02 jan, 2025 - 10:35 • Carlos Calaveiras
Isaac Nader bateu o recorde nacional dos 10 km na São Silvestre de Lisboa e essa nem era a prioridade.
Em entrevista à Renascença, o atleta do Benfica acredita que a sua marca, que foi de Fernando Mamede durante 39 anos (e que agora pertencia a Duarte Gomes), vai cair em breve e bem para baixo dos atuais 28.03 minutos porque há uma grande geração de atletas lusos.
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O ano que agora começou vai ter muitas provas importantes, incluindo um Europeu e dois Mundiais, e Nader quer estar na luta por medalhas. Curiosamente, não na prova em que é recordista, mas na sua prova de sempre, os 1.500 metros, onde ainda tenta a melhor marca nacional.
Venceu a São Silvestre de Lisboa e logo com recorde nacional dos 10kms (28.03m). Estava previsto tentar o recorde?
Não estava pensado o recorde nacional, estava pensado tentar ganhar, como em todas as outras provas. Sabia que os meus colegas queriam correr, pelo menos, para bater o recorde do percurso e sabia que tínhamos qualidade para isso. Foi conseguido, felizmente ganhei eu e com recorde nacional.
A prova tinha um lote importante de atletas com vários dos melhores portugueses. Foi a concorrência que levou à marca ou o percurso ajudou?
Sinceramente, o percurso não facilita muito, não. O percurso da São Silvestre de Lisboa é maioritariamente plano, sim, mas depois tem a subida ao Marquês – um quilómetro e pouco – que é exigente e a calçada na zona do Rossio já está algo danificada e é preciso ir com atenção. Não podemos dizer que é a corrida perfeita para se bater o recorde de Portugal, isso não é, mas havia um bom lote de atletas: o Duarte Gomes, o Miguel Moreira, o José Carlos Pinto e o Edson Barros, entre outros, que estavam presentes, tal como o Nuno Pereira, que foi o atleta que decidiu ajudar-nos a ir o mais rápido possível.
O nível português neste momento é bastante bom, estamos a voltar a correr rápido e eu espero que os meus colegas e eu consigamos mais recordes de Portugal e mais resultados de outro nível para o nosso país nas grandes competições. Provou-se nesta São Silvestre que os portugueses da atualidade são bons, dos melhores nacionais de sempre, e que podemos correr mais em estrada – não tanto em pista – e fazer marcas interessantes para o nosso país.
Permita-me a brincadeira: apesar do recorde, não conseguiu apanhar a Salomé Afonso [é a namorada de Nader]. Tudo tranquilo aí em casa?
[Sorrisos] Sim, tudo tranquilo. Eu disse à Salomé antes da prova que cinco minutos [de avanço] para uma atleta de nível internacional como a Salomé são muito difíceis de tirar. Eu disse-lhe que era impossível e comprovou-se. A Salomé ainda chegou, salvo erro, com 45 segundos de vantagem. Mas, efetivamente, ninguém ficou chateado: a Salomé ganhou a São Silvestre de Lisboa, ganhou a corrida homem vs mulher e o importante é que os dois saímos felizes no final do dia e está tudo bem.
O recorde do Fernando Mamede durou quase 40 anos, mas agora, em poucos meses, houve dois portugueses (Duarte Gomes e Isaac Nader) que o bateram. Qual é o segredo?
Nestes últimos 39 anos, Portugal teve muitos atletas que poderiam ter batido o recorde nacional – o Samuel Barata já podia ter colocado o recorde nacional abaixo dos 28 minutos, mas faltavam 25 metros à prova – e acho que este recorde nacional dos 10 quilómetros em estrada vai ser colocado muito brevemente, daqui a um ano ou dois, nos 27.30 minutos, mais ou menos. Não vou dizer que é o Isaac Nader a fazê-lo, porque sinceramente não está nos meus planos correr provas de 10 quilómetros na estrada, mas pode ser o Duarte Gomes, pode ser o Samuel Barata, pode ser o Miguel Moreira, temos qualidade para isso.
O segredo é que os portugueses estão a voltar a treinar mais e a focar-se a 100% no desporto e isso é que está a fazer com que os resultados apareçam. Acredito que os recordes de Portugal, na minha opinião, da maioria das distâncias do meio fundo e fundo vão cair.
Curiosamente, o Duarte Gomes, quando falou com a Renascença, já tinha dito que os recordes nacionais iam “cair todos no espaço de dois, três anos” porque estava aí uma grande geração no meio fundo. Já percebi que concorda.
Estou totalmente de acordo com ele. É como lhe digo, antigamente os atletas portugueses tinham muita qualidade, daí termos tido campeões olímpicos, medalhados olímpicos, campeões do mundo, campeões da Europa no meio fundo e fundo, mas acho que hoje em dia, em termos gerais, o atletismo está mais forte por ter um conjunto mais elevado de concorrência e de qualidade.
Dou-lhe o exemplo dos 1500m: em 2021, em Tóquio, os mínimos para os Jogos Olímpicos eram 3:35.00 minutos e este ano em Paris foram 3:33.50 e quantos atletas não estão já abaixo desses 3:33.50? Se calhar 40. Há cinco anos isso era impensável.
