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Entrevista Renascença

"Só precisava de alguém que acreditasse em mim". No AVS, Gustavo Assunção quer provar que "não desaprendeu"

20 nov, 2024 - 17:05 • Eduardo Soares da Silva

Há cinco anos, Gustavo Assunção foi uma das revelações da I Liga aos 19 anos, mas foi perdendo espaço ao longo do tempo em Famalicão. Nas Aves, quer "provar que continua a ser bom jogador".

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O médio Gustavo Assunção está novamente feliz. Depois de três temporadas em que foi perdendo espaço e protagonismo no Famalicão, reencontrou-se no AVS, na I Liga.

"O jogador é egoísta nesse sentido. Somos muitos, todos querem jogar, mas somos mais felizes a jogar. Fico feliz por ter mostrado que o meu futebol continua vivo, não desaprendi, só precisava de alguém que acreditasse em mim", assume, em entrevista à Renascença.

Gustavo, hoje com 24 anos, foi uma das revelações do Famalicão na primeira época do clube minhoto na I Liga, em 2019/20. Depois de duas épocas como figura, foi progressivamente perdendo espaço.

Na temporada passada, fez 21 jogos, mas foi titular apenas cinco vezes no campeonato. "Parece que a malta duvidava de mim, se tinha desaprendido. O que aconteceu com o Gustavo Assunção, que era craque e agora não joga?", recorda.

O médio recorda a passagem pelo Atlético de Madrid e a marca forte que deixou o convívio com Simeone, os conselhos do pai, o ex-jogador Paulo Assunção, e revela o sonho de jogar um Mundial, seja pelo Brasil ou Portugal.


Foi titular nas últimas sete jornadas. Foi para isto mesmo que veio para o Aves, para voltar a jogar regularmente?
Sim, o jogador de futebol quer jogar, estou a conseguir ajudar a equipa, tenho contribuído e estou muito feliz por isso.

O golo em Arouca é sintomático desse regresso à boa forma, foi simbólico? Passaram dois anos desde o anterior…
Contra o Boavista, de cabeça. Foi ‘legal’, é uma mudança de ciclo, de fase, um novo começo. É sempre bom marcar um golo, há muito tempo que não marcava e nasceu o meu filho, pude dedicar-lhe.

Sinto-o bastante feliz, muito satisfeito…
Estou muito. Trataram-me como se estivesse em casa, o presidente, o diretor desportivo, a antiga equipa técnica, a atual, os colegas de equipa. Trataram-me como se estivesse aqui há mais tempo, estou muito grato.

Li uma entrevista que queria voltar a ser feliz. Jogou muito menos nas últimas três épocas do que nas duas primeiras em Famalicão. Estava a ser difícil para si?
Sim, claro. O jogador é egoísta nesse sentido. Somos muitos, todos querem jogar, mas somos mais felizes a jogar. Fico feliz por ter mostrado que o meu futebol continua vivo, não desaprendi, só precisava de alguém que acreditasse em mim.

Chegou a ser capitão no Famalicão, foram cinco anos de ligação, o primeiro clube que apostou no Gustavo ao mais alto nível. Sai com uma sensação agridoce pela forma como terminou?
Não, nunca tive problema com ninguém, sempre fui feliz, era um miúdo quando cheguei e saí uma pessoa totalmente diferente e o meu crescimento é graças a eles. Estou muito agradecido ao Famalicão, não ficou esse ressentimento, eu até moro em Famalicão.

Aliás, o Famalicão veio cá jogar, os adeptos chamaram-me, aplaudiram-me. Eu sempre dei tudo, sempre fui honesto, sou o primeiro a trabalhar, não me escondo e a malta sabe disso e respeitam-me. Respeito-os de igual forma.

A primeira época foi muito marcante, para o Gustavo e para a equipa, pela forma como se estabeleceram na I Liga. Encontra motivos para ter perdido espaço ao longo dos anos?
Na primeira época toda a gente falava do Famalicão, demos nome ao Famalicão, correu tudo bem. Depois fui nomeado capitão, vieram outros treinadores... Fui emprestado, voltei. Bem, o Famalicão é conhecido pelos jogadores de qualidade e um sistema podia adaptar-se mais a um ou outro. Explicação mesmo não tenho, eu respeito muito quem toma as decisões, havia o Colombatto, o Zaydou, o Topic, gosto muito deles como pessoas e jogadores, mas eu também 'defendo o meu'. Acho que sou igual ou melhor do que qualquer um, acredito em mim. O futebol é assim.

