Futebol

Rivalidade Portugal-Brasil no Mundial de Clubes. Ataques "preconceituosos" ganham voz nas redes sociais

20 jun, 2025 - 08:01 • Inês Braga Sampaio

O jornalista brasileiro Arthur Quezada, residente em Portugal há mais de uma década, e o treinador português Nuno Presume, que passou pelo Brasil, analisam esta rivalidade, que se tem intensificado no Mundial de Clubes, e desmontam argumentos.

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Uma rivalidade "sem fundamento" e fomentada nas redes sociais e por comentadores "acérrimos". É assim que Arthur Quezada, jornalista do TNT Sports Brasil que reside há 12 anos em Portugal, e o treinador português Nuno Presume, que já trabalhou no Brasil, analisam as narrativas criadas em torno dos dois países durante o Mundial de Clubes, em especial após o FC Porto-Palmeiras.

Um empate sem golos foi combustível para uma discussão que, de há tantos dias que dura, já teria feito a viagem entre Portugal e Brasil algumas vezes.

Ninguém venceu em campo, mas uma fação de adeptos e comentadores brasileiros falou em "amasso", ao passo que, do lado português, houve inclusive um jogador portista, João Mário, a perguntar "que jogo viram". E voltou a discussão que já tivera rastilho com as idas de Jorge Jesus, Abel Ferreira — treinador do Palmeiras, precisamente — e Artur Jorge, entre outros, para o Brasileirão.

"É terrível, não é?", lamenta Quezada, que tem um pé de cada lado desta discussão.

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"Eu acho que as redes sociais, hoje, especialmente o Twitter, que agora é X, premeiam as polémicas, então, a rivalidade deixa de ser apenas uma coisa saudável. De provocações saudáveis, virar um ataque, muitas vezes, de um lado para o outro. Você abre as páginas que comentam sobre os jogos, tanto no Brasil quanto em Portugal, e vê um ataque desenfreado, que inclusive é preconceituoso. E não estou a falar só do lado de Portugal para o Brasil, estou a falar também de brasileiros para os portugueses", assinala, em entrevista à Renascença.

Para o jornalista brasileiro, esta rivalidade explica-se pela perceção negativa que cada povo tem do campeonato do outro: "Há uma perceção de um lado e do outro, e aí nós podemos jogar a culpa nos dois lados, de que o campeonato português para os brasileiros é ruim e, para os portugueses, a Liga brasileira também é ruim."

Arthur Quezada admite que toda esta conversa não passa de uma "polémica vazia". Os dois campeonatos são totalmente distintos e, por mais que se especule, não há Porto, Sporting ou Benfica no Brasileirão, nem um Palmeiras, Flamengo ou Botafogo na Liga portuguesa, pelo que nunca será possível tirar a teima sobre quem seria candidato ao título no campeonato de quem.

Também porque, salienta o jornalista da TNT Sports Brasil, se isso acontecesse, uma equipa portuguesa não seria o que é em Portugal e uma equipa brasileira não seria o que é em Brasil: "Se isso acontecesse, teria de haver uma adaptação, tanto de um lado como do outro. São estilos diferentes, o futebol português é muito mais tático, mas no Brasil há muitas viagens, os relvados são muitas vezes ruins, a temperatura é muito diferente de um lugar para o outro."

De qualquer modo, acredita que "os melhores clubes brasileiros dos últimos anos têm condição de competir, no campeonato português, por um título, assim como os melhores clubes portugueses também têm condição de competir na liga brasileira".

Para Nuno Presume, treinador e habitual comentador de futebol da Renascença, esta rivalidade que se está a adensar no Mundial de Clubes não faz sentido.

"Não tem explicação possível. As realidades são completamente distintas, os contextos são completamente distintos e o momento da época em que se realiza esta competição coloca as equipas também em patamares completamente díspares. Como tal, mais parece conversa de adepto ou de quem é obcecado pelo lado menos bom do futebol", ajuíza, numa análise a Bola Branca.

O técnico, que já passou pelo Bahia, do Brasil, recorda também que o Mundial de Clubes não significa o mesmo para europeus e brasileiros: "Há equipas europeias que, neste momento, têm como preocupação exclusiva a próxima época. Isto tem um impacto imediato nas intenções a ter nesta competição. Os brasileiros, sempre que há um Mundial de Clubes, para eles é a competição mais importante."

Presume lembra quando, em Mundiais no século 20, os portugueses torciam pelo Brasil, inclusive contra a França, país com larga comunidade de emigrantes. Agora, a seleção portuguesa não falta a um Campeonato da Europa ou do Mundo.

