26 fev, 2025 - 08:35 • Eduardo Soares da Silva
Em Guimarães, já todos conhecem António Miguel Cardoso. O presidente do Vitória Sport Clube apresenta-se novamente como candidato às eleições do próximo dia 1 de março. Agora, é tempo de avaliação por parte dos sócios aos três anos de mandato.
Em entrevista à Renascença na semana das eleições, o dirigente garante que "é o mesmo" de há três anos e o projeto também se mantém: "Na altura, apresentava-me aos sócios, agora é uma avaliação do que tem sido feito pela nossa direção e será essa a grande diferença”.
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Com uma nova academia em vista, António Miguel Cardoso fez da salvação financeira do Vitória a grande bandeira do seu mandato, sem tocar na ambição desportiva. Três anos depois, sente que as contas "começam a caminhar num sentido positivo" e leva no currículo três apuramentos europeus, o recorde de pontos do clube na I Liga e a caminhada histórica e invicta nesta edição da Liga Conferência.
"É preciso continuar, será agora mais fácil, já não temos de viver todos os dias tão apertados como vivemos e com tantas dificuldades. Foi importante dar sempre estabilidade e isso era difícil no clube que encontramos, mas fomos conseguindo. Seria muito bom se tivéssemos mais alegrias e mais títulos. É isso que procuramos nos próximos três anos", diz.
Explica também que as transferências de jogadores em janeiro já estavam planeadas. Manu Silva, Kaio César e Alberto Costa deixaram mais de 30 milhões nos cofres do clube, um reflexo de uma maior capacidade de negociação, conquistada pela estabilização das contas.
Pepa, Moreno, João Aroso, Rui Cunha, Álvaro Pacheco, Paulo Turra, Rui Borges, Daniel Sousa e Luís Freire. O Vitória teve nove treinadores nos três anos de António Miguel Cardoso, que explica que apenas dois foram demitidos. Defende-se com a garantia que "não ficará a olhar, agarrado ao orgulho", quando "sente que as coisas não estão bem e o ambiente é tóxico".
Com "muita energia" e "vontade" para liderar o clube por mais três anos, António Miguel Cardoso vai a eleições no próximo dia 1 de março. A outra lista candidata é liderada por Luís Cirilo [entrevista ao candidato é publicada na quinta-feira].
É recandidato à presidência do Vitória. Qual a diferença do António Miguel Cardoso de 2022 para o de hoje?
A pessoa é a mesma, temos já coisas intrínsecas em nós, é lógico que vamos evoluindo como pessoas, independentemente dos cargos que ocupamos. Passados três anos, e como candidato, serei diferente e é normal. Na altura, apresentava-me aos sócios, agora é mais uma avaliação do que tem sido feito pela minha direção, é a grande diferença. Sou o mesmo, o projeto é o mesmo, temos de ir evoluindo e adaptando às necessidades, mas a pessoa é sempre a mesma.
Que efeito acha que os resultados desportivos podem ter nas eleições?
Julgo que não, os sócios nestes momentos tem de perceber o que foi feito nestes três anos. Tivemos sempre duas propostas muito enquadradas: gestão desportiva e financeira. Encontrámos um clube numa situação dramática, estamos a inverter lentamente. Tem de ser lentamente, tem de ser assim porque não há passos de magia. Tivemos muito sucesso desportivo. Três apuramentos seguidos e na Conference.
Agora estamos uma fase menos boa em termos de resultados, mas os processos estão corretos. A equipa está feita, está forte. Tivemos de restruturar em janeiro, fazia parte do projeto, acho que os sócios são bem conscientes do que tem sido feito e no dia 1 votarão no que acham melhor.
Já lá vamos à parte desportiva e financeira mais detalhadamente. Tem mencionado a construção da nova academia. Qual é a ideia que sustenta? O clube precisa de uma nova infraestrutura?
Sim, já precisa há muitos anos. Estamos limitados em termos de espaço para as nossas equipas e modalidades. Estamos a crescer, já precisamos de outro enquadramento. A academia é espetacular, fomos dos primeiros a ter a academia, mas os recursos já são um bocadinho curtos. Temos trabalhado com a câmara há muitos anos – não só nós como as anteriores administrações – e acreditamos que estamos a dar passos fortes para termos uma academia totalmente virada para o futebol profissional a curto-prazo e a atual mantenha o futebol juvenil e o futebol feminino.
