Walking Football

Aos 93 anos, Benjamim ainda faz reviengas no walking football. "Dá-me vida e atitude"

13 jun, 2025 - 18:52 • Redação

Benjamim sentiu-se "um bocadinho só" após a morte da esposa e encontrou na universidade e no desporto algo que o mantém ativo. Duas horas acima de São Pedro do Sul, os atletas do Clube Desportivo das Aves fazem amigos a jogar futebol a passo.

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Walking football. Os atletas do CD Aves fazem amigos a jogar futebol a passo
Walking football. Os atletas do CD Aves fazem amigos a jogar futebol a passo

A premissa é dar vida, através do desporto, a quem já vai numa viagem com mais de meio século. O walking football é uma modalidade que está, atualmente, a ganhar cada vez mais atletas. Com regras diferentes do futebol que todos conhecem, a novidade atrai pessoas com idades a partir dos 50 anos.

Benjamim Ferreira tem 93 anos, vive em São Pedro do Sul e faz tudo: ginástica às segundas, hidroginástica às terças e pilates e tuna às quartas. O walking football surgiu para ocupar as quintas-feiras.

Viveu com a companheira durante 70 anos, quase a vida inteira. Trabalhou sempre na área comercial e toda a vida lidou com pessoas. Com o falecimento da esposa no ano passado e os três filhos no ativo, viu-se “um bocadinho só” e encontrou na universidade e no desporto algo que o mantém ativo.

Além da atividade física, uma das coisas de que mais gosta é conduzir e é assim que se dirige para os treinos. Não teve tempo, em jovem, para viver o “entusiasmo da bola”, uma vez que definiu como prioridade o trabalho para ter um lar, formar os filhos e deixá-los com estabilidade.

Atualmente, Benjamim partilha que não deixa nada por fazer e que o objetivo é aproveitar o que a vida tem para dar: “Faço gosto daquilo que eu não pude fazer quando tinha os meus 17 ou 18 anos. E é isso que me leva... E que me dá vida, me dá atitude.”

Após esta conversa com Benjamim, a vontade de saber mais sobre a modalidade inspirou uma ida da Renascença até Vila das Aves, para conversar com mais praticantes da modalidade e conhecer a realidade de quem tem no seu dia a dia o walking football.

Os atletas chegam antes da hora prevista para o treino do Clube Desportivo das Aves. Em convívio à porta do recinto, a energia enche de calor o pavilhão frio num dia chuvoso.

Começam a entrar: uns, já prontos para aquecer, começam a dar voltas a passo ao campo. Outros, com casacos vestidos que prontamente colocam nas cadeiras e se juntam aos colegas. O pavilhão está cada vez mais repleto de espírito jovem e vontade de treinar.

António Couto tem 72 anos, é dos primeiros a chegar e alinhou desde início em fazer parte da equipa: “Eu não podia deixar de aparecer logo, gosto de jogar futebol e esta é uma modalidade que, para a nossa idade, até dá. Não é preciso correr muito, divertes-te com os colegas e isso é muito agradável.”

Refere, ainda, que o desporto o faz viver de forma diferente e que o ajuda a passar melhor a rotina do dia a dia. O que mais gosta nos treinos é de conviver com os colegas de equipa, momentos que marca como inesquecíveis.

“O que é que mais gosto? São as pessoas. Estamos uns com os outros, brincamos um bocadinho, às vezes damos umas risadas e isto é o que mais gosto”, diz.

Chega o treinador. Apita. Todos se aproximam para o ouvir atentamente. Dá início ao treino com exercícios de aquecimento. Entre sorrisos e “abanares” de braços, como forma de espalhar o frio, todos alinham numa fila e cumprem com as indicações.

Alguns já trazem consigo experiência, como é o caso de Armindo Ribeiro. Tem 77 anos, pratica ginástica e foi jogador do Aves quando era mais jovem. Voltou ao clube do coração para jogar walking football. Tal como os colegas, o que mais destaca é o “convívio que a gente tem, seja aqui nos treinos, seja por onde a gente tem passado".

"Somos muito bem recebidos e convivemos com pessoas da nossa idade”, realça.

Diz-se muito competitivo nos jogos que ocorrem mensalmente, por norma, aos sábados. Sente-se bem em campo com os colegas e o convívio é o principal, daí tentar cada vez mais atrair pessoas para a equipa: “Já trouxe aqui várias pessoas, vários amigos. Tenho dois ou três que ficaram, mas alguns vão-se embora, não gostam. Eu gosto!”

Outros chegam com vontade de viver e de se desafiar, ainda que sem muita tradição no mundo futebolístico. Joaquina, com 72 anos, não tinha grande experiência a jogar futebol. Mesmo assim, aceitou de imediato o desafio.

Em entrevista a Bola Branca, confidencia que, com oito anos, jogava no lugar onde morava: “Havia assim uma canalha da minha idade, e às vezes, eu na brincadeira com elas, com os rapazes, também comecei a dar uns chutos ricos, mas estava mais de guarda-redes, que não compreendia nada.”

Contudo, conta que, naquela altura, era um “escândalo” uma rapariga jogar futebol.

“Durante anos e anos, vi o futebol. Interessava-me um bocadinho, mas longe de pensar que um dia, justamente, ia entrar numa equipa para jogar”, confessa.

Também Maria Júlia, com 81 anos, afirma nunca ter ligado ao futebol. Descobriu o walking football através da Universidade Sénior e, agora, não falha um treino do que afirma ser a alegria do seu dia.

“Gosto de falar com as pessoas e gosto de chutar a bola. Faz-me bem à cabeça, distrai-me, e o convívio faz-me bem”, assinala.

