27 mar, 2025 - 09:24 • João Pedro Quesado
Foram precisos apenas dois Grandes Prémios na época de 2025 da Fórmula 1 para a Red Bull voltar ao passatempo favorito: triturar jovens pilotos. A equipa confirmou esta quinta-feira que Yuki Tsunoda vai assumir o segundo carro, ao lado de Max Verstappen, já no GP do Japão, enquanto Liam Lawson, promovido em dezembro, vai regressar à equipa júnior da Red Bull, a Racing Bulls.
Os rumores começaram durante o sábado do segundo Grande Prémio, após uma má qualificação para a corrida sprint (20.º e último enquanto Verstappen foi o segundo mais rápido) se somar a um fim de semana difícil na Austrália, em que também ficou longe do tetracampeão em título e foi um dos desistentes na corrida.
Já segue a Bola Branca no WhatsApp? É só clicar aqui
O fim de semana na China continuou mau na qualificação para a corrida, onde voltou a ser o mais lento, e terminou a corrida em 15.º na meta – que se tornou no 12.º lugar depois da desqualificação de três carros.
Na verdade, as dificuldades de Lawson com o RB21 têm sido tantas que o neozelandês ainda não começou nenhum Grande Prémio da grelha de partida – a Red Bull quebrou sempre as regras de parque fechado para mudar radicalmente a afinação do carro, tentando dar mais hipóteses ao piloto.
"Tem sido difícil ver o Liam a debater-se com o RB21 nas primeiras duas corridas e, como resultado, decidimos coletivamente fazer uma troca antecipada. Esta é puramente uma decisão desportiva", afirmou Christian Horner no anúncio da troca, afirmando que a Red Bull tem "um dever de cuidado de proteger e desenvolver o Liam, e juntos vemos que depois de um início tão difícil faz sentido agir rapidamente para que o Liam possa ganhar experiência enquanto continua a carreira de F1 com a Racing Bulls".
Liam Lawson foi anunciado como o novo colega de Verstappen na Red Bull há pouco mais de três meses, a 19 de dezembro, substituindo Sergio Pérez. O mexicano, mais experiente, estava a passar pela terceira temporada com uma quebra na performance. Combinada com a aproximação de McLaren, Ferrari e Mercedes, os pontos perdidos fizeram com que a Red Bull perdesse o campeonato de equipas – e dezenas de milhões em prémio monetário. Além disso, foi preciso gastar mais milhões para terminar o contrato de Pérez, que tinha sido prolongado por dois anos ainda em meados de 2024.
F1
Exatamente quatro anos depois de começar, a relaçã(...)
A escolha de Liam Lawson esteve longe de ser considerada consensual, já que o jovem tinha apenas 11 corridas de experiência na F1 (menos de metade de uma temporada atual) entre o final de 2023 e o final de 2024, e era apenas inconsistentemente mais rápido que Yuki Tsunoda. Mas a Red Bull, que terminou definitivamente a carreira de Daniel Ricciardo na F1 para abrir caminho para Lawson, apontou para uma “mentalidade” que identificava como correta no neozelandês.
Já o japonês está na F1 desde 2021, já tinha disputado 90 corridas até ao final de 2024, e mostrava uma clara progressão em consistência e rapidez desde aí. Mas não teve a confiança da Red Bull em dezembro, e a decisão de agora não é propriamente um voto de confiança sobre as capacidades de Tsunoda.
A troca, decidida antes de Lawson ter hipótese de experimentar o carro numa pista que conhece (como é o caso de Suzuka, do GP do Japão), levanta questões sobre a gestão da Red Bull, particularmente sobre as opções do diretor de equipa Christian Horner e do conselheiro Helmut Marko. A imprensa especializada é uníssona: se a Red Bull não estava preparada para apoiar o novo piloto nas dificuldades, porque o escolheu? E que paciência vai ter com Tsunoda?
Daniel Ricciardo decidiu, em 2018, abandonar a Red Bull, convencido por um lugar claro de líder de equipa na Renault. Ninguém sabia então que isso seria o início do prolongado fim da carreira do australiano, nem que os seus substitutos se iriam afogar em dificuldades.
Pierre Gasly foi o primeiro, e começou acidentado logo nos testes de pré-temporada de 2019. Nas primeiras 12 corridas, Gasly conseguiu 63 pontos, enquanto Verstappen acumulou 181. A diferença era considerada um desastre, principalmente depois de anos em que Ricciardo era o piloto mais consistente da Red Bull, enquanto o jovem Max ainda polia o seu estilo de condução (dando um grande salto durante 2018).
Foi assim que a Red Bull decidiu usar a receita que levou Verstappen para a equipa principal e trocar de piloto em plena temporada, promovendo Alexander Albon da Toro Rosso e devolvendo Gasly à equipa B. No final de 2020, Albon também se provou insuficiente, e a hipótese de ir buscar um piloto mais experiente como Pérez pareceu a mais acertada – e certamente foi em 2021, época em que ajudou Verstappen a lutar e conquistar o título.