Será a câmara a disponibilizar os terrenos?
A perspetiva sempre foi a câmara ceder os terrenos e o Vitória teria que ter a capacidade de fazer os investimentos. Não é eleitoralista, é algo que vai ser feito, tanto para nós como para a lista do senhor Cirilo. O que importa é que seja para o Vitória e achamos que será bom para todos.
O investimento da VSports tem sido tema na campanha. A UEFA não permite que exista um investimento por causa do Aston Villa. Isso pode mudar, caso um dos clubes não esteja nas provas europeias?
A VSports foi sempre importante. Tínhamos necessidade de pagar ao anterior acionista um valor que não tínhamos capacidade para pagar. Se não o fizéssemos, as ações poderiam ter revertido e teríamos ficado com a minoria. A entrada da VSports foi importante para nós, sempre numa perspetiva de parceiro minoritário. Vitória tem postura firma de maioria de capital e controlo da SAD. A nível de “know-how”, sim senhor: experiência de jogo, departamento alto rendimento e várias áreas em que estão connosco. Numa parte inicial, financiaram-nos a um custo reduzido, a UEFA não permitiu e tivemos de encontrar soluções fora da VSports.
Não escondo que nos ajudaram a encontrar esses parceiros, como está a ajudar neste momento num plano de restruturação financeira para que a dívida seja alongada a médio e longo prazo e com taxas mais baixas. Agora, o Vitória começa a respirar e ter mais confiança. A VSports tem sido sempre um parceiro, não o que se previa no início, mas temos a maioria do capital, não queremos abdicar disso, e concorremos com clubes em que os investidores têm a maioria. O nosso caminho não é esse. O meu não será, queremos manter o Vitória como sempre foi.
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Foi uma decisão da UEFA não permitir o investimento?
A UEFA disse que, dadas as contas negativas do Vitória, que qualquer financiamento da VSports poderia ser interpretado como uma capacidade de gerir a parte desportiva através da dívida. Estando nós e o Aston Villa a competir nas provas europeias, achavam que não fazia sentido até conseguirmos inverter. Nesse momento, poderá ser possível, mas sempre como investidor minoritário e não o Vitória como um clube satélite do Aston Villa.
Uma crítica que lhe é apontada são as sucessivas trocas de treinadores. Em reflexão, é um ponto a mudar?
Temos de ser conscientes com as decisões que tomamos. Ficaria preocupado se as trocas tivessem levado a maus resultados. Não foi o caso, estivemos sempre em crescimento na parte desportiva. Algo importante e quebrando um pouco o mito é que só chegámos a base de despedimento a dois treinadores. Temos visto muitos clubes à nossa volta constantemente em grandes mudanças, atiraram um pouco para cima de mim, mas não tem problema nenhum.
A verdade é que só despedimos dois treinadores. O Vitória tem uma estrutura forte e não tinha quando chegámos. Não abdicamos de certos pilares na relação com o treinador, é uma conversa feita atempadamente, se os pilares se quebrarem e a relação quebrar com a estrutura – seja staff, jogadores, toda a envolvência – tem de se mudar. Sentindo que as coisas não estão bem, como as relações não estarem boas e existir um ambiente, por exemplo, tóxico, não contem comigo para ficar a olhar por orgulho e não fazer nada. Queremos sempre crescer e ganhar. Tomam-se decisões quando têm de ser tomadas.
Foi nessa lógica a saída de Daniel Sousa? Pode dar mais alguns detalhes da saída?
Já disse. Há pilares na relação, com a equipa e staff, existe um período de instalações. As coisas não correram bem, o caminho não seria positivo. Achámos que era o que fazia mais sentido.
Luís Cirilo tem defendido um treinador de estilo Alex Ferguson, que fique muitos anos. Isto é realista num futebol moderno? Já perdeu treinadores por insucesso e outros por sucesso…
Na teoria, é o ideal. Agora, todos sabemos que não podemos viver na teoria e temos de nos adaptar. A gestão nunca pode ser estanque, temos de nos ir adaptando. Seria uma situação ideal, mas as coisas não são assim e não podemos ficar agarrados ao que prometemos. Temos de ter uma visão de poucas promessas, mas ser claro no que dizemos. Se está mal, mudamos, tem de ser.
Sempre assumiu a salvação financeira como uma prioridade do seu mandato. Qual é a situação do clube neste momento?
