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Ciclismo

Afonso Eulálio está preparado para ser um gregário na 'Algarvia': "Não trocava o que faço por nada"

19 fev, 2025 - 10:45 • Eduardo Soares da Silva

O ciclista da Bahrain chegou ao World Tour. Começou na estrada com 17 anos, está a voar aos 23. Depois da Volta ao Algarve, vem a Estrada Bianchi, os Alpes e o sonho dos sonhos: "Nunca imaginei começar já no Giro..."

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Afonso Eulálio experimentou o ciclismo de estrada com 17 anos e “as coisas acabaram por correr bem”. Depois de alguns anos no ciclismo nacional, liderando até durante vários dias a Volta a Portugal em 2024. Nunca ambicionou chegar ao World Tour, mas chegou: em outubro, o ciclista natural da Figueira da Foz foi anunciado como reforço da Bahrain Victorious.

O português, de 23 anos, vai correr na Volta ao Algarve ao lado de Antonio Tiberi e Damiano Caruso e vai fazer o tal trabalho de gregário. Depois, terá o Giro e foi essa novidade que lhe fez acelerar os batimentos do coração. "Nunca imaginei começar já assim no Giro, fazer já uma grande volta. Há tantos ciclistas que passam anos e anos em equipas e não vão a uma grande volta...”

Em entrevista à Renascença na véspera do arranque da Volta ao Algarve, Afonso Eulálio esclarece o seu papel na nova equipa, reflete sobre a diferença entre o ciclismo nacional e o do World Tour e admite que talvez tenha de regressar à Volta a Portugal para resolver assuntos passados.

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Começo por perguntar se vai ser bom reencontrar a tua antiga equipa [ABTF Betão-Feirense] na Volta ao Algarve.
Claro, claro que sim. Acabei por ficar com muitas amizades, passámos muito tempo juntos. E vai ser bom, tanto a minha equipa como muito do pelotão português.

Vires à Volta ao Algarve foi um pedido teu? A equipa Bahrain fez esse encaixe tendo em conta que és português ou acaba por ser um bocadinho um acaso?
Acaba mesmo por ser um acaso. O meu pedido era mais a Figueira Champions Classic, na minha terra, onde eu vivo. Gostava de marcar presença, mas talvez para o ano.

Qual é que vai ser o teu papel na Volta ao Algarve, vai ser de gregário ou algo mais?
Sim, acabamos sempre por ter um corredor que vai lutar pela geral, que é o [Antonio] Tiberi. Depois, temos um corredor com muita experiência, que é o [Damiano] Caruso, que vai estar tanto comigo como o Tiberi nas etapas mais duras e em momentos mais decisivos.

Quanto a mim, penso que me vão dar a liberdade na segunda etapa e, tirando isso, é ajudar o Tiberi. Mesmo tendo a liberdade, claro, pode acabar por acontecer alguma coisa e ter que acabar por não usar essa liberdade, caso seja preciso fazer alguma coisa em relação ao Tiberi.

Como é que tem sido este primeiro mês e meio no World Tour, este primeiro mês e meio oficialmente na Bahrein?
Os meses de novembro e dezembro foram um bocado estranhos. Era tudo muito diferente. Já tínhamos trabalhado há muito tempo. Mas agora estes últimos tempos já me sinto super à vontade. A equipa ajuda bastante nisso e tem sido super tranquilo.

Ainda estiveste aqui uns anos já como profissional em Portugal. Em termos de treino e também de andamento de provas, já estiveste no TDU, no Tour Down Under. Sentes que há uma diferença muito grande do pelotão nacional para o pelotão World Tour?
Não. Em questão de treino, acaba sempre por ser diferente porque mudei de treinador. O que eu sempre digo é que em qualquer corrida que se faça há sempre um nível muito grande. A diferença do World Tour para Portugal é que em Portugal há um nível muito grande nos ciclistas que vão vencer, no redor de 20, 30 ciclistas há um nível mesmo muito forte. Mas no World Tour são 60 e tal ciclistas muito fortes. É a diferença.

Certo.
Mas o nível em Portugal, para ganhar, é extremamente alto. Também é muito difícil. Não é só chegar e ganhar. Muitos ciclistas do World Tour provavelmente não iriam conseguir ganhar em Portugal.

Sentes que há mais jovens em Portugal com um nível eventualmente para fazer o caminho que tu fizeste agora nestes últimos meses e dar o salto do pelotão nacional para o World Tour?
Oh pá [risos]...

Agora apanhei-te!
Sim, é verdade, mas é uma boa pergunta. Acaba sempre por ser também a oportunidade e também a maneira como se corre lá fora. As corridas que fazemos em Portugal são a Figueira e o Algarve, e são corridas impossíveis para os ciclistas portugueses conseguirem bons resultados. Não porque não têm o seu andamento, porque eu próprio as fiz e é impossível andar na frente, pelas questões da colocação.

É impossível conseguir um bom resultado pela colocação. Existem muitas equipas do World Tour e não nos conseguimos colocar, é impossível. Não dá para andarmos na frente.

