23 abr, 2025
Francisco, o 266.º Papa da história da Igreja católica, retornou à casa do Pai ao cabo de um pontificado extraordinário de pouco mais de doze anos. É um período minúsculo na vida milenar da instituição que ele inspirou para 1,4 biliões de crentes em todo o mundo, e breve na vida de um homem - mas foi um período fecundíssimo, fazendo de Francisco, o antigo cardeal arcebispo de Buenos Aires, porventura o líder global mais marcante do presente século XXI e a voz mais discreta e espiritualmente influente, porque ética e de esperança, da nossa atual era da incerteza, da desordem ou do caos.
Quando foi eleito, em 2013, foi um pontífice de inúmeras estreias: o 1.º Papa americano, o 1.º não europeu em 1200 anos, o 1.º provindo do hemisfério sul (“do fim do mundo”, como o próprio gracejou), o 1.º jesuíta, o 1.º a pedir, da varanda da Basílica de São Pedro, que orassem por ele, o 1.º a trocar o Palácio Apostólico pela Casa de Santa Marta… e o 1.º a chamar-se Francisco, um nome que foi um programa.
Elevado a Papa, Jorge Mario Bergoglio nunca deixou de ser (e ainda bem) o homem que sempre fora, devotado há décadas à sua Igreja argentina: simples, humilde, empático, informal, sorridente, bonacheirão, com uma energia contagiante e um estilo pragmático, que sempre antepôs a realidade à abstração, a ação humana à ideia enclausurada, o espírito de missão à rigidez da Cúria, Francisco distinguiu-se pelo seu estilo latino-americano, menos frio e institucional do que o de prelados europeus. Não era um teólogo académico, no sentido em que Bento XVI o foi; e sempre quis ser um pastor ecuménico de almas, como João Paulo II o foi. O Papa polaco conheceu, ao menos, a alegria de ver o humanismo cristão triunfar sobre o paganismo comunista, mesmo num mundo que nunca deixou de ser barro perfectível perante as muitas imperfeições humanas. Francisco, por seu turno, partiu com prolíficas orientações e exemplos que tornarão a tarefa do seu sucessor talvez tão clara no rumo a seguir como difícil na sua consecução. O que fica deste Bispo de Roma, Papa «Urbi et Orbi», que visitou 67 países em 47 viagens, que trabalhou até ao fim e que - misteriosos são os caminhos do Senhor - se despediu da humanidade dando-lhe a bênção na manhã de um Domingo de Páscoa…e que afinal morreu depois de connosco celebrar a Ressurreição cristã, que é a da vitória sobre a morte?
Para lá da reforma da Cúria, na qual introduziu maior transparência financeira, uma estrutura menos hierárquica e um desenho mais “democrático” de Dicastérios, o radical humanismo de Francisco inspirou uma Igreja “desassossegada”, em “saída”, começando na exortação solidária de Lampedusa ou ecologista da «Laudato si’» e terminando na sinodalidade missionária aberta a todos, e que “todos, todos, todos!” quer motivar e incluir, ou no lançamento do 27.º Jubileu de 2025, como «Ano da Esperança». Apóstolo da paz e do diálogo inter-religioso, defensor da família, promotor da mulher, zelador dos fracos e desprotegidos das periferias geográficas, de vida ou de idade (o migrante, o sem-abrigo, o recluso, o doente ou o idoso), Francisco quis um pontificado na fronteira, descentrado, fora da sua zona de conforto, porque a fronteira não é um muro ou uma barreira, mas uma abertura e um encontro, atitude tão mais necessária num mundo de guerras e muros que é um “hospital de campanha”, (des)orientado por uma “cultura de descarte” e subjugado por uma “economia que mata”. Mais participada e menos indiferente, mais dos leigos e dos jovens das JMJ do que da Cúria Vaticana, a Igreja de Francisco foi (e será?) uma refontalização ecuménica do cristianismo de rosto humano. Por tudo isso, o Papa foi o rosto de Jesus Cristo - e em tudo um Nazareno como Ele - neste muito difícil século XXI.