São três e meia da tarde no Hampden Park. Glasgow, Escócia. No bairro de Mount Florida, velhos, novos, homens e mulheres correm para entrar no novíssimo estádio, construído há apenas dois anos. É sábado, dia 9 de outubro de 1885, e todos querem ver o grande jogo, mas nem todos vão poder entrar: nas bancadas ficarão 12 mil pessoas, o recorde histórico de assistência num jogo de futebol na Escócia. Os restantes vão ter de arranjar uma varanda ou trepar uma árvore mais alta para tentar ter um vislumbre do campo.
Daqui a menos de 20 anos isso já não será um problema: o Hampden vai ser o maior estádio do mundo entre 1903 e 1950, até aparecer um gigante chamado Maracanã. Mas esses tempos ainda vão longe e hoje há que aproveitar o presente. Afinal de contas é um dos mais importantes jogos do calendário futebolístico desse ano: o Queen’s Park – mais antigo clube da Escócia e vencedor da taça do país – tinha a honra de receber a gloriosa formação do Wanderers FC, os primeiros vencedores da história da FA Cup. Os londrinos visitavam a Escócia pela primeira vez e eram recebidos como autênticas rockstars, numa altura em que nem os avós dos Beatles imaginavam tal termo.
Já segue a Bola Branca no WhatsApp? É só clicar aqui
Tamanho evento exigia, portanto, pompa e circunstância. Tinha de ficar para sempre marcado, não só na memória, mas também na história. E história é arquivo. E arquivo é papel. O Queen's Park não sabia, mas naquela tarde iria fazer história – e não falamos da goleada espantosa de 5-0 que aplicou aos ingleses. Naquela tarde foi impresso e vendido o primeiro programa de jogo oficial de que há registo na história do futebol, faz esta quinta-feira 150 anos.
Há registos que passam essa medalha às universidades de Eton e de Yale, que se defrontaram em 1873, nos Estados Unidos da América. Nessa partida, foi efetivamente distribuído um cartão relativo ao jogo, onde os adeptos poderiam preencher o resultado, os marcadores dos golos, e os nomes dos elementos da equipa de arbitragem. Só que este "antecessor" tinha uma diferença: só era distribuído no final da partida e chegava semi-preenchido.
Em Glasgow foi diferente e mais próximo da velhinha revista que se espalhou pela Europa. Foi vendida nas bancadas, antes e durante o jogo, e trazia as informações já escritas, uma espécie de guia para que o espectador não se perdesse durante os 90 minutos. Não, aqui ainda não tínhamos páginas com publicidade nem entrevistas aos protagonistas. Mas o espírito de inovação já estava presente: a formação tática já era uma realidade, os jogadores já tinham uma mini-biografia e o boletim até já servia para dar avisos – quantos não terão respeitado o "Please, do not strain the rope", que pedia aos adeptos, nos apeadeiros, para não esticarem as cordas. Mas o pormenor mais fascinante está na identificação dos artistas.
Numa altura em que ainda não havia manipulação e impressão de fotografias, o Queen's Park encontrou uma forma criativa de ajudar o público a identificar cada jogador. Como é possível ver na imagem, abaixo do nome e da posição de cada um dos atletas, está descrita... a cor das meias usadas. Porque sim, apesar de os onzes jogadores de cada lado utilizarem a mesma camisa e calção, as meias eram escolhidas individualmente por cada futebolista. E quando não havia meias, havia chapéu, de forma que mesmo o mais longínquo adepto – aquele que teve de subir à árvore – pudesse reconhecer o artista. Por exemplo, o extremo-esquerdo do Wanderers Hubert Heron apostava não só na sua velocidade, mas também num par de meias cinzentas, laranjas e violetas, com um chapéu preto.