Hmm, hmm.
Onde é que eu acabei por ter as oportunidades? Na seleção, eram corredores da minha idade e do nível, e nas corridas onde estavam presentes equipas do World Tour, mas não tantas equipas do World Tour como na Figueira e no Algarve. Por exemplo, as corridas que eu fiz em Getxo, nas Astúrias, em Ordizia, estão presentes equipas do World Tour mas não mais de 10. Estão presentes cinco equipas. Faz muita diferença. Com cinco equipas do World Tour já nos conseguimos colocar melhor, porque não há tantos comboios a fechar a estrada de equipas do World Tour.

Porque a colocação é mesmo muito importante no ciclismo. Quando comecei nem tinha essa noção, mas claro que agora sei que colocação é meia corrida.

Ficando para trás no início da subida já não se vai chegar lá à frente, não é?
Impensável. Ou és um Pogacar ou é impensável [risos].

Olhando para a tua única, para já, e primeira corrida da temporada na Austrália no Tour Down Under, quando entraste para a prova esperavas destacar-te tanto? Ou seja, ficar ali no top-15, estavas à espera disso?
Não não, nem de perto. Foi a primeira vez que comecei o ano a andar assim bem. Não sabia como é que ia correr. Nunca tinha começado assim, mesmo o treinador e o diretor, no dia antes, tinham falado comigo e tínhamos tido a reunião sobre a corrida e eu disse que era impossível seguir os ciclistas da frente, que ainda estavam muito longe do meu melhor, que escusavam de acreditar em mim.

...
Mas no dia seguinte, pronto, acabei por chegar no grupo da frente e até atacar na subida. Foi algo que me surpreendeu bastante estar a esse nível. Espero continuar a trabalhar e a melhorar esse nível.

Tens aquela etapa da subida que até atacas e no vídeo dos highlights apareces. O que é que estava na tua cabeça? Chegou ali um momento em que pensaste "se calhar até dá para ganhar"...
Tinha entrado mal colocado na subida. Depois, quando cheguei ao grupo da frente, que aquilo acabou por se partir na subida, quando cheguei foi um momento que hesitaram e pararam e eu acabei por chegar e passar direto. Nem sequer foi um ataque, era o ritmo que eu vinha de trás, foi o ritmo que eu passei e continuei.

Depois sabia que na subida era impensável, que me iam apanhar, mas como também não ia no meu limite acabei por continuar a subida só para não voltarem a parar. Porque se voltassem a parar, voltavam a reentrar ciclistas atrás. Assim fiz a subida toda a um bom ritmo para ser um grupo menor.

Achas que surpreendeste a tua própria equipa com essa primeira grande exibição?
Sim, eles acabaram por ficar muito contentes com a minha prestação. Claro que ainda me falta muita experiência a correr nestas corridas. Tenho a certeza que, se tenho mais experiência, tinha feito top-10 na corrida, mas é algo que tenho que aprender juntamente com eles também. Claro que ficaram contentes. Comecei o ano muito bem, mas ainda estou muito longe do meu melhor. Cá fora trabalha-se muito com os números e eles sabiam que eu estava muito longe e ficaram-me surpreendidos também por isso, por ainda estar tão longe do meu melhor e conseguir estar a disputar já uma corrida.

Quando ganhas a etapa no Grande Prémio JN, anuncias que vais sair para o World Tour, já era um segredo um bocado mal escondido...
[risos]

... Mas eu lembro da expressão que usaste, que ias novamente para ser um gregário, que era essa a tua especialidade, digamos assim. Achas que vai ser mesmo assim ou que, até pela forma como tu atuaste no Tour Down Under, se calhar há chance de a médio prazo seres um chefe de fila na Bahrein?
[risos] Não sei, ainda tenho que aprender muito. É como disse, não só pela parte física mas também pela parte da experiência, ainda tenho muito que aprender. A primeira parte do meu calendário este ano será principalmente em base de gregário e estar sempre em apoio, não um gregário que vai puxar o dia inteiro, mas em fases mais decisivas principalmente.

Certo.
Depois, se em algum dia ou alguma etapa ou alguma corrida me derem oportunidade, vou tentar agarrar ao máximo, mas o principal objectivo será sempre o papel de gregário, pelo menos nesta fase inicial.

Para quem não está tão por dentro do ciclismo pode não conhecer a Bahrein, mas apesar de tudo tem trepadores fortíssimos, não é? Viu-se na Valenciana com o [Santiago] Buitrago, o próprio Pello Bilbao, é uma equipa que tem nomes muito fortes para tu aprenderes também.
Sim, exatamente, e muita experiência. Agora estou com o Tiberi, que o ano passado esteve às portas do pódio no Giro e com o Caruso, que já fez, penso, duas vezes pódio em grandes voltas. São ciclistas que já têm muita experiência. O Tiberi, por acaso, acaba por ter a minha idade, mas tem sido muito bom estar a trabalhar com eles. Em princípio, nesta primeira parte do ano, vou estar sempre com eles, também por isso acabo sempre por ser um bocado mais gregário, porque é impensável disputar corridas quando tenho um Tiberi ou um Caruso na equipa, que são ciclistas muito fortes, já com muita experiência. Mas espero estar com eles, apoiá-los e aprender o máximo possível.