Como foi o primeiro empréstimo no Galatasaray?
Adorei, a minha família adorou a Turquia, adorei o clube. É incrível, qualquer jogador que tenha oportunidade de jogar na Turquia, em específico no Galatasaray, que vá. Tive companheiros que me perguntaram e eu disse para irem. A cidade, os adeptos… é a loucura. Lá sentes mesmo o futebol, aprendi imenso.

Algum momento especial que fique na memória?
Tenho muitos, fui logo convocado para o primeiro jogo, dois dias depois de chegar. O Fatih Terim disse que me levou para a adaptação, fiquei de fora, foi só para ver. Saí com um ouvido a zumbir, depois num jogo em casa foi a mesma coisa. É um sentimento inexplicável. Se me perguntarem se devem ir, eu digo para irem de olhos fechados.

Depois foram mais duas épocas no Famalicão, houve oportunidade de sair? Ou quiseram ficar com o Gustavo? Era dos mais antigos no clube, para além do Riccieli e o Luiz Júnior…
Sempre houve oportunidade de sair, há para todos os jogadores. A decisão é do clube e do jogador. Eu estava feliz no Famalicão, a minha família estava habituada, sair é sempre complicado. Houve ofertas, claro, mas optei por ficar.

Mudou algo este verão para decidir mesmo sair?
Sim, sabe porquê? Na primeira e segunda época, todos respeitavam muito o Gustavo Assunção, na terceira não joguei tanto, mas tranquilo. Na quarta época, parece que a malta duvidava de mim, se tinha desaprendido. O que aconteceu com o Gustavo Assunção, que era craque e agora não joga?

Fui falar com o mister, ele foi sincero comigo, disse que ia ser difícil porque o Topic e o Zaydou estavam bem, trouxeram outro médio, ia ser difícil de jogar. Queria provar que continuo a ser bom e surgiu o projeto do Aves. E a minha família não demoramos nem meio segundo a decidir. O projeto é incrível, trouxeram tanto promessas, como o Rodrigo [Ribeiro], como jogadores consagrados como o Ochoa, e têm a base da II Liga. Nem pensei muito, explicaram que o objetivo era a manutenção, que era o mesmo quando assinei pelo Famalicão. Aceitei, e o meu filho já tem roupa do Aves.

Era uma questão de orgulho também, por terem duvidado?
Não era bem uma questão de dúvida. O futebol não esquece, mas também esquece, não sei se me fiz entender. Os jogadores têm de jogar, ser felizes, a carreira é curta. Até o meu pai disse: ‘Gustavo, gostas muito do Famalicão, mas vais ficar aí…’. Estava numa fase em que era feliz, era muito bem tratado, mas queria jogar.

O pai [ex-jogador Paulo Assunção] é um conselheiro importante por ter estado neste nível do futebol?
Sim, o meu pai e a minha mãe. No outro dia, vi um vídeo que os pais que nunca jogaram futebol são os que mais cobram e os que jogaram são mais tranquilos. Comigo é assim, não forçam nada, não aconselham sem que eu peça, não querem influenciar. Falo com o meu pai, ele corrige-me. E meu pai jogava muito. Com a minha mãe é mais difícil, atira logo na cara que errei aqui, aqui e que não pode voltar a acontecer. É quem nos coloca firmes lá em casa. O meu pai entende que no fim do jogo podemos estar chateados, dá um ou dois dias. A minha mãe é sem piedade, comigo e com os filhos todos.

Na formação do Atlético de Madrid, já tinha de olho vir para Portugal pelo facto do pai ter jogado cá?
Sim, o meu pai tem uma ligação muito forte com o Porto e o Nacional. Sempre vimos vídeos dele a jogar aqui. Eu estava no Atlético, tinha sido convocado pelo Simeone, ele gostava muito de mim e deu-me muitas oportunidades. Apareceu o Famalicão, um projeto parecido ao do Aves agora, acabado de subir, para manter na I Liga, e assim foi.

Não chegou a estrear na equipa principal do Atlético, mas treinou com eles. Como foi essa oportunidade?
A primeira vez que treinei com a equipa principal tinha 15 anos. Morava perto do centro de treinos, algum médio ficou doente da barriga, faltavam 30 minutos, eu estava a dormir e ligaram-me a dizer que tinha de ir treinar. Nem sei quem é que faltava, se era o Koke ou o Gabi. O meu pai disse para tomar um Guaraná em pó e um café e ir. Fizemos um jogo, vencemos 3-0 com três golos meus.

O engraçado é que o Simeone ainda treinou o meu pai, mas não sabia que eu era filho dele. No fim, o Cholo disse: "'Pibe', quantos anos tens?". Eu disse que tinha 15, perguntou-me o nome porque nem sequer sabia. Alguém lhe disse que eu era filho do "Asu", e ele disse: “Gostei de ti, a partir de hoje vens treinar mais vezes connosco”. E sempre que faltava alguém, encaixavam-me. Foi por isso que cheguei ao Famalicão muito bem, foi muito tempo a treinar com a equipa A do Atlético.

