Futebol Internacional

Zé Pedro, com Luís Figo e uma "boa coletânea" à disposição, quer ver o futebol de Timor dar "um passo gigante"

08 out, 2025 - 12:45 • Hugo Tavares da Silva

Antigo centrocampista de Belenenses e Vitória FC é o selecionador de Timor-Leste desde 27 de agosto. A estreia acontece esta quinta-feira, contra as Filipinas. "Estou completamente do outro lado do mundo, mas estou muito satisfeito."

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Um dia depois de o Barreirense ir empatar ao campo do Camacha, na primeira jornada da II Divisão B, o povo timorense votou pela independência formal do território. Estamos em agosto de 1999.

Zé Pedro, com uma canhota prodigiosa e uma figura messiânica, tinha seguramente outras coisas na cabeça, como convencer o treinador José Rachão e até começar o processo de sedução de clubes maiores, como aconteceria com o Boavista.

Mas a magia do futebol, normalmente dentro do jardim retangular, está também nas cambalhotas fabulosas que promove na vida dos protagonistas. Certamente, Zé Pedro nunca sonhou que, depois de tantos anos no futebol profissional, ia assumir a seleção de Timor-Leste em 2025, ou seja, 50 anos depois de Portugal se desfazer das colónias e de abandonar o território após invasão da Indonésia.

A história interessa porque Zé Pedro herda também essa história agora que chega ali para liderar um grupo de homens que supostamente pode inspirar o país. Em conversa com Bola Branca, o antigo médio de Belenenses e Vitória de Setúbal, hoje com 46 anos e já com várias experiências como treinador, revela como ali chegou e o que está a sentir, explica o projeto e até comenta as possibilidades de Luís Figo, um rapaz dos sub-23 que nasceu um ano depois do Euro 2004…

A estreia como selecionador de Timor acontece esta quinta-feira, contra as Filipinas, a contar para a jornada 3 do apuramento para a Taça Asiática, um jogo que será disputado em Darwin, na Austrália, onde existe uma comunidade timorense importante.

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Zé Pedro, como é que chega a selecionador de Timor?
Este presidente tem alguma influência, entrou há cinco meses na estrutura da federação. Através de um rapaz que tirou o UEFA Pro comigo, que já tinha passado aqui por Timor, quiseram identificar um treinador português e contactaram-no para saber se ele teria algum conhecimento de alguém que seria capaz de vir para este contexto, de seleção e país. O tal colega do curso pôs-me à conversa com um diretor e, a partir daí, foi fazer o acordo.

Já tinha ido a Timor?
Foi a primeira vez, já estou cá há quase dois meses.

Estão na Austrália agora, é assim?
Agora sim. Estivemos ali um mês e uma semana em Timor, em Díli, e agora para competir, como em Darwin há uma comunidade timorense e em Timor não há grandes condições para estas provas da AFC, o presidente estipulou que os jogos em casa seriam aqui. Estamos em Darwin, jogamos quinta-feira o meu primeiro jogo como selecionador de Timor. Jogamos aqui contra as Filipinas.

Já vamos ao futebol. Como foram essas semanas em Díli? Como foi recebido?
Fui muito bem recebido. Há um mês e meio, sensivelmente, que estou aqui e estou a gostar bastante. Tenho todas as condições. É um país difícil e complicado, com pouca evolução ainda em muitas coisas. Mas fui muito bem recebido. Cheguei na última jornada do competição do campeonato, ainda tive oportunidade de ver os dois últimos jogos, ou seja, vi quatro equipas. Deu para ver alguns jogadores que estão comigo neste momento.

Hmm, hmm.
Tive um mês em que o campeonato parou e pude selecionar, durante esse período, jogadores que tinha referenciados e outros que a própria federação me solicitou para serem opções para a seleção nacional. Foi quase um treino à experiência [risos].