A Startlist, voltando aqui ao tema da Volta ao Algarve, está fortíssima este ano. Temos o [Jonas] Vingegaard, temos o [Wout] van Aert, temos o [Primoz] Roglic, só não há [Tadej] Pogačar e o Remco [Evenepoel], basicamente. Há o João Almeida também. Já fizeste a Volta ao Algarve, obviamente, mas achas que, agora entrando numa equipa do World Tour, mais do que o Tour Down Under, a Volta ao Algarve vai ser um primeiro grande teste para ti?
Sim, acaba por ser uma continuidade. Acaba por não ser muito bom, porque há contra-relógio no último dia, mesmo sendo a parte final uma escalada, ou seja, é algo de que não gosto nada e tenho vindo a trabalhar bastante agora.

Em termos de resto da época, o que é que tens mais no calendário?
Depois do Algarve, vou fazer a Estrada Bianchi, também um pouco porque o meu grande objetivo vai ser o Giro, para estar junto outra vez com o Tiberi e com o Caruso. Em princípio vamos continuar o trabalho para aí e vou fazer a Estrada Bianchi porque uma etapa do Giro acaba por ter também os mesmos setores da Estrada Bianchi.

Certo.
E é mais um pouco também para conhecer. Depois dessa segunda parte, vamos ver melhor o que é que vou fazer. Para agora, vai ser só isso: Algarve, Estrada Bianchi e Giro. Antes do Giro, faço o Tour dos Alpes.

Há aqui alguma possibilidade, depois, de voltares a fazer mais uma grande volta para a frente? Tour ou Vuelta?
Este ano, não. Já chega uma [risos]... Vamos com calma.

Pois, porque vai ser um salto muito diferente, não é? Saltar para uma prova de três semanas... o máximo que fazes é a Volta a Portugal.
Claro. Acabei por ter agora uma primeira parte do ano também muito importante, com muitas corridas. Consoante correr esta parte, logo se vê o que é que vou fazer na segunda parte do ano, mas é impensável voltar a fazer outra grande volta durante este ano.

O Giro vai ser um sonho cumprido? É uma prova que até tem tradição portuguesa nos últimos anos com o João Almeida, tivemos também o Rúben Guerreiro com a camisola de melhor trepador há uns anos.
Sim, exatamente. O mais engraçado é que, no dia antes, tinha dito à minha equipa que era a minha corrida favorita, era o Giro, e no dia a seguir, quando falámos sobre o calendário, quando me apresentam o Giro, foi uma coisa que... [sopra]... pronto, oh pá [risos]. Nunca imaginei começar já assim no Giro, fazer já uma grande volta, há tantos ciclistas que passam anos e anos em equipas e não vão a uma grande volta. E eu entrar já assim no Giro, fico muito contente e é mais uma motivação.

Olhando mais para a frente, estar no Tour de France, todo o mediatismo do Tour de France, é um sonho também ou não tanto quanto o Giro?
Não tanto quanto o Giro, gosto bastante do Giro. O Tour acaba por ser uma corrida que me deixa um bocado com receio, mas daqui a uns anos, quem sabe, não seja uma corrida que passe a gostar de fazer.

Para terminarmos, quais é que são as tuas grandes inspirações no ciclismo?
[risos] Não tenho grandes inspirações, até porque nunca cresci muito no seio do ciclismo, nunca foi algo que ambicionei. Uma coisa simples foi: via muito o Rui Costa, porque foi, quando eu era jovem, campeão do mundo e foi um vídeo que eu vi muitas vezes. Gosto do Rui Costa, mas, tirando isso, não me segui por ninguém. Não sigo nenhum corredor em específico. Não segui muito o ciclismo desde pequeno.

Começaste no ciclismo com que idade?
Com 17 [risos].

Só!?
Só, aos 17 anos.

E até lá fazias o que? Praticavas desporto, ou não?
Fazia desporto e fazia também fazia BTT em casa, mas tudo por diversão, nunca competição mesmo a sério.

Aos 17 é que passaste para a estrada, é isso?
Sim, comecei a experimentar e as coisas acabaram por correr bem. Mas é uma coisa que foi crescendo, nunca ambicionei chegar ao World Tour, claro que depois o gosto continuou a crescer e gosto bastante do que faço agora. Não trocava por nada. Mas não era uma coisa que ambicionava, que tinha na ideia.

Na última Volta a Portugal andaste de amarelo durante a maior parte da prova, como é óbvio já não deves voltar tão cedo a fazer uma Volta. Mas no futuro, mais a longo prazo, é uma coisa que tens por resolver e ganhar a Volta a Portugal?
[risos] A Volta a Portugal passava-me um bocado ao lado, nunca fui a pensar em vencê-la. As coisas acabaram por ser diferentes este ano, acabei por ficar com um carinho especial pela corrida, até pela forma como os portugueses me trataram e acreditaram sempre em mim, ao longo da Volta a Portugal.

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