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De "Special One” a “Returned One". Que José Mourinho volta a Portugal 21 anos depois?

17 set, 2025 - 15:33 • Inês Braga Sampaio

José Mourinho deixou o FC Porto como um ídolo, mas regressa ao futebol português com uma aura diferente, depois de uma carreira que perdeu fulgor nos últimos anos.

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Fitas azuis e brancas penduradas nas orelhas e o nome do FC Porto acabado de gravar na base. A última imagem de José Mourinho no futebol português é do treinador a beijar a taça da Liga dos Campeões, conquistada pelos dragões. Saiu como herói. Regressa a Portugal como eventual salvador do Benfica, mas com um estatuto diferente, ao fim de 21 anos em que a carreira descreveu uma parábola.

Que José Mourinho é este que pega no Benfica, 25 anos depois da primeira vez na Luz e 21 passados de ter subido ao Olimpo do futebol com o FC Porto?

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Foi no Benfica que Mourinho se estreou como treinador principal, em 2000, com 37 anos. Foi escolha de João Vale e Azevedo para suceder ao alemão Jupp Heynckes, contra a vontade da maioria dos elementos dos órgãos sociais do clube. Onze jogos mais tarde, porém, José Vilarinho optou por outro rumo quando foi eleito presidente encarnado. Tirou a cadeira ao "Special One", que na altura ainda só sonharia sê-lo, e entregou-a a Toni.

A partir daí, a história é bem conhecida. Mourinho foi para a União de Leiria, mas só lá ficou meia época, antes de dar o salto para o FC Porto.

"Quem é o treinador que diz 'não' ao Benfica? Eu não", afirmou Mourinho, esta quarta-feira, à chegada a Portugal. Mas a verdade é que ele próprio disse "não" às águias, em 2001, quando Luís Filipe Vieira tentou resgatá-lo à União de Leiria e, em vez disso, optou por rumar ao Dragão.

Dois anos de azul e branco, dois campeonatos, uma Taça de Portugal, uma Supertaça, uma Taça UEFA e uma Liga dos Campeões. Futebol entusiasmante e uma personalidade que colava apoiantes e rivais ao ecrã, aquela aura de quem é ídolo e sabe-o bem.

Um percurso de glória ímpar no futebol português e que lhe valeu a mudança para o Chelsea. Aí, sim, autoproclamou-se "Special One". Já com duas Premier Leagues no bolso, seguiu-se o Inter de Milão, com dois "Scudetti" e mais uma Champions, em 2010. É o único treinador português com duas Ligas dos Campeões.

José Mourinho e Real Madrid, com Cristiano Ronaldo como menino das alianças, era um casamento já mais que anunciado quando finalmente aconteceu.

No entanto, o ponto mais alto da carreira do "Special One" seria mesmo isso, em dois sentidos: o fim da subida e o início da queda. O técnico português conseguiu quebrar a hegemonia do Barcelona de Pep Guardiola na Liga espanhola, mas faltou "La Décima", o troféu com que todos os "merengues" sonhavam, a Liga dos Campeões que já escapava desde 2002. Foi a primeira de seis saídas consecutivas de clubes sem completar contrato.

Na geometria, em termos muito básicos (e possivelmente ofensivos para os matemáticos), uma parábola é uma curva cujas metades são simétricas. Ou seja, se sobe, chega ao topo e depois desce exatamente com a mesma curvatura. Isto para dizer que José Mourinho subiu mais alto que qualquer outro treinador português, no entanto, chega ao Benfica numa fase descendente da carreira.

Regressou ao Chelsea, depois de ter deixado Espanha, e sagrou-se campeão inglês, mas saiu ao fim de duas épocas e meia, em vez de três e meia, novamente devido a maus resultados. Ainda assim, mantinha mercado em Inglaterra, o que o levou ao Manchester United. Não venceu a Premier League, naquele período de hegemonia do Manchester City de Guardiola e do Liverpool de Jürgen Klopp, mas venceu a Liga Europa. Na altura, deixou um aviso.

"Se eu disser que acabar em segundo lugar com o Manchester United foi uma das melhores conquistas da minha carreira vocês vão dizer: 'Este tipo está doido, ganhou 25 títulos e está a dizer que um segundo lugar é um dos melhores feitos'. Mas eu vou continuar a dizê-lo, porque as pessoas não sabem o que se passou nos bastidores", disse, em janeiro de 2019.

Em maio desse mesmo ano, quando Ole Gunnar Solskjaer, o seu sucessor, estava perto de ser despedido, insistiu: "Quero dizer apenas duas coisas: a primeira é que o tempo falou e a segunda é que os problemas continuam lá."

A experiência no Tottenham foi mais curta ainda e Mourinho foi demitido na véspera de uma final. Foi o primeiro trabalho, desde a União de Leiria, sem troféus. Partiu, então, para a AS Roma, de volta a Itália, onde fora feliz uma década antes, e conquistou a Liga Conferência. No entanto, enfrentou novo despedimento, a meio do terceiro ano na capital italiana.

Na temporada passada, José Mourinho foi recebido em apoteose no Fenerbahçe, mas a experiência desapontou. Mais uma aventura sem títulos, mais um despedimento a meio da época, à segunda, e este com uma particularidade: depois de ser eliminado no play-off da Liga dos Campeões, diante do Benfica, num par de jogos em que colocou os turcos a jogar um futebol sem brilho. Acumulou mais 15 milhões de euros de indemnização, num bolo que vai em mais de 100 milhões.

Agora, o Fenerbahçe, que o despediu, está na Liga Europa e Mourinho prepara-se para disputar a Champions com o Benfica, caso as negociações cheguem a bom porto. Mas está aí a curva que a carreira do "Special One", que depois foi "Happy One" e agora pode ser o "Returned One", descreveu.

José Mourinho deixou Portugal como um fenómeno. O futebol entusiasmava, era vertiginoso e intenso, e prometia grandes feitos. Que foram alcançados, refira-se. No Chelsea, no Inter de Milão, no Real Madrid e no Manchester United, em especial com a conquista da segunda Liga dos Campeões, com os italianos, estabeleceu-se como o melhor treinador português de sempre. A estatística não mente: nenhum outro treinador português tem duas Champions no currículo.

O perfil continua magnético como sempre, seja pelos queixumes ou pelas tiradas bombásticas, pelas bocas aos adversários ou por aquele aparente desinteresse "cool" com que fala ao microfone. No entanto, o futebol de Mourinho passou de entusiasmar para aborrecer e até — pior ainda para uma personalidade "maior que a vida", como diriam os ingleses — entediar.

Será esse o futebol que José Mourinho leva para o Estádio da Luz, 25 anos depois? Ou veremos uma faceta diferente do "Special One", uma faceta novamente especial? Ele que, previsivelmente, volta a entrar no Benfica em período de eleições, como da primeira vez. Será que o próximo presidente do Benfica, caso não seja Rui Costa, manterá a aposta?

São perguntas a que só o tempo responderá. De qualquer modo, seja este Mourinho o ídolo dos primeiros anos de carreira ou a figura cansada dos últimos, seja ele o São Sebastião do Benfica ou a figura perdida na neblina, o regresso do melhor treinador português da história a Portugal é um dos maiores acontecimentos da década no futebol nacional.

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