Umas captações.
Exato. Não tinha conhecimento do campeonato de Timor e também não acompanhava a seleção, então este mês foi investigar através de plataformas os jogos da seleção de Timor e os sub-23 também, porque muitos desses jogadores fazem parte do plantel da seleção A. Fiz um grande trabalho de análise e depois também tive a oportunidade, por um lado boa, de ter os jogadores a trabalharem comigo diariamente quase como se fosse num clube profissional.

Certo.
Mas o outro lado menos positivo é não terem competição e isso condiciona a preparação.

Até ao nível de pernas, andamento.
Tentei agora, mais próximo do jogo com as Filipinas na quinta-feira, fazer dois, três jogos para dar competitividade e também minutos nas pernas para poderem dar uma boa resposta, mas não é a mesma coisa do que competir semanalmente.

Sendo o campeonato tão curto, como funciona a base de recrutamento? É tudo a nível local ou há jogadores fora?
Sim, os jogadores com maior qualidade e potencial estão fora do país, entre Singapura, Indonésia e Filipinas. Jogam aqui nas redondezas. Praticamente, o plantel é recheado por jogadores que jogam na liga de Timor. Seis meses estão a competir e depois estão seis meses parados, voltam a ter mais seis meses a competir e eu apanhei o fim desse período.

Vem aí a estreia com as Filipinas, e em dose dupla. Qual é o projeto? O que podemos esperar da seleção e do mandato de Zé Pedro?
Para já, é o mandato do presidente que entrou neste desafio. Uma das coisas que quis fazer foi mudar de treinador, achou que não correspondia possivelmente ao que ele pretendia. Depois, acho que quis seguir um modelo de trabalho europeu, com um modelo de treino português, com regras, ideias e alguma organização. No fundo, é um bocadinho esse o meu papel.

Hmm, hmm.
A realidade, como disse anteriormente, tem coisinhas boas, mas há outras que se mantêm há 20, 30 ou 40 anos. E, pronto, estamos um pouco mais evoluídos e apanhamos essa dificuldade aqui, vamos tentar organizar um futebol que identificamos como amador, quer a nível de clubes quer a nível de seleção, e tentar semi-profissionalizar a coisa. Queremos ser mais competitivos. E, depois, o presidente vai a eleições em fevereiro, entrou agora até às novas eleições. Ainda não tem o cargo ganho.

Ahh, está interinamente.
Exato. Entretanto, vai concorrer. Se ganhar, tem um projeto de quatro anos e poderá pensar um pouco mais à frente no que pode fazer. Pronto, estamos a tentar gerir as coisas da melhor forma para que cheguem essas eleições para depois, se for o presidente a vencer, seguirmos este trajeto, o tal modelo de trabalho europeu, com o modelo de treino português, até porque há muita comunidade portuguesa aqui. A língua não é um dos grandes problemas.

Se o futebol sénior tem muita dificuldade e precisa de profissionalização, imagino como estará o de formação. Vai ter algum contacto com a formação do país? Os clubes estão preparados? Há escalões como cá?
É diferente, ainda não me inteirei muito sobre os sub-23, os sub-19 e sub-17, mas o presidente também quer que eu tenha impacto aí, quer com presenças quer com reuniões, com o tal modelo que utilizamos em Portugal. Vamos tentar fazer o transfer para aqui, a realidade não é a mesma. O presidente sabe muito bem o que quer. Aceitei este desafio depois de falar com ele, vejo que é um homem diferente, com visão, um homem de negócios aqui. Tem uma grande perspetiva para o futebol timorense, não só para a seleção, mas também para o campeonato.

Certo.
Ele até me agradeceu por eu ter aceitado um desafio como este, mas é um presidente com muita visão. Acredito que, ganhando as eleições, durante esses quatro anos o futebol de Timor... e não estou a dizer que é de um dia para o outro, não estou a dizer que amanhã vou ganhar às Filipinas e todos os jogos... vai ficar diferente. Felizmente, ele quer iniciar o projeto comigo. Ele quer ver o futebol de Timor melhor. O meu papel é ser selecionador da seleção A, mas depois faço um acompanhamento dos outros escalões.

