19 mai, 2025 - 10:50 • Eduardo Soares da Silva
José Manuel Lourenço, presidente do Comité Paralímpico de Portugal (CPP), defende que "seria importante" que fosse criado um Ministério do Desporto, embora reconheça que seja um cenário pouco provável.
Nenhum programa eleitoral prevê a criação de tal ministério, que existiu em apenas uma legislatura, entre 2000 e 2002 num governo liderado por António Guterres (PS).
A oito dias da 3.ª Conferência Bola Branca, com o tema “Novos Ciclos no Desporto”, a Renascença entrevistou o presidente do CPP, que arranca o seu terceiro e último mandato à frente do organismo.
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O comité paralímpico deverá receber cerca de 15 milhões de euros do apoio extraordinário do Governo para o setor do desporto e daí surgirá uma nova sede do comité.
Conferência Bola Branca
Terceira edição vai contar com presidentes de FPF,(...)
Há um novo ciclo no desporto nacional, com novas lideranças no COP, FPF, Liga e muitas outras federações. Tem esperança na nova geração?
Não tenho porque não ter. Sublinho o facto de pensar que a renovação é sempre sinal de evolução, vejo com bastante otimismo.
O que se pode esperar? Pode existir algum umbiguismo no desporto, cada um a pensar apenas em si...
Isso não é um fenómeno exclusivo do desporto, é um fenómeno da nossa sociedade. De facto, em muitas circunstâncias olhamos para o nosso umbigo e esquecemos que à nossa volta existe uma comunidade, existem interesses que se devem privilegiar face ao individualismo. Penso que isso não é um problema do desporto, é um problema da sociedade, cultural acima de tudo, que nós teimamos em não querer vencer.
Não vê esse espírito também no desporto?
Se eu identifico esse problema na sociedade é natural que ele também exista no desporto, mas não é um problema exclusivo do desporto, de certeza absoluta. Pelo contrário, em muitas circunstâncias é graça ao espírito de não olhar exclusivamente para o umbigo, que continua a existir dirigismo absolutamente voluntário, capacidade de participar na atividade desportiva e de pensar no desenvolvimento da atividade também em prol da própria sociedade.
Diria que, reconhecendo que pode haver também esse fenómeno no desporto, se calhar até pode ser um exemplo que pode demonstrar que não devemos pensar apenas em nós, mas pensar no todo.
Defendeu a fusão do Comité Olímpico e Paralímpico. Lá fora, é um modelo comum?
Não, isso ainda é algo que está para se construir mesmo a nível internacional. Já existem bons exemplos, por exemplo, o Comité Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos da América, que resulta de uma fusão das duas instituições que existiam antigamente. Há o exemplo da Noruega, da Holanda e outros casos que estão neste momento a ser trabalhados, como julgo saber ser o caso de um país de língua portuguesa que é Cabo Verde.
Isto ainda é um caminho que ainda tem de ser percorrido. Não é uma coisa que eu tenha defendido apenas no dia da minha tomada de posse, curiosamente disse exatamente as mesmas palavras na tomada de posse em 2022. É algo que defendo há muitos anos, que acho que se deve trabalhar no sentido primeiro da convergência, no sentido de haver a colaboração entre as diversas entidades e, depois, tenho esta convicção que existem muitas vantagens em se pensar numa instituição em se pensar numa instituição só.
Certo.
Agora, sei que há um caminho para percorrer e não será, com certeza, neste meu mandato que o atual paradigma vai mudar. É importante que se vá refletindo e se vá pensando sobre este assunto, na minha opinião.
Atual presidente era candidato único às eleições q(...)
Quais são as vantagens de se unir os dois comités?
Até podem ser económicas. Com certeza que os custos de estrutura serão menores, por exemplo, aponto logo esta. Depois, quando falamos que os programas olímpicos, paralímpicos e surdolímpicos devem ser o mais convergentes possível, se isto estiver tudo na mesma entidade, com certeza que haverá essa concretização. Será mais fácil, não é? Portanto, eu vejo vantagens nisso.
Fundamentalmente, não pode apenas haver aqui uma visão economicista, porque isso é redutor, terá que haver, acima de tudo, uma visão da defesa dos atletas. E quando eu estou a dizer dos atletas, é de todos: da dimensão olímpica, da dimensão paralímpica, da dimensão surdolímpica, até de outras dimensões, numa perspetiva de equidade, que eu penso que é que é o fundamental. Que não exista uma área que, eventualmente, anule a outra. O objetivo é que se possam criar condições para todas as dimensões desportivas.
