22 jan, 2025
O discurso de tomada de posse de Donald Trump como o novo-velho 47.º presidente dos Estados Unidos não surpreendeu pelo tom, nem pelo conteúdo - mas revelou uma forma oratória historicamente desafiante. Quando deixou a Casa Branca, em 2021, manchado pela autoria moral do triste assalto ao Capitólio, quase todos pensariam que o seu mandato como 45.º presidente seria uma nota de rodapé na história, um parêntesis no bipartidarismo normal de Washington. Afinal, o parêntesis foi Joe Biden e o trumpismo é uma nova América triunfante - tão absoluta em poder, depois da enorme vitória de novembro, que o democrata Barack Obama foi apanhado pelas câmaras a perguntar ao republicano George Bush: “como é que travamos isto?”
“Isto”, é um presidente narcisista e populista, megalómano e vingativo, revolucionário e imprevisível, adepto da mais pura realpolitik nacionalista e indiferente ao globalismo idealista e responsável que norteou o mundo desde a Segunda Guerra Mundial. Não é um fascista, e (esperemos) a tradição democrática americana não deixará que resvale para o iliberalismo; mas a sua auto-heroicização, o seu messianismo providencialista, a sua postura de “businessman” arrogante - em que 77 milhões de concidadãos se reviram - anunciam uma América e um mundo diferentes, feitos de nativismos, protecionismos e bilateralismos transacionais, em detrimento de realidades institucionais (a ONU ou a NATO) e mentais (o Ocidente, o Atlantismo ou o combate, com a Europa, a neoimperialismos agressivos) que tínhamos por óbvias. Com Trump jamais haveria (e não haverá) um qualquer Plano Marshall e mais depressa o veremos a negociar com Putin, Xi, Modi ou Jong-un, do que com von der Leyen ou qualquer outro líder dessa ilustre ausente do seu discurso de anteontem: a Europa.
Nos, europeus, insistimos em avaliar os presidentes americanos pela sua conformidade aos nossos interesses. Talvez devêssemos reconhecer como natural e legítimo que o inquilino da Casa Branca pense mais nos interesses do seu país do que na gendarmeria mundial bondosa que os europeus insistem em exigir dos EUA. É desse ponto de vista que a retórica de Donald Trump patenteou um claro desejo de inscrição na História.
A homilia presidencial expressou a intenção, nada modesta, de fazer deste mandato “a maior e mais consequente” viragem libertadora, refundadora e engrandecedora da América, inscrevendo o desígnio MAGA no “destino manifesto” e no “excecionalismo” que são a narrativa do país. Por isso o seu discurso apropriou-se de quadros, conceitos e heróis da história pátria: dos “American ancestors” da fundação; do “common sense” de Thomas Payne; da legislação securitária de George Washington; do populismo anti-establishment de Andrew Jackson; da “democracy for the people” de Abraham Lincoln; da “Gilded Age” de William McKinley e Teddy Roosevelt (é essa passada América republicana, monroísta, protecionista e industrialista que mais o inspira); da sedução das novas fronteiras espaciais de J. F. Kennedy (com a SpaceX de Elon Musk a substituir a NASA?); da restauração do orgulho americano de Ronald Reagan (que sucedeu a Carter anunciando “It’s morning again in America”); ou do direito à defesa do país que recusa vergar-se a ameaças ou inimigos de George Bush.
Esta bem calibrada inscrição trumpista na História dará bons ou maus frutos? Ninguém sabe. Mais do que a retórica, interessará a ação e os seus efeitos, num mundo onde muitas variáveis não estão nas mãos de Donald Trump. Mas, para voltar aos usos da História, será durante a sua administração, daqui por um ano e meio (4 de julho de 2026) que estes EUA celebrarão os 250 anos da assinatura da sua Declaração de Independência de 1776. Veremos que História se escreverá até lá… e depois.