18 mar, 2025 - 10:00 • Rui Viegas
Fernando Gomes, candidato à presidência do Comité Olímpico de Portugal (COP), assume preocupação com a atual instabilidade política do país, que vai a eleições em maio, tendo em vista a aplicação do apoio extraordinário apresentado, mas ainda não cumprido, pelo Governo da Aliança Democrática.
O Comité Olímpico de Portugal vai a votos esta quarta-feira, com dois candidatos: o antigo secretário de Estado do Desporto Laurentino Dias e o ex-presidente da Federação de Futebol (FPF) Fernando Gomes.
Em entrevista à Renascença, Fernando Gomes diz que Pedro Proença – o seu sucessor na Cidade do Futebol – entra no cargo com as condições criadas para ter sucesso. Já sobre a corrida ao Comité, considera malévolas algumas das palavras de Laurentino Dias.
As eleições no Comité Olímpicos estão marcadas para quarta-feira, na sede do organismo, entre as 17h00 e as 19h00. A tomada de posse está agendada para dia 25 no Centro Cultural de Belém.
Antigo presidente da Federação Portuguesa de Futeb(...)
Como agente desportivo que foi e como agente desportivo que quer continuar a ser, como é que olha para o momento atual do país [eleições] e de que forma é que podem influenciar o trabalho que quer desenvolver a partir daqui?
Todos os fatores de instabilidade e que criam dúvida relativamente a um percurso ou uma instabilidade no relacionamento com as áreas da economia, da indústria e do desporto, naturalmente, são sempre fatores negativos para o que pretendemos, em termos de evolução continuada do desporto e na sua afirmação.
Portanto, obviamente, vemos com preocupação este momento de instabilidade, mais a mais que num quadro de apoio alargado que tinha sido anunciado nos finais do ano passado, pelo atual Governo, que até à data não se concretizou, que são 65 milhões: 50 milhões para o Comité Olímpico e 15 milhões para o Comité Paralímpico. Dada esta incerteza política, também vemos como uma grande preocupação quais serão as consequências para o desporto. A instabilidade política nunca é boa, vemos com muita preocupação que o apoio não seja concretizado.
E no seguimento dessa preocupação, que comportamento junto da tutela é que o senhor pode ter caso seja eleito presidente do COP?
Se formos eleitos, teremos uma atitude construtiva na defesa intransigente dos direitos da organização.
Construtiva pode ser também pressionante?
Obviamente. A partir do momento em que nós defendemos, e temos de defender, os interesses do COP, se a atitude tiver de ser pressionante nesse sentido – musculada, se assim quiser chamar – relativamente a uma promessa que foi feita pelo Governo... O Governo que vier a ser eleito terá de assumir a responsabilidade que um anterior Governo anunciou com pompa e circunstância e que será uma das áreas de atuação do presidente do COP, independentemente da cor política escolhida no próximo ato eleitoral.
Entrando diretamente neste ato eleitoral do COP, liderou a FPF durante mais de uma década. O que é que, aos 73 anos, o mobiliza para avançar para um organismo como o COP?
Há pouco, o Rui referenciou o meu passado enquanto desportista. Com 13 anos de idade, iniciei a prática desportiva do basquetebol como federado. Sempre tive uma envolvência muito grande com o desporto em geral. Entre 1996 e 2000, fui diretor-geral do FC Porto para todas as modalidades que não o futebol. Andebol, bilhar, natação, hóquei... Quando iniciei a minha carreira desportiva no basquetebol, em 1992, inclusivamente liderei a Liga de Clubes de basquetebol, a pedido dos próprios clubes, durante cerca de ano e meio. Depois de ter passado dez anos como dirigente do Conselho de Administração da SAD do FC Porto, saí e assumi a liderança da Liga de Clubes e, depois, da Federação Portuguesa de Futebol.
Dentro disto, nunca fui, nem pouco mais ou menos, indiferente à prática desportiva das mais diversas modalidades. E mesmo na entrada no futebol, em 2011, tivemos o cuidado de, de imediato, englobar o movimento desportivo geral, nacional, na medida em que, antes de eu entrar, tinha havido um alheamento do futebol relativamente ao movimento desportivo.
Das primeiras medidas que tomámos em 2011 foi pedir a nossa readmissão como sócios da Confederação de Desporto de Portugal, na altura liderada pelo Carlos Paulo Cardoso. E também integrar um grupo que tinha sido formado para discutir o desporto em Portugal, na altura com diversas pessoas, diversos presidentes, pessoas ligadas às modalidades. Também estabelecemos, desde a primeira hora, uma relação muito próxima com o professor José Manuel Constantino, aquando da sua primeira eleição.
Ainda sente energia para avançar para uma candidatura?
Se não tivesse perfeita consciência das minhas capacidades profissionais – e já trabalho há 55 anos... A minha candidatura surge do próprio movimento federativo. Foram presidentes de federações que, sabendo das minhas competências e "know-how", me desafiaram a ser candidato ao COP, o que me levou a refletir.