Tanto Albon como Gasly eram produtos de uma academia de pilotos gerida na perspetiva irrealista de que todos os seus pilotos precisavam de ser o próximo Sebastian Vettel (o primeiro campeão da Red Bull) ou Verstappen — que nem sequer fez parte da Red Bull Junior Team, ligando-se à marca apenas quando teve um lugar na F1 garantido. E o problema pode ser ligado a 2013.
A 21 de outubro desse ano, a Red Bull contrariou as expectativas de todos, e decidiu que ia promover à F1 em 2014 não o português António Félix da Costa, mas o russo Daniil Kvyat.
Félix da Costa entrou no programa de jovens pilotos da Red Bull a meio de 2012, para substituir outro piloto, e teve uma segunda metade do ano triunfal na Fórmula Renault 3.5, uma alternativa à Fórmula 2 de então, vencendo ainda o histórico GP de Macau depois de lutar (e perder) o campeonato de GP3 (a atual F3). O ano de 2013 teve resultados mais modestos – apenas três vitórias – e foi dada prioridade a um piloto russo para o ano da estreia do GP da Rússia na F1.
Kvyat acabou promovido à Red Bull em 2015, para substituir Sebastian Vettel, e conseguiu marcar mais três pontos que Ricciardo nessa época. Em 2016, foi o primeiro dos dois a subir ao pódio, mas um acidente com Vettel na corrida na Rússia foi, aparentemente, razão suficiente para devolver Kvyat à Toro Rosso e promover um tal de Max Verstappen – que viu a sorte juntar-se à competência para vencer a primeira corrida na Red Bull, aproveitando um acidente entre os Mercedes dominadores de Lewis Hamilton e Nico Rosberg.
Em 2017, Kvyat foi substituído por Pierre Gasly em várias corridas no final do ano, como forma da Red Bull avaliar o francês. Ao mesmo tempo, Carlos Sainz Jr. aproveitou a primeira oportunidade fora do universo da bebida energética para começar a escapar ao beco sem saída onde parecia estar, e fugiu para a Renault. Para 2018, a segunda equipa contou com Gasly e Brendon Hartley – ele próprio um piloto que a Red Bull já tinha descartado do seu sistema, em 2010.
Nem Hartley nem Gasly ficaram para 2019 nessa equipa, então chamada Toro Rosso. Hartley foi de novo descartado (tem três vitórias das 24 Horas de Le Mans no currículo), enquanto Gasly foi promovido. Para preencher as duas vagas, a Red Bull foi buscar de novo Kvyat, e chamou Alexander Albon... Que tinha sido descartado pela Red Bull em 2012, aos 16 anos.
Em dois anos, três pilotos que tinham perdido previamente o apoio da marca passaram pela segunda equipa desta na F1. Outro preferiu saltar antes de ter o mesmo destino – e acabou por passar pela McLaren e pela Ferrari, onde venceu corridas.
Falta ainda a breve história de Nyck de Vries, mais recente. Depois de ser bem sucedido numa substituição repentina de Albon, por uma corrida, na Williams em 2022, a Red Bull decidiu ir buscá-lo (com base apenas e só nessa única corrida) para a segunda equipa, agora de nome Alpha Tauri, em 2023, para substituir Gasly (que finalmente se tinha cansado de não ter hipóteses de voltar à equipa principal). A performance foi tão fraca ao longo de dez corridas que foi substituído sem cerimónia em julho, abrindo lugar para o regresso de Daniel Ricciardo ao sistema da Red Bull.
Já Ricciardo, regressado depois de duas turtuosas temporadas na McLaren, acabou por não render o esperado e foi, depois de 18 corridas em 2024, substituído por Liam Lawson.
Para trás de tudo isto ficou Félix da Costa, que foi piloto reserva da Red Bull até 2015, ao mesmo tempo que explorava a Fórmula E e o DTM.
Com um défice médio de 0.88 segundos de Lawson para Verstappen em qualificação, é possível dizer que nem Pierre Gasly, nem Alexander Albon, nem Sergio Pérez ficaram tão atrás de Verstappen. Mas existe um padrão inconfundível: à procura do sucesso permanente e com Max como a sua Estrela Polar, a Red Bull seguiu cegamente as capacidades do neerlandês, como aconteceu com Michael Schumacher, primeiro na Benetton e depois, em menor grau, na Ferrari. De caminho, criou um carro com que mais ninguém consegue competir.
Não é caso de cada piloto ter um carro diferente, um mais rápido e outro mais lento. “É preciso produzir o carro mais rápido e isso é conduzido pela informação e dados que se tem”, disse o diretor da equipa, Christian Horner, na China, garantindo que “não procuramos fazer o carro centrado num piloto, apenas trabalhamos na informação e feedback que temos para produzir o carro mais rápido que podemos”.