Porquê é que diz que não será no seu mandato? Pelo que diz, poupar-se-ia dinheiro e promover-se-ia a equidade e igualdade entre atletas…
Como imagina, não é uma coisa que se faz de um dia para o outro. Há bocado falei de um problema cultural, também aqui há que evoluir ao nível do pensamento das federações de modalidade. A nível dos dirigentes, é preciso fazer um trabalho de esclarecimento do que é que significa o desporto para pessoas com deficiência, concretamente, o desporto paralímpico e surdolímpico.
Continuo a pensar que esta solução fará sentido, mas acho que é importante que haja também uma evolução ao nível do dirigismo e que muitos, infelizmente ainda hoje, veem o desporto paralímpico e o surdolímpico como desporto para todos. E eu recuso-me a pensar que o desporto paralímpico, ao nível do alto rendimento, seja desporto para todos, é alto rendimento. Há um trabalho a fazer de informação e esclarecimento, junto das mais diversas entidades, entre as quais federações e clubes. Mas também sinto-me obrigado a dizer que evoluímos muito nos últimos anos, desde que o Comité Paralímpico foi fundado há 16 anos.
Imagino que tenha debatido a ideia com José Manuel Constantino. E com o Fernando Gomes, já lhe apresentou esta proposta?
Não, não. Eu com o Dr. Fernando Gomes ainda nunca falei sobre este assunto, mas é um tema que podemos e deveremos falar um dia, com certeza. Com o Dr. José Manuel Constantino cheguei a abordar este assunto, mas é óbvio que não vou agora particularizar o que é que falei com ele. O Dr. José Manuel Constantino já não está entre nós e eu devo esse respeito de não partilhar as conversas que tive com ele.
Como é que se pode trazer mais jovens e mais pessoas com deficiência para praticar desporto? Como é que é possível materializar esse objetivo?
Essa é a pergunta que já não é de um milhão, é de mil milhões. É muito difícil, é a grande dificuldade que temos tido. Eu não tenho uma razão, não consigo identificar-lhe uma razão e eventualmente haverá várias circunstâncias que concorrem para este fenómeno. Se os jovens do desporto que não têm qualquer tipo de deficiência hoje em dia têm novos desafios que concorrem com o desporto, porque é que os jovens com deficiência não vão ter as mesmas motivações?
Hmm.
Acho que há muitos jovens com deficiência que provavelmente nunca tiveram acesso a uma experiência desportiva e isso não lhes permite identificar que o desporto os pode ajudar e lhes aumenta a qualidade de vida. É um problema que passa em muitos casos pela família. É importante que as famílias dos jovens com deficiência compreendam que a prática desportiva nos jovens que não têm contraindicação médica, aumenta-lhes a qualidade de vida e aumenta a qualidade de vida também das famílias, porque eles ganham mais autonomia, são mais felizes, têm melhores notas na escola. É importante que as famílias não estigmatizem as crianças e os jovens com deficiência.
O Comité Paralímpico precisa de mais verbas? Até eventualmente para apostar nesta sensibilização junto das escolas, de instituições, eventualmente ajudar clubes também?
No sentido da informação, de criar instrumentos de divulgação, sim, nós não temos tido acesso a essas verbas. Também é verdade que nós, até à data de hoje, nunca apresentámos à administração pública um projeto concreto de divulgação de informação. Não quero estar aqui a dizer uma coisa e depois amanhã vir um dirigente da administração pública dizer-me que nunca apresentei qualquer projeto. É um facto.
Temos feito, nas nossas ações, nas nossas intervenções, nos dias paralímpicos, em muitas situações, mas uma campanha nacional de apelo à promoção da prática desportiva é algo que ficará muito caro e esse projeto em concreto nós nunca o apresentámos. Tencionamos fazer, mas até à data de hoje nunca fizemos, e terá necessariamente de ser feito.
Em que ponto é que está a aplicação do apoio extraordinário que o Governo apresentou nos últimos meses de mais de 50 milhões de euros?
Temos trabalhado, junto do IPDJ e também com a secretaria de Estado do Desporto na criação de regulamentos que permitam o acesso a essas verbas. Temos um conhecimento formal que já houve o visto do Tribunal de Contas relativamente à viabilização das verbas e temos a expectativa que dentro de dias sejam disponibilizadas para o Comité Paralímpico.
E quanto está atribuído ao Comitê Paralímpico?
Perto de 15 milhões e 300 mil euros.
O presidente do Comité Paralímpico de Portugal, qu(...)
Que impacto terá?
