Desde 2000, só uma seleção campeã da Europa não jogou com imigrantes

15 jul, 2024 - 17:30 • Inês Braga Sampaio

França, Grécia, Espanha (duas em três vezes), Portugal, Itália: todas estas equipas venceram o Europeu com jogadores nascidos fora de portas.

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"Temos dois imigrantes que nos tornaram melhores, ainda que algumas pessoas não gostem muito disso", disse Vicente del Bosque antes dos quartos de final do Euro 2024. O antigo selecionador espanhol, campeão mundial em 2010 e europeu em 2012, referia-se, semi-erradamente, a Lamine Yamal e Nico Williams, que nasceram em Espanha. Contudo, houve mesmo três imigrantes a brilhar pela nova campeã europeia neste torneio. Aliás, só um dos sete campeões da Europa desde o ano 2000 não contava com jogadores nascidos fora do seu território.

Yamal nasceu em Esplugues de Llobregat, nos subúrbios de Barcelona, filho de emigrantes. A mãe é guineense e o pai marroquino, e o jovem Lamine, ainda de 17 anos (feitos na véspera da final do Euro 2024) joga com as bandeiras de ambos os países nas botas.

Já os pais de Williams, originários do Gana, tiveram de atravessar o Deserto do Saara para chegar a Espanha. Assim se enquadra a afirmação de Del Bosque sobre os dois filhos de imigrantes a brilhar pela "Roja". Ainda assim, o antigo selecionador esqueceu-se dos verdadeiros imigrantes da equipa.

Joselu (José Luís no bilhete de identidade) nasceu em Estugarda, de pais espanhóis, e viveu na Alemanha até a família regressar a Espanha, quando tinha já dez anos.

Robin Le Normand nasceu em França e emigrou para Espanha em 2016, quando tinha já 20 anos, para representar a Real Sociedad. Quase sete anos depois, foi-lhe garantida cidadania espanhola e pôde vestir de vermelho e amarelo.

Também nascido em França, Aymeric Laporte foi recrutado para as escolas do País Basco por ter bisavós oriundos daquela região. Teve de esperar um ano, até aos 16, para poder atravessar a fronteira, mas manteve-se fiel à seleção francesa até 2021, quando, cansado de não ser opção para Didier Deschamps, e já depois de ter obtido nacionalidade espanhola, escolheu disputar o Euro 2020 pela Espanha.

Lendas francesas de origem africana


Falar da seleção francesa, vencedora do Euro 2000, é falar de uma coleção de atletas oriundos de outras geografias, em especial antigas colónias.

Na viragem do século, eram figuras dos "Bleus" Patrick Vieira, nascido Senegal e que viajou para França quando tinha oito anos, e Marcel Desailly, cuja família deixou o Gana quando ele tinha quatro anos.

Lilian Thuram e Christian Karembeu são casos um pouco diferentes, uma vez que nasceram em Guadalupe e na Nova Caledónia, respetivamente, ambos territórios pertencentes a França.

"Carrasco" de Portugal também tinha migrantes


Também a Grécia que conquistou o Euro 2004 tinha dois imigrantes na equipa.

Dimitrios Papadopoulos nasceu no Uzbequistão, então parte da União Soviética, e ainda se lembra da imagem do pai a correr para apanhar o comboio que levou a família para Atenas, quando o antigo jogador tinha apenas oito anos. Demis Nikolaidis só se mudou Alemanha Ocidental para a Grécia aos três anos de idade.

No Euro 2008, foi a Espanha a levantar a taça, com o médio-defensivo Marcos Senna, nascido no Brasil, no onze titular - antes da aparição de Sergio Busquets.

O então médio do Villarreal só chegou ao futebol espanhol aos 26 anos, em 2002, e por lá ficou por 11 anos, sempre no Submarino Amarelo. Ganhou nacionalidade espanhola em 2006; dois anos depois, foi considerado um dos melhores jogadores do Europeu.

