30 out, 2025 • Ana Catarina André
A notícia surpreendeu o episcopado. Eram sete da manhã, quando o padre Vítor Feytor Pinto telefonou para Fátima, para avisar os bispos, reunidos em plenário, que tinha havido um golpe militar, naquela madrugada de 25 de abril de 1974.
Perante a notícia, decidiram acabar a reunião mais cedo e, antes de regressarem às respetivas dioceses, emitiram uma breve nota. “Formulamos o voto de que tais acontecimentos contribuam para o bem da sociedade portuguesa, na justiça, na reconciliação e no respeito por todas as pessoas”, afirmavam os prelados, apelando, ainda, às “virtudes cívicas dos católicos e de mais portugueses de boa vontade”.
Perante a euforia, tensão e incerteza que a revolução trazia ao País, o Patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro, insistiu, no entanto, com os seus pares que era importante que tomassem uma posição conjunta sobre o assunto. A 4 de maio, na Nota Pastoral a propósito dos acontecimentos do 25 de Abril, os bispos desejavam, assim, a normalização da vida do País, alertavam os padres para que não militassem em nenhum partido político e pediam aos leigos que não aguardassem “passivamente ordens ou diretrizes da hierarquia”.
Dias depois, nas celebrações do 13 de maio, em Fátima, D. António Ribeiro aspirava a uma nova ordem social no País assente “na verdade, na justiça, na liberdade, no amor e na paz”. “Do fundo da alma, pedimos a Deus que se consolidem, entre nós, as verdadeiras expressões da legítima participação plural e se garantam as autênticas liberdades de uma justa convivência cívica no respeito recíproco de pontos de vista diferentes e no diálogo fraterno de responsabilidades criadoras”, disse, na homilia.
Podcast Igreja e Liberdade - Episódio 3
No terceiro episódio do podcast "Igreja e Liberdad(...)
Naquelas primeiras semanas após o 25 de abril, havia o receio, entre os bispos, de que o conflito da I República, entre o Estado e a Igreja, se voltasse a repetir. Não era, contudo, essa a intenção dos militares que tinham feito a revolução. “Na perspetiva da oposição democrática, aquilo que existia era uma aliança entre o Estado e a Igreja Católica durante o autoritarismo. É com essa visão que as novas autoridades políticas e militares partem para o processo revolucionário – terminar com essa aliança. Mas isto, na prática, traduziu-se num registo de cooperação, de diálogo, porque a negociação de coisas concretas foi acontecendo com o tempo”, afirma a historiadora Paula Borges Santos, no quarto episódio do podcast “Igreja e Liberdade” sobre as relações entre a Igreja e o Estado, nos primeiros tempos após o 25 de abril, e o impacto da revolução em estruturas da Igreja como seminários e colégios.
Conta com os testemunhos do cónego Álvaro Bizarro e do padre Peter Stilwell, que relatam o papel do Cardeal António Ribeiro na transição democrática, e de António Lage Raposo que recorda como o Seminários dos Olivais foi usado para acolher retornados, e à semelhança dos episódios anteriores, tem coordenação científica de Paula Borges Santos, numa parceria com o IPRI – Instituto Português de Relações Internacionais.
Ao longo de cinco episódios, o podcast “Igreja e Liberdade” – sobre o papel dos católicos na transição democrática e as transformações ocorridas na Igreja – aborda temas como a participação política dos católicos neste período, a luta dos cristãos contra a guerra colonial e contra a ditadura, e o papel do episcopado na adaptação da Igreja à democracia.