Essa reflexão tem muito a ver com aquilo que eu penso relativamente a três, quatro aspetos importantes. Primeiro, a minha dedicação ao desporto: sou desportista, fui desportista, tenho claramente uma enorme apetência e um gosto tremendo pela atividade desportiva na sua generalidade. Segundo, esse passado na FPF deu-me, de forma acrescida, uma consciência do que é servir Portugal. E, terceiro, a competência que demonstramos.
A nossa capacidade que temos de interagir com quem nos governa, independentemente da cor política, e a nossa capacidade de fazer valer os nossos direitos, levou-me a tomar a decisão de aceitar o repto.
Quais foram as federações que o desafiaram?
Foram o basquetebol, o râguebi, a canoagem e o ténis.
Essas quatro irão concretizar o apoio com o voto nas eleições?
Não só essas quatro. A nossa candidatura foi subscrita por 18 federações olímpicas, nas quais se inclui a FPF.
Neste momento, tem garantia de que Pedro Proença vai votar em si?
As federações podem subscrever mais do que uma candidatura. Se a FPF e o meu sucessor, Pedro Proença, só subscreveu a minha candidatura, por alguma razão foi.
Como vê a crítica de Laurentino Dias sobre o seu "amor repentino" pelo olimpismo?
Já respondi a essa pergunta: não comento o que as pessoas dizem, mais a mais, quando essas frases são ditas num contexto eleitoral e de uma forma malévola e incorreta. O amor existe desde a primeira hora. Das primeiras ações na FPF foi participar ativiamente no movimento de federações, a nossa readmissão na Confederação de Desporto de Portugal e o apoio constante ao professor José Manuel Constantino.
A 12 de novembro de 2021, quando o professor José Manuel Constantino tomou a decisão de não se recandidatar, nós próprio juntámos outras quatro federações e convencemos o professor José Manuel a ser candidato. Se isto é um amor recente? É exatamente o contrário.
Já citou várias vezes o antigo presidente do COP, mas é o seu adversário que reclama o título de candidato da continuidade...
Tive um grande relacionamento de amizade e partilha com o professor José Manuel Constantino. Revejo-me nas suas ideias, na sua forma de estar e, de alguma forma, sobre a continuidade, estamos convencidos que conseguimos seguir o seu caminho.
Entrevista Renascença
Em entrevista à Renascença, o antigo secretário de(...)
Outras das acusações que Laurentino Dias lhe faz é de que recusa debater. Recusa debater?
Aquilo que nós quisemos foi, muito mais que procurar fazer o debate, passar a nossa mensagem, aquilo que nós queríamos para o COP, exatamente a quem interessa, que são as federações olímpicas, não olímpicas e outras entidades, aos atletas, aos treinadores, aos juízes. Portanto, a nossa preocupação foi focarmo-nos no contacto pessoal com cada uma destas entidades.
E, à data de hoje, posso dizer-lhe que, praticamente, contatámos pessoalmente com todas elas. Privilegiámos claramente o contacto direto, digamos assim...
Mas não é necessário também esse confronto de ideias e de propostas com o debate público?
O debate público interessa do ponto de vista do processo eleitoral do COP e, portanto, essas mensagens, as ideias, o nosso programa, tivemos o cuidado de, pessoa a pessoa, entidade a entidade, federação a federação, passar a nossa mensagem relativamente aos nossos objetivos para a liderança do Comité Olímpico de Portugal.
Queria fazer uma pergunta muito objetiva, para uma resposta, eventualmente, sintética. Se for eleito presidente, qual é a sua primeira medida?
Durante os três mandatos na Federação Portuguesa de Futebol, apresentámos um programa que foi cumprido mais de 90% em cada um dos três mandatos.
A primeira medida é reunir com as federações todas, no sentido de consolidar o programa que apresentámos, independentemente de, neste momento, já termos incorporado muito de algumas ideias e sugestões que fomos recolhendo durante este tempo de contacto e auscultação com as federações.
Logo nos primeiros dias de liderança, voltaremos a ouvir as federações, independentemente de votarem em nós ou não, porque no dia 20 de março todas as federações são federações do COP – são federações olímpicas e não olímpicas, pequenas e maiores, mas todas elas são federações – e serão todas tratadas num plano de igualdade.
Depois, é tentar, no imediato, criar aquilo que nós designámos como a rede olímpica, porque um dos aspetos fundamentais, do meu ponto de vista, que o COP tem de assumir e liderar é tentar alargar a prática desportiva e a base de praticantes nas mais diversas modalidades. Onde é que o talento está? Não sabemos se está na Madeira, se está nos Açores, se está no Algarve ou se está em Bragança. Esse alargamento da rede olímpica é um dos aspetos fundamentais das nossas medidas, que têm, como sabe, o atleta como centro das nossas decisões.
