03 fev, 2025 - 07:00 • João Diogo Correia*
Os jogadores e os técnicos da seleção nacional ainda levavam as mãos à cabeça pelo jogo perdido no último suspiro e já um homem sobressaía na bancada da Unity Arena. “Orgulho, orgulho!”, gritava Paulo Silva, t-shirt vermelha e verde vestida, ao contrário dos portugueses lá em baixo, que equipavam de branco.
“Melhor equipa de sempre, esta derrota não muda nada”, garantia depois o adepto à Renascença.
A história que trouxe Paulo Silva a Oslo, capital da Noruega, talvez seja a melhor forma de explicar a caminhada de Portugal neste Mundial. “Vim cá na fase de grupos, achei que ia voltar para casa”, e já saía satisfeito por ver a seleção chegar aos quartos de final, feito inédito.
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O caminho português estava a ser marcado por vitórias a seleções como o Brasil, a anfitriã Noruega ou com o empate a saber a goleada contra a Suécia. Para jogadores, técnicos, famílias, adeptos, este era já um Mundial especial. Mas depois veio a Alemanha. “Quando ganhámos, não vi custos, não vi nada, marquei o voo e viemos para aqui”, diz Paulo Silva, ao lado de uma dezena de adeptos que fizeram barulho do princípio ao fim no Portugal-França, no jogo de atribuição da medalha de bronze.
Não foram os únicos. Lá fora, a cidade de Oslo estava coberta de gelo, pouco mais se via além do branco no chão, nos bancos, nas casas e nos céus. Antes da partida, ainda não nevava. A Unity Arena fica na grande área metropolitana da capital norueguesa, num parque empresarial com poucos pontos de interesse além do pavilhão que agora é histórico para o andebol português.
A mancha vermelha e branca que se aproximava dava nota de que seriam os croatas e os dinamarqueses (que disputariam a final) a ocupar a maior parte das cadeiras. O que ainda não se sabia é que seriam eles uma parte importante do apoio que a seleção portuguesa sentiu lá dentro.
À medida que o jogo avançava, bola cá, bola lá, golo cá, defesa lá, o pavilhão levantava-se em aplausos aos portugueses estreantes nestas andanças e pressionava com assobios a seleção francesa.
“RRRRancisco Costa”, gritava o speaker, depois de mais um golo do rapaz que foi considerado o melhor jogador jovem do torneio. “Os franceses já ganharam muito”, dizia à Renascença um croata que acabava de aprender o ritmo para gritar adequadamente “Por-tu-gal, Por-tu-gal”. Na tribuna VIP, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, Luís Montenegro, assistiam surpreendidos com o nível de apoio, como diriam após o fim do jogo.
Mundial de andebol
A crónica do jogo que confirmou Portugal como a qu(...)
Mesmo que não dê medalha, essa é uma das vitórias que fica para a história deste Mundial: Portugal entrou fora do lote dos favoritos, nunca tinha sequer chegado a uns quartos de final, que dizer de uma meia-final?, e saiu como o “underdog” de quem todos gostam.
“Acho que as pessoas começam a ver-nos de outra maneira e isso é muito importante para o andebol em Portugal”, confessa à Renascença Fábio Magalhães, lateral da seleção e do FC Porto, à saída do balneário, depois de uma derrota que deixou “um sabor amargo na boca”, mas também uma nota de esperança. Portugal, um país que tem tentação para só ver a bola no pé, “agora já sabe” quem eles são.
Por mais breves que sejam, há imagens que pintam o retrato de uma competição e de uma modalidade. Os jogadores da seleção nacional que alcançaram um inédito 4.º lugar estarem, no fim do jogo, a comer pão de forma de um saco de plástico é uma delas. “Vi muita humildade nestes dias”, conta Pedro Carvalho, jogador de andebol de um clube de pequena dimensão, o FC Gaia, onde partilhou balneário com Martim Costa, uma das estrelas dos “heróis do Mar”, e que veio à Noruega aplaudir o ex-colega.
“No andebol, as seleções ficam todas juntas no hotel, há um fair-play e um respeito pelo jogo, que até pode ser muito agressivo dentro de campo, mas que quando acaba põe todos a conviver. Noutras modalidades, especialmente na que nós mais conhecemos em Portugal, isso é impossível.”
