25 jun, 2025
A reportagem passou há dias na televisão. A PSP entrou num prédio da rua do Benformoso, onde funcionava um restaurante chinês clandestino. O cozinheiro ou empregado, que ali parecia residir, exibiu ao polícia um Cartão de Cidadão português e, confessando não saber uma palavra de português (nem de inglês), embrulhou-se em gestos explicativos sobre a casa-que-afinal-é-restaurante.
O pressuposto de que parto para considerar este tipo de factos preocupante vem da história de todos os processos de formação e aculturação das identidades nacionais modernas: é-se cidadão de um qualquer país a partir de um dado espaço de fronteiras, história, língua, cultura, valores e evolução, como membro de uma comunidade real e projetada, na qual somos mais do que apenas um corpo vivente com a nacionalidade averbada no título de cidadania em uso. O nacionalismo histórico (que não é o mesmo que nacionalismo exacerbado, xenofobia ou racismo), foi sempre mais sólido, porque mais profundo, do que nacionalidades efémeras, contratualistas ou artificiais. Aliás, e ao contrário do que nos vendem os globalistas pós-pátrias, a democracia requer o Estado-nação, porque ela precisa de uma cultura e de ritos partilhados, que operacionalizem consensos em torno de um passado, presente e futuro comuns.
No passado dia 10 de junho, ouvi um erro e uma imprecisão. Comecemos pela imprecisão: o presidente da República afirmou não existirem portugueses “puros”. Sem dúvida, porque, pela ótica biológica, só o artificialismo ariano defendia essa visão. E Portugal, terra de viagens e miscigenações, de emigrantes e de imigrantes, foi vendo nascer portugueses com sangues diferentes. Mas nasceram cá (ius soli), ou são filhos de portugueses (ius sanguinis), e são cultural e sentimentalmente portugueses. Vamos ao erro: a escritora Lídia Jorge sustentou que não há quem possa dizer que é mais português do que qualquer outro. Não é verdade. A não ser que consideremos que as pátrias são “commodities” transacionáveis, ao estilo de uma filiação num clube desportivo ou numa agremiação cultural, um português é mais português do que o natural da China ou de outro qualquer país que não fala a nossa língua (ou que nada conhece da história e do conjunto de valores e práticas que define a identidade lusa).
Aos que, de forma errada, me queiram apodar de xenófobo, lembro que os emigrantes portugueses que foram ou vão fazer vida noutros países tiveram e têm como objetivo existencial integrarem-se, e não “guetizarem-se”, nas culturas de destino; e lembro que a imigração (descontrolada) fez duplicar o total de estrangeiros a viver em Portugal só nos últimos 3-4 anos (de cerca de 700 mil para um milhão e meio!), num país economicamente frágil, com serviços públicos em crise e habitação a rarear. Acrescento mais: a imigração não é, em si mesma, um problema - mas está a causar em Portugal vários problemas. Fazermos deles tabu é aumentarmos a bomba-relógio demográfica, económica e cultural que a irresponsável política de portas abertas criou.
Regresso à reportagem televisiva. É possível que aquele cozinheiro ou empregado chinês tenha vindo para Portugal para escapar à repressão e miséria no seu país natal; talvez seja mais vítima do que culpado, porque traficado por máfias estrangeiras ou patrões inescrupulosos; talvez até tenha obtido legalmente a cidadania portuguesa; talvez, por isso, o Cartão de Cidadão que exibiu não seja falso. Acontece que ser português tem de ser muito mais do que possuir um cartão de plástico, e por isso há algo de muito errado no regime de concessão da nacionalidade. O título desta crónica não é, pois, uma afirmação de xenofobia, mas (mais) um alerta para os perigos, hoje evidentes, da falácia do multiculturalismo e da liquefação da portugalidade.