estão com Trump e ele está fazer uma política económica populista para agradar aos (equívocos dos) mais pobres.

Os EUA têm uma população de 340 milhões de pessoas. Trump teve 77 milhões de votos. Há muito mais gente que não votou em Trump do que eleitores de Trump. Além disso, a margem de vitória para Kamala foi uma unha negra: 2 milhões (Kamala teve 75 milhões).

Além disso, as grandes cidades que agregam gente, dinheiro e poder são azuis, são “europeias”, partilham com a Europa e Canadá os mesmos valores. O debate da esquerda americana neste momento é igual ao debate do centro europeu, do centro esquerda ao centro direita. É igual. Estamos a debater os mesmos problemas. As fragilidades da UE e da Europa são iguais às fragilidades da América azul. Lisboa, Paris e Londres têm muito a aprender com Nova Iorque ou LA e vice-versa. Ler um texto sobre o problema da habitação da Califórnia é como ver um texto sobre o mesmo problema em Dublin ou Lisboa. Estamos dentro do mesmo mundo, o mesmo ocidente. É por isso que os cientistas europeus podiam ir facilmente para a América, e é por isso que cientistas americanos podem agora entrar facilmente na Europa.

Mesmo os estados vermelhos têm dentro de si grandes cidades azuis. As cidades emblemáticas do velho sul confederado são azuis, Birmingham, Nashville, St. Louis, Charlotte, Nova Orleães, Charleston, Atlanta e todas as grandes cidades do Texas.

Mais ainda: estive a lamber o mapa eleitoral de uma ponta à outra - só há três estados vermelhos sem grandes cidades azuis, são três fins do mundo, Dakota do Norte, Idaho e Alasca. O Alasca tem uma população total de 750 mil, o Idaho tem 2 milhões e o Dakota do Norte 800 mil. Juntos fazem 3,5 milhões – é a Grande Lisboa. Só a Margem Sul são 800 mil pessoas. Isto dá uma dimensão diferente à do alegado mar vermelho do trumpismo, ou não?

Temos que perceber o seguinte: a América mais poderosa está do nosso lado. Apesar da iconografia apontar para Musk e outros milionários, são os mais pobres que estão com Trump e ele está fazer uma política económica populista para agradar aos (equívocos dos) mais pobres. Quando olhamos para os estados por PIB per capita, é claro que os mais ricos são os azuis em média. Se olharmos para a América ao nível dos counties (círculos eleitorais), percebe-se que os counties que votaram Biden representam 70% da riqueza nacional. Não me parece que uma revolução, a trumpista, com base em apenas 30% do PIB vá muito longe. As tais tarifas resultam de uma obsessão destes 30%: voltar a ter fábricas e um orgulhoso made in America que dê emprego aos mais pobres que não conseguem entrar na economia das cidades azuis. Mas, como é fácil de perceber, as coisas não são assim tão fáceis. Não existe neste momento e no futuro próximo a capacidade para se fazer, por exemplo, um carro 100% americano. Isso não existe. Até esta base eleitoral vermelha começa a perceber o óbvio. É um mundo do passado. Repare-se como até a indústria do carvão, fomentada por Trump, está a morrer por si só, porque a economia – mesmo dos estados vermelhos – vai no sentido da mudança.

Além disso, convém registar que senadores e congressistas estão a fazer o seu trabalho de contestação, tal como todo o aparato cultural. Não há talk show que não critique Trump direta ou indiretamente.

Já ouvimos apelos a boicotes à cultura americana. Que absurdo! Onde é que vamos ver, de novo, as grandes séries e filmes anti-Trump? Claro: na Netflix, na HBO, etc. Portanto, calma: o povo também está a fazer o seu trabalho, até o povo vermelho, até porque elege juízes que são adversários de Musk. Trump já é o Presidente mais impopular de sempre após as primeiras semanas.

Calma: não podemos responde no mesmo tom apocalíptico e irrealista.

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