E isso notava-se na maturidade em campo?
Sim, e eu não sou um gajo burro. Treinava com o Koke, o Gabi e o Tiago, que era um grande jogador. Entendia o que eles faziam e procurava fazer a mesma coisa. Porquê que fazem este movimento, porquê que colocam a bola desta forma? Falava com o meu pai sobre isso, era um trabalho que íamos fazendo.

Como era trabalhar com o Simeone? Por vezes, não tem uma grande reputação, acusam de ser muito defensivo…
Trabalhar com o Simeone é algo incrível. Primeiro, tratou-me muito bem. Eu era um zé-ninguém e sempre nos tratou bem, a mim, ao Rodrigo Riquelme e outros que estávamos a começar. É uma pessoa que se tiver um muro à minha frente e ele disser que eu tenho de ir de cabeça, tu vais lá e fazes isso por ele. Dá-te segurança, é um líder.

Consegue criar esse ambiente…
Não sei se fazia de propósito, ou não, sei é que se ele me dissesse para correr 50 mil metros, eu ia e fazia. Se fosse para saltar do prédio eu ia lá e saltava.

Antes de sair, falou com ele? Mantém contacto?
Não, nunca mais conversamos, é normal, eu era um miúdo. Lembro dele ir embora no carro e dizer ao meu pai: “Cuida bem do garoto porque ele é craque”. Acho que foi a última vez que o vi. Tenho muito boas recordações, sou muito grato, confiou em mim à frente de muitos outros jovens, que eram bons jogadores.

Voltando ao Aves… tem algum objetivo concreto traçado para a época?
Aprendi que é o dia a dia. O meu objetivo é melhorar todos os dias para melhorar e ajudar a equipa. Sinceramente, não penso no amanhã, estou só a pensar no hoje.

Saiu o treinador Vítor Campelos. Foi com ele que veio para as Aves. Como foi trabalhar com ele?
Foi bom, ele apostou em mim, colocou-me a jogar, era muito detalhista na organização dos médios. Dá para tirar algo bom de todos os treinadores, também coisas negativas, mas não gosto de o fazer. Agradeço-lhe a confiança e que o futuro seja sorridente para todos.

O que espera agora do novo treinador?
Estou a gostar muito, o mister veio com ideias muito claras, trouxe união ao grupo, vê-se que fala tudo na cara, é puro. Trata bem todos os jogadores, pergunta como estamos, já deixou as ideias claras do que acha melhor, sabia as características de todos, estou a gostar muito, os treinos são super intensos e competitivos. Vai dar certo.

Podemos esperar uma mudança muito grande na forma de jogar?
Ainda não tivemos nenhum jogo oficial, não sei se vai trocar os onzes, o que me cabe é trabalhar a 100% para ajudar a equipa, é o que os meus companheiros fazem. Cabe ao treinador decidir isso.

Um terço do campeonato está feito. Do que já viu, que objetivo é realista? É possível a primeira metade do campeonato?
O objetivo é o que o clube quer passar: a manutenção. Claro que o que vier para cima é bom. É melhor 12.º do que 13.º, 4.º do que 5.º, 1.º do que 2.º. A base é manter na I Liga, mas quanto mais acima, melhor.

Para concluir: um renascimento do Aves é também o renascimento do Gustavo Assunção?
As pessoas falam do Gustavo, mas eu tenho 24 anos. Estou na I Liga há muito tempo, mas sou novo. Se Deus quiser, vamos conseguir a manutenção. O futuro a Deus pertence.

Quais os teus sonhos?
Quero jogar um Mundial, por Brasil ou Portugal. O Ochoa já contou cada história… Só me aumenta a ambição. Já tinha jogado com ele no FIFA e os primeiros dias foram impactantes, mas ele é muito tranquilo, humilde e ajuda todos. Surpreendeu-me bastante, somos grandes parceiros. Fiquei com um amigo que jogou cinco Mundiais e vai ao sexto. Eu jogar contra ele seria melhor ainda.

Tem nacionalidade portuguesa?
Há muito tempo, desde sempre. O meu pai jogou no Porto, eu fiquei muito tempo cá. Nasci no Brasil e aos dois meses vim para cá. Portugal tratou-me tão bem, eu sinto-me português. No Famalicão, houve possibilidade de jogar por Portugal, não era a equipa principal, mas houve qualquer problema com um avô e não deu. Seria uma honra, tenho essa ambição.

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