Cinco milhões destas verbas são para construir um edifício para alojar os serviços do Comité Paralímpico e também para ter um centro de investigação e inovação do desporto paralímpico. Acreditamos vai ajudar muito também na divulgação e no desenvolvimento do desporto paralímpico, acredito mesmo nisto. Depois sobram dez milhões e esses dez milhões são para diversos projetos: há a possibilidade de apoiar até 400 projetos de apoio ao desenvolvimento desportivo.
Se calhar temos aí uma possibilidade também de algum tipo de divulgação de informação. Ainda é um trabalho que nós vamos ter que fazer em conjunto com o IPDJ e com a Secretaria de Estado do Desporto. Hoje mesmo eu tive uma reunião com o presidente do Comité Olímpico e com o presidente do IPDJ e estivemos a analisar esta questão deste contrato-programa. Estou muito otimista relativamente à evolução deste projeto que eu creio que vai ter impacto no desporto.
O que é que espera do novo Governo, tendo em conta que este último teve este apoio tão significativo para o desporto?
Muito sinceramente, espero que o agente político, digamos assim, que tiver a tutela seja uma pessoa conhecedora do desporto. Se não for, pelo menos que conheça o desporto. Parece-nos uma vantagem, até pela experiência que tivemos aqui com o atual secretário de Estado, porque é uma pessoa que não teve necessidade de aprender o que é o desporto.
Quanto ao resto, o que eu espero é que, seja quem for o governo, o desporto não se mantenha o parente pobre da sociedade e que quando o governo eventualmente atribuir mais alguma verba ao desporto, não venham alguns setores da sociedade reclamar. Isso não é dito quando vai mais dinheiro para a cultura, antes pelo contrário, a sociedade aceita que mais dinheiro para a cultura é um investimento e é um bem muito positivo. Também tem que ser assim relativamente ao desporto, que haja esse entendimento e que a sociedade entenda que com o desporto não há um gasto, há um investimento, que também é um investimento na saúde, por exemplo.
Nesse sentido, acha que deveria existir um Ministério do Desporto? Nenhum dos programas eleitorais tem essa proposta, mas perante o impacto do desporto no país, merecia um ministério próprio?
Penso que os problemas do desporto não começam e acabam na falta de um ministério, mas, de facto, um ministro está no Conselho de Ministros e que esteja apenas preocupado com a tutela do desporto, penso que isso pode acrescentar.
Nós podemos ter um secretário de Estado, desde que lhe seja reconhecido o poder de influenciar as políticas. Não é determinante, mas era importante que houvesse um Ministério do Desporto. Mas não creio. Aliás, na nossa história, que eu me recorde, tivemos apenas uma vez, isto penso que quer dizer qualquer coisa.
Mudando de assunto, o Luís Costa foi suspenso por dois anos, ficou-se a conhecer a decisão final de um medalhado dos últimos Jogos Paralímpicos. Qual é a sua reação?
Eu não tenho muito a dizer, já falei sobre esse assunto. Acho que quando os atletas não cumprem aquilo que está estabelecido, as regras estão estabelecidas, existem penalidades previstas e o que tem de se fazer é aplicar as regras. No que diz respeito ao doping, não posso ser mais claro: é condenar de uma forma absolutamente veemente tudo aquilo que tem a ver com a batota desportiva. Não podemos aceitar de forma nenhuma e sermos tolerantes com a falta de fair play.
O Luís continua a referir que o produto terá vindo num suplemento alimentar, não conheço o processo, nem tenho de conhecer, mas penso que essa argumentação terá acolhido, pelo menos em parte, junto da UCI e é por essa razão que o castigo fica um bocadinho aquém do que seria expectável para este tipo de situações.
Para terminarmos, o que é que sonha para o movimento paralímpico e para o comité a longo prazo?
O melhor cenário é chegarmos à conclusão de que já não existem jovens no sofá e que estes jovens, aqueles que podem, estão todos a praticar desporto. Não conheço um jovem com deficiência que pratique desporto que não tenha um sorriso feliz, e normalmente o sorriso feliz contagia e contagia também dentro da família. O que mais me empenha é o tentar trazer mais jovens com deficiência à prática desportiva. E isso não significa ter campeões no sentido da medalha, mas podem ser campeões no sentido da atividade física, no sentido de não estarem num sofá a olhar para o nada, isso não é saudável.
É o nosso dever enquanto cidadãos tentarmos melhorar a qualidade de vida destes jovens, isso não deve ser apenas uma responsabilidade minha, apenas uma responsabilidade do Comité Paralímpico, das federações, mas sim da sociedade, até porque estes jovens com certeza que podem tornar-se, também através da prática desportiva, num ativo para o país, em termos de produtividade, por exemplo, na empregabilidade. Dessa forma também o mundo que nos rodeia fica melhor.