Pedro Carvalho caminha debaixo da neve no fim do torneio ao lado do irmão, Luís Carvalho, também ele praticante da modalidade. O central Martim Costa acaba de ser escolhido para a equipa ideal do torneio, tal como o pivô Victor Iturriza, e os irmãos lembram os outros dois irmãos que marcaram este torneio, Martim e Francisco Costa. “Fomos campeões nacionais e subimos à 1.ª divisão com o Gaia quando o Martim tinha 16 anos, e foi à custa dele”, conta Pedro. “Já era o melhor, de longe, não havia dúvidas”, acrescenta Luís
Para quem segue a modalidade, o caminho português foi só uma meia surpresa. Até porque “o mais importante não é a medalha” que não chegou, como aponta Pedro Carvalho. “O mais importante é que a modalidade tenha mais atenção”, defende, antes de sacar da bandeira para cantar mais uma vez uma espécie de hino oficial da seleção: “Sou de Portugal eu sou, de Portugal eu vou, para te ver ganhaaar”.
“A maioria das pessoas não tem noção de que no andebol toda a gente está habituada a fazer muito com pouco. Mesmo a federação, tenho a certeza que sente isso”, continuam os irmãos Carvalho. “Nós, nos clubes mais pequenos, sentimos muito isso, estamos habituados a fazer muito com pouco, é algo típico no andebol. Esperemos que agora se continue a dar passos para evoluir e para podermos competir com estas seleções.”
Andebol
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Minutos antes, a Dinamarca, que eliminou Portugal nas meias-finais, tinha mostrado por que razão é a melhor equipa de andebol da atualidade, sagrando-se tetracampeã. Por isso, a pergunta e resposta de Luís Carvalho se explica tão bem: “Se custa perder assim? Custava era quando Portugal não vinha.”
Quando as luzes e os sons da Unity Arena se apagaram, os jogadores saíram para o hotel para começar a “assimilar” o que aconteceu nos últimos 15 dias (o Mundial decorreu entre 15 de janeiro e 2 de fevereiro, na Noruega, Dinamarca e Croácia). Enquanto isso, as famílias, que também ficaram a assistir à final no pavilhão, procuravam um restaurante onde jantar, abrigar-se do frio de -12 graus e baixar os níveis cardíacos. Ricardo Costa, pai dos irmãos mais badalados do torneio, escolheu o Maya’s, um restaurante de decoração nórdica, a madeira e as plantas em destaque, e que divide o menu entre os pratos italianos e os noruegueses.
A meio da refeição, levanta-se para falar com a Renascença. “Eu podia estar a jantar, mas fiz questão de estar aqui [a ser entrevistado], porque acho que nós, que lutamos tanto para que o andebol ande para a frente, temos de dar a cara.” Ricardo Costa foi jogador, é hoje treinador de andebol do Sporting e, tal como todos os intervenientes ouvidos pela Renascença neste fim de festa, considera que a grande vitória de Portugal é, não apenas o 4.º lugar, mas a atenção mediática, com as audiências dos jogos da seleção a baterem todos os recordes e a assessoria de comunicação a não ter mãos a medir.
“É assim que nós nos vemos no desporto, acreditando que quanto mais acesso damos” a atletas e treinadores, “mais conseguimos proximidade com as pessoas”, explica Ana Teixeira, diretora de comunicação na Federação de Andebol de Portugal. “Nós [federação] até temos um grupo do WhatsApp com vários jornalistas e é por lá que eu passo a informação a toda a gente”, conta.
O grupo leva mais de 40 pessoas, um mundo novo comparado com aquela ideia do jogador-estrela inacessível, inalcançável. “Não, aqui não existe nada disso, só existiu às vezes algum cuidado, porque há jogadores que não têm o inglês tão perfeito” e poderiam ter dificuldades com jornalistas estrangeiros.
Ana Teixeira admite que a doutrina de “abertura total” causou dificuldades num torneio que foi uma avalanche de atenção mediática. “Foi um bocado complexo, tivemos media calls a durar duas horas e meia…”.
Ainda não é certo que esta atenção tenha como consequência medalhas futuras, Campeonatos Europeus, Mundiais, jogadores e treinadores cobiçados por toda a parte. Ricardo Costa, porém, acredita “mesmo que todo este élan que se criou à volta da modalidade” vai ser aproveitado para crescer e poder, um dia, estar de igual para igual com países como os nórdicos.
“Acredito que com isto, a federação, o Governo português, as empresas, vão olhar para o andebol de outra forma”, conta à Renascença, à porta do Maya’s. É que, com ou sem medalha, “não fazia sentido” que isto fosse o fim de alguma coisa.
“Não, isto é o princípio.”
*Jornalista em serviço especial para a Renascença, em Oslo, Noruega