Fórmula 1
McLaren, Ferrari, Red Bull e Mercedes querem garan(...)
O que é que Verstappen quer de um carro? Pelas suas próprias palavras, “um carro ‘pontiagudo’, mas com uma traseira que é só estável o suficiente para ter um equilíbrio controlado”. “Gosto de uma frente forte. Não gosto de mesmo de subviragem. Mata toda a sensação do carro. Uma frente forte com uma traseira que está apenas no limite”, pede Max. Subviragem é o nome do fenómeno quando o carro vira menos do que se pede através do volante.
Verstappen tende a começar uma curva com uma introdução suave, que passa a ser mais agressiva quando sente que o carro vai aguentar. O que o distingue é a sensibilidade para sentir esse ponto de equilíbrio, numa troca entre a rotação e um deslize controlado do carro. Verstappen faz ajustes minúsculos com o pedal do travão e o volante, mantendo o carro em rotação com uma velocidade superior, em controlo do deslize, sem perder a traseira (o que obriga a usar mais agressivamente o travão e faz perder várias décimas numa curva).
Fórmula 1
Na época das imagens a preto e branco, a liberdade(...)
Projetar um carro com uma frente mais forte é, geralmente, a forma de o tornar mais rápido, já que permite inserir melhor o carro na curva e o torna mais manipulável pelo piloto, com o deslize da traseira a ajudar na rotação do carro. Contudo, ao seguir as capacidades de Verstappen, a Red Bull parece ter perseguido apenas a performance teórica, criando um carro demasiado sensível e instável, a um ponto em que nem Verstappen o consegue controlar como quer. Pelo caminho ficou a usabilidade do carro, habitualmente baseada na consistência, que por sua vez dá confiança aos pilotos para se aproximarem do limite.
Outra forma de perceber a questão é ler as palavras de Alex Albon, colega de Verstappen na Red Bull entre meados de 2019 e o fim de 2020, no podcast High Performance. “O meu estilo de condução está mais no lado suave, mas gosto de um carro com uma boa frente, muito apurado, muito direto. O Max também, mas o nível dele de apurado e direto é todo um nível diferente. (...) Para dar uma explicação do que isso parece, não sei se jogam computador, mas se aumentares a sensibilidade completamente até ao máximo, quando se mexe o rato ele passa a atravessar rapidamente o ecrã, e é mais ou menos assim que parece. Torna-se tão apurado que te põe um bocado tenso”.
A explicação da tensão vem a seguir. “Enquanto a temporada avança, e o Max quer esta frente no carro, quer o carro mais e mais apurado, e ele fica mais e mais rápido, e para o apanhar é preciso arriscar mais. Pode-se estar algumas décimas atrás numa sessão, tenta-se um bocadinho mais e ok, saí, tive um acidente. Depois tens de recomeçar, perdeste um bocado de confiança, demora um bocadinho mais, a diferença aumenta um bocado, e da próxima vez que tentas melhorar, outro pião. E começa a fazer bola de neve, e de cada vez que o carro fica mais apurado, começas a ficar mais tenso”, aponta Albon, sublinhando que “de cada vez que entras numa curva não sabes como o carro vai reagir, não tens aquela confiança no carro”.
No meio de tudo isto, o carro de 2025 da Red Bull nem sequer agrada a Verstappen. O campeão em título fez vários avisos sobre o carro em 2024, normalmente audíveis nas comunicações de rádio com a equipa, e apenas viu correções a chegar no fim da temporada. Mas o novo carro não é o passo que o neerlandês queria - não é lento, mas ao tentar corrigir a sensibilidade, criou-se mais subviragem, enquanto o eixo traseiro perde facilmente a aderência e obriga a correções. Verstappen consegue lidar com tudo isto, mas não consegue pôr o carro na liderança.
Verstappen apontou, na China, que os carros da Racing Bulls, a segunda equipa da Red Bull, estão muito próximos. Tsunoda e Isack Hadjar qualificaram-se os dois nos primeiros dez lugares, aproveitando um carro mais equilibrado e em que é mais fácil extrair performance.
Por outras palavras, Lawson pode até beneficiar de voltar à segunda equipa e ter um carro melhor para acumular experiência que o difícil RB21. Resta saber que perspetivas de futuro tem dentro da própria Red Bull, e da F1, o que depende muito de conseguir dar a volta à situação.
Com a mudança confirmada, Yuki Tsunoda tem agora uma oportunidade para mostrar que consegue estar mais perto de Verstappen que os quatro pilotos que lhe antecederam. Contudo, se não o conseguir, já ninguém ficará surpreendido. Resta saber o que a Red Bull vai fazer: repetir o erro da substituição apressada, ou mudar de abordagem?