21 mai, 2025 - 12:10 • Eduardo Soares da Silva
Rui Lança, diretor desportivo do saudita Al-Ittihad e autor de um livro sobre lideranças no desporto, lamenta que, em Portugal, não exista planeamento a longo prazo, quer nos clubes quer nas organizações que gerem as competições.
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A uma semana da Terceira Conferência Bola Branca, com o tema “Novos Ciclos no Desporto”, a Renascença entrevistou o autor do livro "O Lado Invisível das Organizações Vencedoras". Lança enumera os problemas no desporto nacional e como as novas lideranças podem superá-los.
Há novas lideranças na Liga, na Federação Portuguesa de Futebol, no Comité Olímpico e até nos clubes. É uma oportunidade para que o desporto português mude e cresça?
Sim, é. Até pelo perfil de cada um dos dirigentes, mas depende dos objetivos que cada um tem. O facto de serem novos não chega para mudar. Costuma-se dizer que a cultura organizacional tem muito mais peso que uma nova liderança, que pode ser muito importante se quiser instituir mudanças. Nota-se em algumas organizações que isso é visível e, talvez, estejam a colher frutos disso. Noutras será mais complexo e não estando dentro, é difícil saber se são decisões, intenções ou constrangimentos.
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Quais considera que são os problemas estruturais do desporto em Portugal?
O maior problema é sermos monomodal, o que vem com grandes desafios para as outras modalidades e também para o futebol: toda a gente quer trabalhar no futebol porque se considera que é fácil entrar, move-se muito mediatismo e muitos milhões.
Vejo como uma pizza com diferentes fatias. Cada uma é um problema e todos estão interligados: temos o perfil dos dirigentes, a cultura de pouco planeamento, a antecipação das receitas, adiamento de soluções, falta de infraestruturas, os direitos centralizados das televisões, as novas gerações gostarem mais de atletas do que seguirem clubes, jovens seguirem clubes estrangeiros e não portugueses.
Certo.
Tudo isto já está a criar problemas no dia a dia, que vão sendo empurrados com a barriga porque alguns clubes conseguem não só gerar muitas receitas para eles próprios como, de forma secundária, para clubes mais pequenos. Terá de existir uma resposta rápida pela Liga, pelo IPDJ, pela FPF, pelo COP porque, tal como está, não é viável a continuidade de muitas práticas de hoje em dia.
Parece-lhe que existe dificuldade na Liga de Clubes em contrariar esse "umbiguismo" que existe nos clubes?
Creio que isso é verdade, mas é o espelho da sociedade portuguesa de pensarmos mais em nós e, depois, se der, decido se ajudo o outro ou não. O que se vê hoje em dia na Liga é o que se vê num convívio normal em grupos de qualquer indústria. Não acho que seja um fenómeno do futebol. A Liga tem um problema grande - herdado de muitas gerações - que é estar centrado em três grandes clubes, marcas, que reúnem mais de 90% dos adeptos em Portugal.
Tudo isso gera, em si, investimentos e despesas que são cada vez mais difíceis de contornar. A Liga terá de tomar decisões complexas, que é fruto de uma liderança muito portuguesa, que é estar sempre a adiar problemas que têm de ser resolvidos, a bem ou mal.
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Do que conhece no estrangeiro, as Ligas pensam de outra forma? Há mais uma forma coletiva e a longo prazo?
Não sei se nas Ligas, em si, há uma visão coletiva, há é a capacidade de, quem gere, tomar as decisões mais difíceis. Quer nas maiores, como nas que supostamente estão atrás, como Bélgica e Países Baixos. É engraçado perceber que, para o público alemão, as competições internas são mais importantes do que as externas. A média de adeptos no estádio e pavilhão são maiores em competições internas.
No basquetebol ou andebol, os clubes têm dois pavilhões e usam o maior para as competições internas. Cada contexto tem as suas características, não é dizer que lá fora é tudo melhor do que em Portugal, mas no que diz respeito a tomar decisões que não agradam a todos, Portugal tem adiado muitas decisões que terão de ser tomadas a mal.
E quais são essas decisões?
A redução do número de clubes na I Liga, a colocação da disciplina de Educação Física não podemos empurrar de partido para partido. O desporto escolar pode ser a solução dos problemas de muitas modalidades. Somos muitos exigentes com os treinadores, os árbitros passam por uma série de áreas de formação, mas não temos critério no dirigismo. Não digo que tem de vir da área A, B ou C, mas há áreas que é preciso dominar, ou temos pessoas sem conhecimento com grande poder de decisão e pessoas com muitos conhecimentos na base.