Entre histórias de vida marcadas pelo aparecimento da modalidade e dias mais felizes com o convívio vivido entre treinos, o walking football deixa marca na vida dos atletas.

Armando Duarte tem 84 anos e reformou-se cedo por invalidez devido a problemas respiratórios. Mas isso não o impediu de continuar ativo: frequenta a Universidade Sénior, é sócio fundador da Associação de Reformados de Vila das Aves, onde integrava o grupo coral e conta que, com tudo isto, “já tinha um tempinho bastante ocupado”.

Porém, em conversa com a Renascença, confidencia que, mal surgiu o convite por parte do CD Aves para experimentar o walking football, não hesitou e veio “prontamente”.

“Jogávamos futebol de rua, na nossa universidade, mas agora estamos aqui contentes, o pessoal é todo cinco estrelas e vamos fazendo amigos.”

Com uma arritmia no coração, olha para a modalidade como uma solução: “Desde que comecei a vir, com os exercícios, ela desapareceu. Para subir uma rampa, subo com facilidade, melhorou muito a saúde.”

Jogava futebol em miúdo e deixou aos 15 anos quando foi trabalhar. Com a paixão pelos “chutos na bola” desde sempre, voltou a jogar quase sete décadas depois. Admite que a parte favorita dos treinos é a “camaradagem”.

Para o treinador Zé Pedro, o sentimento é de gratidão a cada treino. Realça o amor dos atletas à camisola que vestem e a importância da parte social.

“Eles dão-se muito bem, a parte das brincadeiras, é sempre muito importante num clube e eu acho que é isso que é o mais importante no walking football, que é trabalho social entre eles e depois divertirem-se e ganhos físicos, principalmente”, destaca.

Assume que nem sempre é fácil devido às diferentes capacidades dentro da equipa, mas definiu um objetivo no início da época e é essa a mensagem que passa: “Que eles sejam melhores a cada jogo que passa, a cada treino. Eu tive um treinador meu, antigo, que dizia 'melhor que ontem e pior que amanhã', e eu faço minhas as palavras dele.”

Com o mote bem definido e a mensagem transmitida, os atletas mostram que a idade e a vontade de viver caminham lado a lado, e que todos os dias o objetivo é ser melhor.

O que difere o walking football do futebol?

O walking football é um jogo disputado num campo com as dimensões 40x20 metros (tamanho de um campo de futsal). Não é permitido correr e cada equipa tem cinco jogadores, em que nenhum assume a posição de guarda-redes.

Os jogadores não podem dar mais de três toques consecutivos na bola e esta não pode subir mais do que cerca de um metro, a altura da cintura.

As balizas têm três metros de largura por um de altura e só é golo quando obtido dentro da área de penálti.

Quando surgiu e como são os treinos no Aves?

No Clube Desportivo das Aves, a modalidade surgiu no início desta época, em setembro.

O clube dirigiu-se à Universidade Sénior e os atletas curiosos foram muitos. Intrínseco desde logo que os assíduos da universidade já tinham predisposição para estar ativos, o “sim” foi imediato.

“[A ideia essencial é] tirar as pessoas com uma certa idade do sofá, recuso-me a dizer que são velhos”, afirma Fernando Barros, diretor e coordenador da modalidade no Aves. Assinala, ainda, que além da partilha no futebol, os treinos são tempo para convívio entre “família”, sempre com fair-play e respeito.

Os treinos fazem parte da rotina destas pessoas, duas vezes por semana. O Aves tem o pavilhão livre e inteiramente dedicado ao walking football às terças e sextas, das 11h00 ao meio-dia.

Fernando Barros conta que esta restrição de horários condiciona a vinda de mais gente para a modalidade. Na faixa etária compreendida, apesar de muitos reformados, ainda há pessoas a trabalhar.

“Se nós pudéssemos treinar à noite, ainda éramos capazes de ter mais gente. Porque há muita gente com 55 anos que trabalha, como é óbvio, e como nós só podemos treinar de manhã, essas pessoas estão ocupadas”, atesta.

Porém, também afirma que, desde o início, em setembro de 2024, “a recetividade foi boa” e está confiante de que cada vez a adesão será maior.

A pressa de recuperar quando ocorrem lesões

Quem está em terreno de jogo também se arrisca a lesões e é aqui que entra a auxiliar de fisioterapia Daniela Mouta, uma presença que se torna indispensável nos treinos.

“São pessoas para cima dos 50 anos, normalmente até para cima dos 60, ou seja, pessoas que já normalmente não praticam quase atividades nenhumas”, afirma.

Contudo, apesar das limitações, Daniela defende a prática desportiva para todos, “além do desporto em si, que fazem sempre, é também uma distração, e aqui acabam por ter um misto: a saúde é sempre importante e o desporto, como toda a gente sabe, ajuda nesse fator”.

O desporto traz saúde, mas as lesões também fazem parte. Daniela Mouta conta à Renascença que, nestas idades, o tempo de recuperação tende a ser maior. A vontade dos atletas de estarem ativos nem sempre os deixa ter a paciência necessária para esperar.

Para eles tem de ser tudo para amanhã. Tem de estar tudo pronto para amanhã e, depois, ‘amanhã eu já jogo e depois já treino e já quero’. Nesse sentido, parecem miúdos de 20 anos”, atesta a auxiliar de fisioterapia.

A ansiedade de voltar é visto como algo positivo e como sinónimo do empenho e compromisso de todos os que integram o walking football no seu dia a dia.

Para estes atletas, o avanço da idade é diretamente proporcional à energia e vontade de viver. A idade não os impede de aprender e viver experiências novas. Num ambiente onde o respeito, o fair-play e a camaradagem imperam, cada treino é uma forma de os tirar do sofá e de lhes dar um sentimento de vitalidade, propósito e pertença.

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