Quatro anos depois, já sem Senna, a Espanha tornou-se na única seleção do século a sagrar-se campeã europeia sem imigrantes.

Portugal, 2016: um mapa-mundo numa só seleção


Chegou, então, o Euro 2016, conquistado por Portugal, um país habituado a ter imigrantes a brilhar pela sua seleção.

O caso mais evidente é o de Pepe, que viajou do Brasil com 18 anos, para representar o Marítimo, e hoje em dia é o terceiro jogador português mais internacional de sempre, com 141 jogos, superado apenas por João Moutinho (146) e Cristiano Ronaldo (212).

O defesa-central e atual vice-capitão da equipa das quinas naturalizou-se em 2007, aos 24 anos, e, meses depois, estreou-se por Portugal. Segundo o pai, Pepe até teve oportunidade de representar o Brasil: terá sido contactado por Dunga, então selecionador da "canarinha", em 2006, mas terá rejeitado por entender que tinha uma "dívida de gratidão" para com Portugal e por já se sentir "100%" português.

A escolha deu frutos: em 2012, tornou-se no primeiro luso-brasileiro a envergar a braçadeira de capitão da seleção portuguesa; em 2016, sagrou-se campeão da Europa por Portugal.

Não foi o único, contudo. Raphaël Guerreiro e Anthony Lopes são filhos de emigrantes portugueses em França e, no momento de optar, viraram-se para Portugal, mesmo nunca tendo jogado em solo nacional.

Adrien Silva também nasceu em França, de pai português, contudo, a família regressou ao país-natal quando o jovem médio tinha 11 anos. O mesmo sucedeu com Cédric Soares, cujos pais, portugueses, viviam na Alemanha quando nasceu, embora tenham voltado a casa quando o filho tinha dois anos.

Danilo Pereira, que rumou a Portugal aos cinco anos, e Éder, o herói da final frente à França, nasceram na Guiné-Bissau. William Carvalho é oriundo de Angola.

A ligação Itália-Brasil nasceu por causa dos EUA


O Euro 2020 foi conquistado pela Itália, que tinha três futebolistas nascidos no Brasil.

Importa referir que, segundo um estudo de 2017, cerca de 15% da população brasileira - ou seja, aproximadamente 31 milhões de pessoas - diz ter ascendência italiana. É a maior comunidade fora de Itália, muito devido a uma grande massa de italianos que emigraram para o Brasil entre 1870 e 1960, depois de os Estados Unidos começarem a barrar-lhes a entrada.

Trata-se de um dado que ajuda a entender o facto de os três ítalo-brasileiros da "Squadra Azzurra" de 2021 (o Europeu foi adiado um ano devido à pandemia da Covid-19) terem tido processos de naturalização facilitados: todos tinham, já, ascendência italiana.

Jorginho mudou-se para Itália em 2006, aos 15 anos, para integrar a formação do Hellas Verona, mas só dez anos mais tarde é que se estreou pela Itália, tendo também sido disputado pelo Brasil.

Emerson Palmieri, que chegou à Europa aos 20 anos, até disputou o Mundial sub-17 com a seleção brasileira, em 2011, mas em 2017 optou pela Itália. Contudo, só se estrearia um ano depois, uma vez que, na primeira convocatória, lesionou-se e não pôde jogar.

Rafael Tolói mudou-se para Itália mais tarde ainda, aos 25 anos, e já depois de representar o Brasil no Mundial de sub-20, em 2009. No entanto, tal como Jorginho e Palmieri, acabou por escolher a Itália - mesmo a tempo do Euro 2020, que ajudaria a equipa de Roberto Mancini a vencer.

Agora, o Euro 2024, mais três imigrantes - e dois filhos de imigrantes -, agora do lado da Espanha. Laporte e Le Normand foram a dupla central da nova campeã da Europa; Joselu não marcou, nem assistiu, mas foi suplente utilizado em duas ocasiões. Os migrantes "tornaram melhor" a seleção espanhola, como afirmou Vicente del Bosque, ainda que se tenha enganado nos jogadores.

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