Estava a ouvi-lo, o Zé Pedro ainda agora treinava aqui e a vida mudou, deu uma cambalhota brutal. Como é que o homem está a viver isso? Como sente a mudança tão drástica debaixo da pele?
Estou bem. A minha área foi sempre esta. Enquanto jogador, estamos sujeitos a estar hoje aqui e amanhã ali. Depois de ser futebolista profissional, optei por seguir a área do treino e é idêntico. Hoje estou na II Liga e depois estou a treinar uma seleção. Felizmente, tive esta oportunidade. Não sei o conhecimento que tiveram sobre mim, mas mostraram-se, desde o primeiro telefonema, muito interessados. Ainda hoje os sinto super motivados e contentes pela forma como as coisas estão a correr. Deixa-me satisfeito.

Hmm.
A vida pessoal é completamente diferente, estou completamente do outro lado do mundo, mas estou muito satisfeito. Nem pensei que as condições fossem dentro das que vivo atualmente. Sinto-me bem. Para mim, é uma satisfação enorme representar uma seleção nacional, uma nação, um país. Em termos de carreira, estou extremamente satisfeito, com extrema ambição. Quero que daqui a quatro ou cinco anos possa ajudar o presidente nos objetivos dele, para a seleção competir com as Filipinas ou Tajiquistão ou outras equipas com quem normalmente perdem. Um dos objetivos é esse. Até ao momento estou bastante feliz, quer pessoal quer profissionalmente.

Leva um adjunto português, Jaime Coelho.
Sim, sim. O presidente já queria que eu trouxesse mais gente, mas percebo que não é fácil para qualquer pessoa mudar uma vida assim de um momento para o outro. O futebol é assim. Com o decorrer do tempo, se as coisas correrem bem, posso juntar mais uma ou outra pessoa à equipa técnica e ajudar-me neste capítulo. Somos só dois. Se houver mais pessoas para ajudar, melhor.

Deram-me conta há pouco de que a sua seleção tem um Luís Figo. Que tal? Já lhe falou no Figo, ou não?
[risos] É um miúdo dos sub-23, que é um grupo com potencial. É uma boa coletânea, como costumamos dizer. Quando vimos o nome desse Luís Figo, começámos a brincar. É um miúdo com potencial. Não entrou nesta primeira convocatória, quer de treinos quer para o jogo com as Filipinas. Depois do segundo jogo, vamos ter um mês e uma semana até prepararmos o jogo com o Tajiquistão e estou a contar chamar o Luís Figo. Já o vi a treinar e a jogar, mas achei que para esta primeira convocatória não era a pessoa certa. É mais um dos miúdos dos sub-23 que tem potencial, acredito que no futuro possa vir, sim. Não deixa de ser um nome sonante, não tem nada a ver com o nosso Figo, naturalmente, senão estaria na seleção A neste momento.

Nasceu um ano depois do Euro 2004.
Há muita gente aqui com nome português, possivelmente os pais dele gostavam muito do Figo, quase de certeza [risos].

Há algum sonho como treinador, Ze Pedro? Ou a carreira de futebolista ensinou-lhe que só interessa o dia a dia...?
Tenho muita experiência como jogador profissional. Foi a minha vida desde os seis anos, fui profissional desde os 18 até aos 34. A realidade é essa: a gente pode ter muita ambição e sonho de chegar aqui ou acolá, mas depois realmente penso que é o dia a dia, porque às vezes as coisas correm como nós pretendemos, noutras nem tanto.

Quando não correm bem, não temos muito tempo, pelo menos o treinador. Há muita facilidade em trocar de imediato, por isso cada vez mais, e não tenho uma larga carreira como treinador, vejo que é viver o momento, aproveitar o momento da melhor forma. O sonho é sempre tentar fazer o melhor possível, chegar o mais alto possível. O meu sonho neste momento, porque também conheci este presidente e vejo a realidade de Timor, é ajudá-lo nesse objetivo pessoal que ele tem. O futebol timorense pode dar aqui um passo gigante em frente.

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