Era dramática e tinha poucos recursos. Tínhamos orçamentos na casa dos 28 milhões de euros e não tínhamos receitas porque estava tudo antecipado. Tínhamos receitas de dois ou três milhões. Com o passivo que tínhamos, esse défice no orçamento, sem receitas e ainda ter de pagar ao acionista Mário Ferreira, as coisas não estavam fáceis. A decisão foi clara e estratégica de nos irmos financiando, aos poucos, não cortar em tudo porque se fosse para cortar, cortar, cortar, o clube iria contrair, os resultados iam ser maus e nunca teríamos capacidade de ir atrás do passivo.
Tivemos uma política de contratação interessante e assertiva, fomos gerindo sem os direitos televisivos, porque foi um mandato inteiro assim. O clube estava em queda, para inverter não é de um dia para o outro. Estamos a virar lentamente, conquistámos um capital de confiança que é forte, é importante e somos reconhecidos por isso. As coisas começam a caminhar num sentido positivo.
Luís Cirilo diz que o passivo aumentou. Tem números que rebatam esta afirmação?
Quando estamos a pique, sem receitas, e com os custos que temos todos os meses, só por um passo de magia é que conseguimos inverter. Quem é empresário e gere empresas sabe que as coisas não acontecem de um dia para o outro. Tivemos resultados desportivos muito bons, fizemos uma série de vendas em janeiro que já estavam antecipadas. Dissemos que iríamos apostar na Conference, assim foi. O passivo vai começar a reduzir, mas é impossível as coisas serem feitas de um dia para o outro.
O buraco é de quantos milhões nesta fase?
É bem visível nas contas. Temos de continuar a inverter, manter uma política de venda de jogadores, aqui e ali fazer com o clube contraia e não tenha tantos custos, mas queremos também que o clube esteja nas competições, os jogadores valorizem e o projeto cresça. Se continuarmos assim, juntando direitos televisivos que vamos receber no final do ano, temos tudo para caminhar de outra forma.
Qual é o próximo passo do projeto depois desta salvação financeira?
Nestes três anos, fomos seguindo o nosso plano, sempre adaptando no dia a dia. Tocámos em todas as áreas e temos a consciência que tocámos bem. Seja na organização interna, seja com os associados, nas modalidades com excelentes resultados, seja no futebol juvenil, seja no futebol profissional, na comunicação…
Houve um trabalho de crescimento integral, que é inegável e os números não enganam. É preciso continuar, será agora mais fácil, já não temos de viver todos os dias tão apertados como vivemos e com tantas dificuldades. Foi importante dar sempre estabilidade e isso era difícil no clube que encontrámos, mas fomos conseguindo. Seria muito bom se tivéssemos mais alegrias e mais títulos. É isso que procuramos nos próximos três anos.
É possível imaginar no próximo mandato um Vitória que não venda? Ou que não venda tão facilmente?
Temos de ter consciência do que é o futebol, o desejo do clube e do atleta. Em Portugal, perante os orçamentos, mesmo um clube equilibrado, tem sempre um défice. Vendas são sempre necessárias. Outra questão é que a partir do momento que os clubes de topo estão interessados nos nossos jogadores e chegam a valores interessantes, os atletas também querem outros projetos na vida e ganhar dez vezes mais, é muito difícil dizer que não. Já resistimos e confesso que neste mercado já foi mais fácil resistir e os valores já foram outros por isso. No passado, fizemos bons negócios, fizemos outros que tínhamos de os fazer para ter estabilidade. Começa a mudar um bocadinho, mas o Vitória é sempre um clube vendedor.
Percebe-se que todas as suas ações são altamente escrutinadas, o Vitória é um clube com uma massa crítica forte, mas conseguiu sempre o apuramento europeu e tem a participação histórica na Conference este ano. Sente-se, por vezes, incompreendido?
Não. Digo-lhe mais: recorde pontos no ano passado. Não me sinto incompreendido, vamos para eleições e veremos no dia 2. Farão a sua avaliação. O que mais me importa é a minha consciência perante os factos. Falou na lista do senhor Cirilo, a verdade é que estou há três anos a ouvir críticas desde que entrei. Foi constante e há um objetivo que é sempre o mesmo. Estou consciente e tranquilo, os sócios decidirão.