Isso pode levar ao desaparecimento de clubes, ainda no outro se falava de um conjunto de históricos que hoje estão em divisões secundárias. Se calhar, não estão mais porque em determinado contextos não se teve coragem de tomar decisões com certos clubes. Há também um problema cultural de sermos fracos com os fortes e fortes com os fracos.
O investimento externo que é algo descontrolado em Portugal é também arriscado?
É arriscado, mas também é em Espanha e noutros países, se calhar o filtro de quem entra não é feito como deve ser. Depois, por uns metemos todos no mesmo saco. Há grupos com muita estratégica, mas há outros fundos que abordam clubes mais frágeis para utilizarem os clubes para outros fins. Um clube necessitado não vai ter capacidade de dizer que não a quem "lhe vai dar de comer". Não faltará muito tempo, embora seja difícil encaixar para um portista, benfiquista e sportinguista, para os grandes também terem de abrir porta ao investimento estrangeiro. A questão é que tipo de fundo vai entrar.
A centralização dos direitos televisivos é uma oportunidade que o desporto português não pode perder? Parece que os grandes já não se mostraram muito interessados em abdicar de um pouco da sua fatia do bolo para aumentar a competitividade.
Diria que é uma boa oportunidade porque há um conjunto de boas práticas lá fora e que dão bom resultado e que devemos seguir. Relaciono com a pergunta das novas lideranças: depende tudo do propósito dessas novas lideranças. Centralização será positiva se encararmos como uma forma de tornar a Liga mais competitiva internamente e a médio e longo prazo, termos os clubes grandes mais preparados para jogar lá fora. É uma visão a médio e longo prazo, mas normalmente quem está à frente das organizações em Portugal tem uma visão mais a curto prazo porque a avaliação é feita no momento.
A idealização de uma visão a quatro, oito ou dez anos é muito pouco comum. É difícil encontrar dirigentes com essa visão porque sem resultados no imediato, mais facilmente são logo crucificados. Se um presidente da FPF ou Liga falar de um objetivo daqui a 10 ou 12 anos e não conseguir o que é alcançável nos primeiros anos, é destruído. Em Portugal, ninguém quer saber de objetivos a médio e longo prazo.
Está na Arábia Saudita, que tem recebido muito investimento nos últimos anos. Sente que está à frente de Portugal já?
Eles abriram as portas à profissionalização e às boas práticas, mas a grande desvantagem é que querem resultados imediatos, daí o investimento em jogadores e treinadores mais mediáticos. Há um trabalho a ser feito na retaguarda na construção de instalações, dar importância aos outros desportos, a Educação Física como prioridade nas escolas. A organização dos Jogos Olímpicos finalizará o objetivo a médio e longo prazo, creio. As outras modalidades estão mais atrasadas do que o futebol porque foram abertas praticamente na altura da pandemia. O que há muito é uma visão, um desejo e uma capacidade financeira que pode tornar os objetivos concretizáveis.
O país é criticado pelo objetivo do investimento, o "sportswashing". Não só na Arábia Saudita, mas já está espalhado um pouco por todo o lado. Como reage a isso?
Aqui, o grande investimento no futebol tem um grande objetivo, que é a colocação da Arábia Saudita nas rotas do turismo. É criar momentos em que sintam vontade de viver ou vir cá: a Fórmula 1, Jogos Olímpicos de Inverno, Supertaça de Itália, Espanha, o golf, etc. Consideram que a melhor estratégia para que alguém de Portugal venha cá passar uma semana é realizar grandes eventos desportivos.
Eu não sinto, e não digo por estar cá, que o desporto seja uma forma de ludibriar algum problema. O país tem a Educação Física como prioridade, acho que dificilmente o país estará em 2036-2040 para disputar medalhas nos Jogos Olímpicos, o tempo dirá. Eles querem uma grande transformação rapidamente.
O Rui escreveu um livro sobre o que diferencia as grandes organizações desportivas. Se tivesse de destacar uma, qual seria?
Dentro de quem entrevistei, destacaria o Luís Campos, que tem um trabalho muito engraçado no PSG. Eram alvos de muitas críticas por investir em estrelas e não obter resultados e em dois anos mudaram isso para atletas de coletivo e estão perto de vencer a sua primeira Liga dos Campeões. No Liverpool também conversei com o Pedro Marques, que passou também pelo Manchester City, Benfica e Sporting, sobre a gestão de um clube como o Liverpool. Têm o objetivo de ter outros clubes sob a sua orientação e todos os cuidados que tinham até escolherem os clubes. É muito interessante para diminuir os choques culturais.
Falei também com o Lionel Scaloni e achei muito interessante a forma como ele explica o seu dia a dia na gestão de tantas estrelas que já venceram tudo e, mesmo assim, cria o apetite para que todos tenham muita vontade nos jogos da seleção argentina.