José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
A+ / A-

​As incoerências do “flotilhismo”

08 out, 2025 • Opinião de José Miguel Sardica


Quando se consideram os meandros do Médio Oriente, é sempre pouco o que (realmente) sabemos e muito o que julgamos saber.

A palavra “flotilhismo” ainda não está dicionarizada, mas já merece sê-lo, em face dos ecos do caso da flotilha que singrou pelo Mediterrâneo a caminho de Gaza. A iniciativa “flotilhista” não é nova; mas adquiriu, no contexto da guerra entre Israel e o Hamas, um relevo que suscita múltiplos juízos, a favor ou contra. Quando se consideram os meandros do Médio Oriente, é sempre pouco o que (realmente) sabemos e muito o que julgamos saber. E neste tema, a credibilidade da opinião (e das ações) passa pela honestidade e não pela parcialidade, que gera incoerências e decorrentes histerias.

A dita flotilha não ia levar ajuda a Gaza, porque o que se levava a bordo não configura tal coisa; quando muito, ia expressar solidariedade com Gaza. De imediato surgem perguntas. Que Gaza - a dos palestinianos ou a do Hamas? Para lá da solidariedade à Ucrânia, por que não se organizam flotilhas ou caravanas para ajudar, por exemplo, as populações do Sudão, Ruanda, Congo ou Iémen? E por que não se dirigiu a flotilha para o Egipto, a fim de pedir ao governo islâmico do Cairo que abra a fronteira de Rafah para ajudar os “irmãos” muçulmanos de Gaza? O “flotilhismo” não responde.

Mas sabe-se o lema deles: “No Jews, no news”. As catástrofes humanitárias só interessam se a culpa puder ser imputada aos judeus. Se não, não servem às esquerdas que não gostam de Israel e para quem há vítimas úteis que são mais úteis do que outras vítimas. Não sabemos ainda quem pagou a expedição (embora haja sinais de que pode ter sido a própria Palestina-Hamas), mas os “flotilhistas” sabiam exatamente que iriam ser, e queriam ser, intercetados por Israel, porque só isso, e não o desembarque em Gaza, atingia os objetivos pré-procurados e mediatizáveis da vitimização dos detidos e do efeito protestante que isso teria e teve nas opiniões públicas de diversos países. Isto dito, não é certo que a interceção israelita da flotilha tenha sido ilegítima, à luz de jurisprudência internacional anteriormente fixada.

Em todo o caso, é certo que os ativistas têm todo o direito de montar ações de protesto (ordeiro). É certo que Benjamin Netanyahu e a extrema-direita judaica são parte do problema que urge resolver. É certo que criticar o governo de Telavive pode não corresponder a uma forma de antissemitismo. É certo que a destruição e a morte levadas por Israel a Gaza são em número superior à matança bárbara do 7 de outubro. Mas não se vê o flotilhismo-ativismo reconhecer que o que ali se passa não é um genocídio, mas uma guerra, que as tremendas baixas civis são o triste resultado da cobarde diluição do Hamas entre a população palestiniana, que usa como escudo humano (e a quem vende a ajuda humanitária que controla), e que se ali há alguém que inscreve o genocídio no seu programa e motivação é o Hamas em relação a todos os judeus - repito, todos! Eis a parcialidade dos flotilhistas.

Sobre três dos quatro portugueses que integraram a flotilha, nada tenho a dizer. Sobre Mariana Mortágua, constato como abandonou o BE numa campanha eleitoral decisiva para a sua sobrevivência… e também o lugar de deputada, cujo ordenado é pago pelo erário público! E aos muitos portugueses que, à porta da embaixada do “Estado genocida”, no Rossio ou no aeroporto se apinharam a protestar contra a detenção da flotilha (e a vitoriar os novos “mártires da pátria”), apetece perguntar por que razão, em dois anos (dois!), nunca exigiram junto do escritório da Palestina, em Lisboa, a libertação dos reféns israelitas. É uma questão de coerência e de (boa) humanidade, sobretudo porque as condições de detenção dos flotilhistas portugueses foram incomparavelmente melhores do que os desumanos túneis-masmorras (e inomináveis maus-tratos) em que vegetam os israelitas capturados a 7 de outubro de 2023.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.