Nunca ficarei incomodado, o que quero é que o Vitória cresça. Não estando agarrado, se os sócios decidirem pela outra lista, sigo para a bancada. O que queremos é que o Vitória ganhe sempre, não andaremos a fazer contestação e atrás de ninguém.
Desportivamente, falta-lhe um título no futebol? É um sonho, um objetivo?
A mim, não me falta nada. Penso no Vitória, não penso pessoalmente nas coisas. Quero que o Vitória tenha mais títulos, na longa história do clube, com os associados e a força que tem, lamento que existam tão poucos títulos. Algo foi mal feito, muito foi bem feito claro, mas algo correu mal. O potencial está lá, tenho-me batido muito porque acho que o clube tem obrigação de ter mais títulos nos próximos anos. Espero que seja comigo, se não forem, que sejam com quem for. Importa é que clube continue a crescer porque o Vitória tem potencial para muito mais.
João Ferreira, adjunto do treinador Luís Freire, a(...)
Vivemos uma altura de mudança de paradigma no futebol português. Pedro Proença passa para a FPF, teremos novo presidente da Liga. Como vê estas mudanças?
Olho com expectativa. Preocupa-me o estado do futebol português, a nossa posição é de não sermos submissos a ninguém, sermos independentes em todas as áreas, sempre sem receio de assumirmos o que queremos. Vemos, todos os fins-de-semana, muitos problemas e muita incoerência. Gostávamos que o futebol tivesse mais verdade para poder crescer. Preocupa-me que o futebol em Portugal tem de ser vendido lá fora e de outra forma. Quero acreditar que as pessoas estarão orientadas e alertas para que o futebol possa crescer.
Esse trabalho tem sido feito?
Sinto que há muito por fazer na questão da centralização dos direitos televisivos, na arbitragem. É preciso sermos mais independentes, mais controlo, sermos muito mais profissionais, mesmo em relação aos árbitros, tem de haver muito mais profissionalismo. O espetáculo tem de ter mais verdade, independência e coerência.
Quando menciona a independência na arbitragem, o que está a querer dizer na prática?
Têm de ser mais avaliados, haver mais controlo, uma comissão na pontuação dos árbitros, VAR tem de ser mais profissional, maior remuneração, têm de ser chamados à razão quando falham. Temos de ter a visão global da arbitragem.
Já mencionou a centralização, será concluído no próximo mandato do Vitória. Já houve várias reuniões para discutir os modelos. Que avaliação faz até ao momento da discussão que tem sido feita? Mantém a ideia que pode mudar o futebol português?
A centralização só pode dar certo se o espetáculo do futebol for sério em Portugal, mais competente. Tudo o que lhe tenho dito. As coisas só vão correr bem se o futebol for vendido de outra forma: melhores estádios, melhor relvados, melhor iluminação, mais segurança, mais fácil acesso. É a base para que a centralização corra bem. Depois, há entidades que têm de fazer parcerias, mas a base é muito importante.
Quando encontrar um parceiro, é preciso acordo com os clubes e isso também não é fácil. Temos a tendência de olhar para o umbigo. Se o espetáculo for bem avaliado, vamos chegar facilmente a consensos. Temos o limite de 2028 e aí terá de ser resolvido, mas quero acreditar que pode ser possível.
Vê abertura dos grandes para abdicarem do seu valor pelo bem comum?
Não há um bem comum. Quando se fala de espetáculo e é só comparar com outras ligas. A diferença entre os primeiros e os últimos não pode ser o que acontece em Portugal. É monumental, não faz sentido nenhum. A diferença da I para a II Liga também não faz sentido. Tudo tem de ser visto como um todo, distribuído por todos.
Não significa que o valor para os grandes seja inferior, mas as coisas têm de ter uma lógica comum. Lógica de pontos como nas provas europeias faria mais sentido e não ir atrás de outros modelos. É preciso valorizar o futebol português em grande para depois distribuir por todos e estar sempre atentos à II Liga porque perante os orçamentos da segunda divisão, o que recebem das receitas televisivas é muito pouco.
Quer concluir com uma mensagem aos sócios?
O que é importante dizer é que vão votar. Façam uma avaliação do que foi feito nestes três anos, o que diz a outra lista, e vão votar. O que posso prometer é que, do nosso lado, estamos cheios de vontade e energia para mais três anos, mas os sócios é que têm de decidir e são soberanos.