Isto não quer dizer que os portugueses do antigamente não estivessem a lutar pelas mesmas medalhas que conquistaram e conquistariam certamente na mesma porque foram muito bons e quanto a isso nada a dizer. Quer eu, quer os meus colegas, trabalhamos para ser melhores e se sermos melhores der recordes pessoais, recordes de Portugal e medalhas, porque não? Seria excelente.
A ideia que tínhamos do Isaac Nader era a de que era atleta de 1500m. Há mudança de distância ou os 10kms da São Silvestre foram só um teste?
Sinceramente, nem uma mudança nem um teste. Fazia e faço 1500m. O que posso dizer é que com o novo treinador fazemos muito volume de treino. Cada vez se treina mais. Os atletas de 1500m têm agora um treino mais para cima e isso faz com que haja volumes semanais de 170/180 quilómetros – não quer dizer que seja todas as semanas nessa base – faz com que neste tipo de provas de 5/10 quilómetros se possa estar a nível interessante onde se possa obter marcas de valia nacional ou internacional.
Em breve (a 4 de janeiro) há campeonatos nacionais de estrada na Figueira da Foz. Vai participar?
Sim, sim. Vou participar.
O ano de 2025 é importante com campeonatos de atletismo: em março (Europeu e Mundial de pista coberta) e setembro (Mundial ar livre). O que está previsto para o Isaac Nader nestes eventos?
Quando vestimos as cores da seleção nacional, o objetivo tem de ser sempre dar o nosso melhor. Trabalhamos muito, treinamos muito e depois o objetivo é correr sempre o mais rápido possível e dar o nosso melhor. Umas vezes estamos mais à frente outras mais atrás, mas trabalhamos sempre o melhor possível.
No último Campeonato da Europa de Pista Coberta o Isaac Nader estava tocado e não deveria ter estado nesse campeonato, não foi um bom resultado. O ano passado fui quarto no Campeonato do Mundo de pista coberta e, naturalmente, quero melhorar o meu resultado no Mundial e fazer um resultado no Europeu. No Mundial de ar livre, naturalmente, também: voltar a estar na final, como estive em Budapeste, e chegar mais à frente e estar cada ano mais perto de medalhas porque um dia pode cair para mim. Pode nunca cair, mas nós temos de tentar. Se não cair, é chegar ao fim da carreira desportiva com a consciência de que tudo fiz e sair de cabeça erguida.
Certo, mas melhor que um quarto só uma medalha…
[sorrisos] Lógico. Melhor que um quarto só um terceiro e melhor que um terceiro um segundo e melhor que um segundo um primeiro.
Num dia bom, pode acontecer?
Num dia normal. Os dias bons nós já os fazemos no treino.
Daqui a quatro anos, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, vamos ter o Nader a competir?
Espero que sim. Não havendo nenhum problema físico, chegando ao ano 2028 certamente que, se estive em 2024 em Paris, acredito que estarei em Los Angeles em 2028, mas falta muito tempo,
O Isaac Nader daqui a quatro anos será muito melhor atleta, com muito mais treino em cima das pernas. Tenho pena de não ter começado a trabalhar com o meu treinador atual [Enrique Pascual] há mais anos, podia ter feito um resultado diferente em Paris já, mas é a vida, nem sempre corre como queremos, mas em 2028 serei muito mais forte, tanto física como mentalmente, mas primeiro é preciso chegar lá.
E ainda será nos 1500m?
Sim, isso é uma certeza que eu tenho: será nos 1500m, certamente. Não sei se será a dobrar provas, 1500 e eventualmente 5000, mas 1500 é de certeza. Tenho 25 anos, em Los Angeles terei 28 ainda e terei seguramente energia e capacidade suficiente para fazer 1500m ao mais alto nível, esperemos já com o recorde português dos 1500m. Esse é o meu objetivo realmente.
Os 10.000m, sinceramente, não posso dizer que foi um acaso, porque eu sabia que podia estar neste tipo de marcas, mas é como lhe digo, o atletismo português vai ser muito melhor daqui para a frente e espero que, até Los Angeles, já tenham caído a maioria dos recordes. Esperemos que a nova Federação Portuguesa de Atletismo reme para o mesmo lado dos atletas e nos ajude de várias maneiras a atingir esses objetivos.
O presidente Domingos Castro recuperou a política de levar equipas completas para as grandes provas. Parece-lhe bem?
Eu sou apologista que os jovens atletas têm de ser apoiados, tem de haver investimento neles, têm de ter experiência internacional para que possam chegar aos seniores e render aquilo que têm de render e mostrar toda a sua qualidade. Já nas equipas seniores sou apologista que se devem levar os atletas que tenham condições e qualidade para estar a representar a seleção nacional.
Se a federação decidiu, para o último Campeonato da Europa de corta-mato, levar equipas completas é porque achou que eles tinham condições para representar a seleção nacional. É um trabalho da federação. Portugal tem muita qualidade tanto nos jovens como nos sub-23 como nos seniores e essa qualidade tem de ser aproveitada.
Experiência internacional damos aos jovens, não aos seniores. Nos jovens é que tem de se apostar. Se não se puder ajudar os jovens a melhorar, não faz sentido levar tantos seniores em prol de dar mais apoio aos jovens. A federação é que tem de olhar para as contas e, se puder levar todos os atletas portugueses – jovens e seniores - a chegar a outros patamares, estamos no caminho certo.