O trabalho de um Comité Olímpico não se reduz à montra dos Jogos Olímpicos de quatro em quatro anos. De qualquer maneira, o país continua a fazer essa contabilidade. Como é que podemos mudar a mentalidade das medalhas?
A questão da obtenção de resultados é um processo longo, de imensa preparação. É criar as condições para uma melhor preparação e, como consequência dessa melhor preparação, obtermos melhores resultados. Se essa preparação for mais adequada e for feita de forma mais sistematizada e de um ponto de vista de uma melhor preparação, estaremos a dar passos concretos e objetivos para ter melhores resultados.
E acha que o desempenho olímpico neste momento carece dessa melhoria, desse salto qualitativo?
Acho que é uma evidência. Se ouvirmos os atletas e as federações relativamente a essa necessidade, acho que é uma evidência que existe esse sentimento da generalidade de que há necessidade de uma melhoria, de uma melhor preparação.
Isso explica também que alguns atletas saiam do país e vão ao encontro de espaços de preparação no exterior, de treinadores internacionais?
Temos de olhar concretamente, do ponto de vista de uma preparação, para os equipamentos desportivos existentes e à disposição dos nossos atletas, mas, acima de tudo, para a retaguarda de apoio relativamente ao desenvolvimento desses atletas. E se um ou outro tem essa decisão de procurar em outros países, é porque sente que, internamente, esse apoio não é suficiente para ele procurar as melhores performances. Portanto, teremos de fazer essa análise e corrigir esse tipo de suporte e de apoio.
Sem querer, novamente, entrar na discussão da contabilidade das medalhas, dos pódios e dos lugares de honra. Acha que em Los Angeles, consigo, poderemos já notar um salto qualitativo ao nível de resultados da representação portuguesa?
Isso é uma ideia extremamente redutora. Nós sabemos que quando, em 92, Espanha organizou os Jogos Olímpicos, começou a preparar os Jogos Olímpicos em 1982. Foram dez anos de antecipação. Todos nós sabemos que uns Jogos Olímpicos não se preparam em quatro anos.
Neste caso concreto, em 2028, já nem são quatro, são três. Portanto, todo o trabalho que foi delineado e está a ser desenvolvido está no seu percurso, mas nós temos de olhar para a frente, para 2032 e 2036. Nessa perspetiva, o tempo é muito curto para alterar essa preparação e aparecerem novos valores.
Aquilo a que nós nos comprometemos é criar as condições para que haja uma continuidade de melhoria de resultados ao longo do tempo.
Saiu há muito pouco tempo da FPF. Vai ter saudades do futebol? Já tem saudades do futebol?
Não, porque, como eu já referi há pouco, eu sou, acima de tudo, um amante de desporto. Eu via futebol como via basquetebol, como via Mundiais de voleibol, como assisti às brilhantes exibições da nossa seleção de andebol, ainda recentemente, no Campeonato do Mundo. Vou continuar a assistir às atividades desportivas.
Por outro lado, o futebol vai ter saudades de si?
Eu creio que, acima de tudo, o que tentámos fazer no futebol foi criar as condições de sustentabilidade e de organização para que o resultado desportivo que vai acontecendo não fosse por mero acaso. Portanto, estou convencido, muito sinceramente, que essa organização que conseguimos implementar está criada e, sinceramente, há condições para que Portugal continue na senda do êxito que teve, efetivamente, nos últimos anos.
Então, o seu sucessor terá um trabalho já facilitado?
Tendo em linha de conta aquilo que conseguimos criar e deixar forma sustentada, em termos de projeção de futuro, creio que tem as bases suficientes para desenvolver um trabalho adequado e profícuo.
Se pudesse ter continuado na Federação, o que é que ainda lhe faltaria fazer?
Sinceramente, no período de Covid – até porque estávamos de alguma forma limitados na nossa ação – tivemos o cuidado de delinear um plano estratégico 2030, que está em marcha. Aquilo que faltava fazer é concretizar todas as ideias exploradas nesse plano estratégico que nós apresentámos em 2023.
Uma das lacunas tremendas que o nosso país tem para o desenvolvimento da prática desportiva, é uma realidade, está no plano estratégico, a melhoria e o incremento dos equipamentos desportivos. Mas passa pela elevação da prática, o objetivo de 2030 de atingir 400 mil praticantes, ter 75 mil mulheres a praticar futebol, intervir na escolaridade dos seis aos dez anos da prática desportiva, o que eleva as capacidades das crianças e as prepara melhor para a atividade esportiva, intervir ao nível dos seniores – e tem muito a ver com as questões de saúde, de generalizar a prática desportiva através do walking football. Tudo isso está explanado no plano estratégico, portanto, aquilo que eu poderia dizer é que, se tivesse continuado, pegaria o plano estratégico que está ativo e concretizá-lo-ia.