"Julgando que já conseguimos estar ao nível dos outros, já não temos de sair em defesa da seleção A, da seleção B ou da seleção C. Porque já não temos esse complexo e esse lado menor na qualidade do nosso jogo. Nós equiparamo-nos, sem dúvida alguma, em contexto de seleção. Só que não conseguimos traduzir isso ainda no Mundial. Podemos ir a tempo. O Brasil, como se sabe, não passa o melhor momento relativamente a seleções", observa o treinador.

O Brasil já foi beber do conhecimento de Jorge Jesus, Abel Ferreira e Artur Jorge, entre vários outros treinadores e até dirigentes portugueses, além de técnicos argentinos e, agora, o italiano Carlo Ancelotti, o primeiro estrangeiro a orientar a "canarinha". Um "ato de inteligência", sublinha Nuno Presume, "reconhecer que é preciso algo de diferente, ao nível da conceção, da organização, do planeamento, para que possa fazer evoluir o seu jogo". Por outro lado, também lembra tantos outros brasileiros que tiveram grande sucesso em Portugal — inclusive selecionadores, como Otto Glória e Luiz Felipe Scolari.

Arthur Quezada também recorre aos nomes de ambas as nacionalidades que já tiveram sucesso de um lado e outro do Atlântico para fazer ver que, como diz o cantor, muito mais é o que une Portugal e Brasil do que os separa. O jornalista brasileiro também considera que qualquer um dos lados desta rivalidade está errado — ou no mínimo, não está totalmente certo.

"Financeiramente, o futebol europeu sempre foi mais forte, os nossos principais jogadores brasileiros não estão no Brasil, e cada vez mais cedo saem do Brasil. Nós não vemos os nossos principais ativos jogarem na Liga brasileira e por isso também a Liga brasileira é mais fraca, e olha-se para o futebol europeu como um grande exemplo, ou como um futebol muito melhor do que se pratica no Brasil. Não é tão no ferro e nem tanto na ferradura", ajuíza.

Quezada realça igualmente que não se pode olhar para um empate com FC Porto, Sporting ou Benfica como se fosse um empate com a "elite", como Paris Saint-Germain, Real Madrid, Barcelona ou Manchester City. Não no futebol atual.

"Não se pode comparar, hoje, o poderio de um clube como o Real Madrid, o Manchester City, o PSG, o Bayern de Munique, a um clube como o Porto, o Benfica, o Sporting. Há uma diferença muito grande e isso tem a ver com a parte financeira. Assim como não se pode comparar um clube brasileiro com esses clubes", frisa.

Ainda assim, entende este sentimento de reivindicação dos adeptos brasileiros.

"O público brasileiro, olhando para esse Mundial, sente-se, de certa forma, vingado, como, por exemplo, 'nós podemos competir'. É um pouco de 'síndrome de vira-latismo', como chamamos no Brasil", confessa, com um sorriso.

Por outro lado, Arthur Quezada vê alguns copos que, mais que meio cheios, chegam a transbordar durante este Mundial de Clubes: "As pessoas estão a exagerar um pouco, no Brasil, ao dizer que agora nós podíamos jogar a Liga dos Campeões, por exemplo, e competir para chegar longe ou até para vencer. Isso não existe."

A rivalidade entre Portugal e Brasil poderá voltar a fazer-se sentir nos oitavos de final, já que pode haver um Porto-Botafogo ou um Benfica-Flamengo. Para Nuno Presume, seria mais curioso ver o embate entre Martín Anselmi e Renato Paiva, que se dão mal desde que o argentino sucedeu ao português no Cruz Azul.

"Falamos aqui da defesa dos interesses de cada um dos continentes. E aqui está um eventual Botafogo frente ao Porto, em que o treinador do Porto é sul-americano e o treinador do Botafogo é português. Ou seja, toda uma eventual discussão sobre este tema acaba por diluir-se, porque os gestores de uma e de outra equipa são de continentes opostos. Tal como o Palmeiras, que tem um treinador português. E o Flamengo: Luís Felipe fez todo o seu percurso no futebol europeu, daí estar a incutir uma lógica de jogo até com algumas semelhanças ao que o Jesus fazia na sua passagem pelo Flamengo. Isto é aprendizagem", destaca.

E o que seria "interessante" para uma rivalidade mais saudável, segundo Arthur Quezada? "Um dia criarmos um torneio luso-brasileiro. Por que não?", sugere.

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