Mariana Cabral: "Sporting podia ser muito melhor, mas em Portugal acham que te fazem um favor por ter equipa feminina"

13 jun, 2025 - 15:30 • Inês Braga Sampaio

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[Veja o vídeo para a entrevista na íntegra. Ouça o audio para a versão editada, de 31 minutos]

Mariana Cabral recorda os tempos de Sporting com um sorriso nostálgico e um suspiro de frustração. Por um lado, orgulha-se do que fez e de como a equipa jogava, e recorda-se com carinho das pessoas. Por outro, sente ainda o peso de lutar todos os dias por algo em que, a pouco e pouco, deixou de acreditar.

Eu gostei muito do meu tempo no Sporting. De tudo: das jogadoras, das pessoas... Mas também foi um tempo muito difícil”, confessa a treinadora, agora adjunta no Utah Royals, da NWSL, a Liga dos Estados Unidos, em entrevista ao “Olhá Bola, Maria”, o podcast de futebol feminino da Renascença.

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Mariana Cabral começou nas camadas mais jovens do Sporting e por aí fora continuou a subir, passando pelas subs-19 e pela equipa B, até assumir o comando técnico da formação principal na época 2021/22. Deixou o clube a meio da temporada que agora termina, ao fim de três anos e meio, que lembra pelo bom e pelo mau.

"O Sporting podia ser muito melhor do que aquilo que é, só que há um problema grande em Portugal: as pessoas acham que nos estão a fazer um favor por terem uma equipa feminina", aponta.

A treinadora estabelece a comparação com os Estados Unidos, onde "o futebol feminino é um negócio" e as equipas "valem centenas de milhões". Já em Portugal, "quase que nos obrigam a estar gratas por ter uma equipa".

"Eu percebo que há pessoas que não se importam, mas eu não sou assim. Fazia-me muita confusão. E também foi por isso que acabei por me demitir, porque senti que não tinha mais vontade de dar a cara por algo em que já não acreditava", explica.

"A liga portuguesa precisa de ser profissional"

Foi um "balanço muito difícil" para Mariana Cabral, dividida entre o orgulho na equipa que construíra — "a forma como as jogadoras faziam as coisas era mesmo muito boa" — e o cansaço de lutar e ficar à espera de uma mudança que tardava em acontecer: "Queres que as coisas mudem, acreditas que há coisas que vão mudar e que vão melhorar. Mas se todos os anos, todos os meses, te dizem, 'olha não', 'sim, no futuro', 'no futuro, no futuro', e depois as coisas não mudam, é cansativo."

Bola Branca recorda o caso de Joana Martins, em agosto de 2024. A média tinha fraturado a clavícula e, uma semana depois, ainda não fora operada — e a cirurgia só aconteceria uma segunda semana mais tarde, ou seja, ficaria "duas semanas com dores". Algo "preocupante", denunciou, então, Mariana Cabral, em conferência de imprensa, contra o próprio Sporting.

"A pancada que eu levei só por ter dito isso", recorda a técnica, nesta entrevista, antes de acrescentar: "E OK, eu entendo [as represálias], mas o meu trabalho é tentar proteger as jogadoras. E quando isso acontece, e não é a primeira vez, não é a segunda, não é a terceira..."

A convidada do episódio desta terça-feira do "Olhá Bola, Maria" salienta que o problema não era apenas do Sporting: "Não é este ou aquele clube, é tudo."

"O futebol feminino em Portugal precisa de crescer, precisa de ser mais profissional, e isso tem muito a ver com as condições. De todos os clubes, de toda a liga. A liga precisa de ser profissional. Não faz sentido nenhum nós começarmos uma liga e um clube não tem jogadoras, como foi como o Vilaverdense. Como é que é possível a liga ter começado daquela forma? E outros clubes com salários em atraso, quais são as consequências? É difícil que o futebol feminino cresça, é difícil que as jogadoras possam ser melhores, quando isto acontece", lamenta.

Mariana Cabral fala de uma questão de mentalidades e dá exemplos gerais para ilustrar o seu argumento: o facto de alguns clubes não venderem camisolas das equipas femininas, com os patrocínios das equipas femininas; "99% dos sites dos clubes" dizem "equipa principal" e "equipa feminina".

"Fora de Portugal eles não deixam isso, é equipa feminina e equipa masculina. Porque é assim que tem de ser. É uma questão de mentalidade. É só isto. Não tem a ver com os milhões, ninguém está a pedir milhões. É só isto, são coisas pequenas, às vezes", vinca.

"Nem gabinete para os treinadores tínhamos"

No Utah Royals, Cabral sente "zero" necessidade de lutar por condições.

"Nós temos dois relevados, os homens têm dois relevados também. São lado a lado. Partilhamos o mesmo refeitório, a mesma cantina, normalmente em horários diferentes, mas às vezes cruzamo-nos e estamos ao mesmo tempo. Achas que alguma vez em Portugal isto iria acontecer? Nunca", garante.

Em Portugal, "já treinar em relvado era uma sorte".

"Os espaços que nós utilizávamos são os espaços da formação masculina, não são da equipa masculina. Aqui não há essa separação, é tudo ao mesmo nível, 'vocês têm, vocês também têm', e isso é o que faz sentido. Claro que depois são questões também de orçamento, mas aqui tu pedes qualquer coisa e eles dão-te. 'Ah, precisas de mais uma licença do software? OK, amanhã está aqui'. Enquanto que em Portugal é bastante mais complicado. Quando nós entrámos no Sporting, nem gabinete para os treinadores tínhamos", lembra.

"Também não havia câmara, era emprestada. Não havia scouting na altura. Uma série de coisas que parece agora outro tempo. Claro que isso depois mudou, já não era assim, mas o processo teve de ser todo do zero. Tudo isso teve de ser construído, teve de ser feito por nós", conta.

A treinadora sublinha, ainda, que não era por estar num clube grande que "tinhas as condições todas e era tudo fantástico": "Não é nada assim, isto não é o futebol masculino. As pessoas não têm mesma noção nenhuma. Eu aqui ganho quase o triplo do que ganhava no Sporting, e sou treinadora adjunta. É só um pequeno exemplo. Quando falo de condições, não falo apenas de dinheiro."

Ainda assim, Mariana Cabral não contém o sorriso quando se lembra do que correu bem no Sporting: "Foi excecional, na verdade. Foi um percurso muito grande."

Foi em outubro de 2024 que Mariana Cabral deixou de ser treinadora do Sporting. Foi bicampeã nacional de juniores, venceu a II Liga com a equipa B e, no patamar mais alto, venceu uma Taça de Portugal e duas Supertaças. Ao fim de três épocas e meia, porém, deixou de ir "feliz para o trabalho".

Agora, oito meses depois, encontrou isso no Utah Royals. Na equipa técnica do belga Jimmy Coenraets, e apesar dos maus resultados — a equipa de Salt Lake City está no penúltimo lugar da NWSL —, Mariana Cabral enaltece o ambiente "mesmo muito, muito bom".

"Estamos sempre no 'banter', é uma coisa brutal. É muito engraçado. É uma coisa boa para ti, porque todos os dias vais feliz para o trabalho. Isso é que eu quer, isso é que é o meu objetivo. E foi por isso também que me demiti do Sporting. Eu não ia feliz para o trabalho. E eu quero manter esta paixão pelo futebol", conclui.

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  • Maria
    14 jun, 2025 Palmela 10:05
    Continuem!

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