Dois amigos entram num bar e mudam a vida de Viktor. A discreta história de Gyökeres em Estocolmo

Antes de ser idolatrado pelas bancadas de Alvalade, Gyökeres era apenas Viktor, um miúdo que “não passava a bola”, que escapou aos maiores clubes da capital, que “chorava quando perdia” e que nunca sequer chegou a jogar na primeira divisão sueca.

06 mar, 2024 - 07:00 • Eduardo Soares da Silva



Na pegada de Gyökeres em Estocolmo

"Gyökeres Antes da Máscara" é um podcast Renascença em três episódios, uma grande reportagem vídeo e um artigo de fôlego para guardar e ler quando quiser.

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Para Viktor Gyökeres, tudo começou com uma derrota. E com a desilusão que dela surgiu. Descobriu bem cedo que não gostava de perder. Odiava, na verdade. Hoje, é raro perder a calma em frente à baliza, mas quando era só uma criança a descobrir o futebol num pequeno campo no sul de Estocolmo chorava quando perdia.

“Era um miúdo pequenino e chorava muito. Era um vencedor. Se não ganhasse, chorava”, conta à Renascença um dos primeiros treinadores do sueco, Göran Thel.

Gyökeres chegou há menos de um ano a Alvalade e já é um ícone como poucos se tornaram no Sporting. Espreita o recorde de transferências do clube e do seu país. No entanto, nem sempre foi assim.

Antes de se transformar no avançado que hoje vemos marcar golo atrás de golo, houve um tempo em que o pequeno Viktor jogava no clube a dois passos de casa – onde as bolas ficam guardadas nas malas dos carros dos treinadores – e nunca tinha sequer sonhado com um festejo seu ser copiado por milhares.

Estamos sentados atrás do banco de suplentes do Aspuddens Idrottsplats, o estádio do IFK Aspudden-Tellus. É uma pequena arena de um subúrbio de Estocolmo, a capital sueca.

Há apenas uma bancada, com quatro ou cinco filas sem cadeiras. O relvado é sintético e está polvilhado de neve. Os bancos são uma pequena estrutura de madeira onde cabem cinco ou seis pessoas. A vedação não dá a volta ao estádio todo, entra livremente quem quiser e há até quem passeie o cão no relvado.

Foi aqui que Gyökeres começou a jogar futebol. Foi aqui que raspou os joelhos pela primeira vez num pelado que já não existe, que celebrou os primeiros golos e que se chateou com os colegas após derrotas.

Compreender a história do ponta de lança é entender o contexto em que cresceu, as opções de carreira e a personalidade do goleador da máscara.


Foto: Aspudden-Tellus
Foto: Aspudden-Tellus

“Todos os anos há a mesma conversa: ‘Olha para aquele miúdo e para aquele’. Mas obviamente que foi bem cedo que ouvimos falar do Viktor, principalmente porque era tão dedicado. Levava o futebol muito a sério. E isso compensou”, conclui Björn Thuresson, o presidente do clube.

Björn é um homem alto, com uma barba branca e muito longa. Está acompanhado pelo ex-treinador Göran e Hanna Bergander, diretora, gestora de redes sociais e ainda treinadora dos sub-19. Faz um pouco de tudo, como quase todos ligados à organização do clube.

“É um clube muito local, os jogadores são todos desta zona e é assim que funciona em Estocolmo. Temos uns 200 adeptos nos jogos, talvez. É um ambiente simpático em que as pessoas podem ver um jogo enquanto tomam um café durante a tarde”, explica.

O IFK Aspudden-Tellus é um clube que serve a sua comunidade. É uma pequena ilha no oceano de mais de 170 clubes da capital. “Agora somos conhecidos por ser o clube que formou o Gyökeres”, acrescenta o presidente.

Aqui, os jovens não são formatados em rígidos processos de formação: “A principal ideia é que os miúdos possam divertir-se a jogar à bola”.

E ao optar por seguir no Tellus, o avançado do Sporting provou que é possível seguir um caminho alternativo, que envolve resistir ao interesse dos maiores clubes de Estocolmo e desenvolver-se livremente.

“Aqui podes passar muito tempo a jogar futebol e os treinadores têm um grau elevado de autonomia. Se fores dedicado, podes jogar muito. Se fores demasiado cedo para uma academia, vais para o banco”, alerta Björn. Há outros caminhos até ao sucesso e Gyökeres é o maior exemplo disso. Cada um dos 32 golos marcados com a camisola do Sporting atesta o sucesso do modelo.


Göran Thel treinou Viktor durante quase oito anos. Foto: Eduardo Soares da Silva/RR
Göran Thel treinou Viktor durante quase oito anos. Foto: Eduardo Soares da Silva/RR

“Este ambiente ainda continua a desenvolver grandes talentos. Há outras rotas para tudo na vida", diz Björn Thuresson, antes de concluir: "Claro que o nome Hammarby soa melhor do que o IFK Aspudden-Tellus. E aqui, esses nomes têm muito peso”, prossegue.

Há três grandes clubes na capital sueca: o Hammarby na zona sul, o Djurgårdens no centro da capital e o AIK no norte de Estocolmo. Há ainda um quarto, o emergente Brommapojkarna – com menos história e força social, mas conhecido pela aposta na formação –, que o avançado do Sporting acabaria por escolher mais tarde.

Dava-se bem com os colegas? “Sem comentários”

Durante a conversa com Björn e Göran, três rapazes de 15 anos chegam ao estádio para um breve treino. Assumem admiração por Gyökeres, o maior talento a sair do clube, e até imitam a celebração da máscara, um símbolo que começa, cada vez mais, a passar a fronteira portuguesa e a entranhar-se nos adeptos suecos.

O primeiro foi o Gyökeres, o próximo sou eu”, atira um deles, enquanto os amigos se riem.

Ficam perto de uma hora a treinar, principalmente a trocar passes, até porque o relvado não está nas melhores condições devido ao nevão dos últimos dias. Se recuássemos 15 anos, um daqueles jovens poderia ser Viktor Gyökeres, a aproveitar uma tarde de sábado em que o frio deu tréguas para jogar à bola com os amigos.

Contudo, nem sempre era fácil lidar com o jovem Gyökeres. Afinal, odiava perder e isso tem também consequências em quem o rodeia.

Göran treinou-o durante oito anos, acompanhou o crescimento de Viktor, de miúdo que ainda se habituava à bola a um adolescente rápido, goleador e focado num futuro profissional.


“Sem comentários”, responde, quando questionado sobre como Gyökeres convivia com os colegas de equipa. Contém o riso e troca olhares cúmplices com o presidente Björn e a treinadora Hanna.

Às vezes era difícil, porque queria tanto vencer”, atira, num inglês básico mas suficiente para passar a mensagem. Perguntamos se, por vezes, discutia com os colegas de equipa. “Sim, sim… Quer dizer, não”, responde, já atrapalhado. Agora também já não consegue segurar a gargalhada.

Göran não tem problemas em classificar Gyökeres como o “próximo Zlatan Ibrahimovic”, a maior lenda do futebol sueco, ainda que os dois avançados não se aproximem no estilo de jogo: “Ele marcava sempre, vias desde o início que era especial”.

Dinheiro ainda não chegou, mas pode mudar o clube

Viktor ficou até aos 16 anos no Aspudden-Tellus. Há jovens que se estreiam no futebol profissional com essa idade. E, por ter ficado até tão tarde, continua a ajudar o clube com o mecanismo de solidariedade da FIFA, que reserva 5% de cada transferência para os clubes de formação.

O Tellus tem direito a 1%. Pode parecer pouco, mas é uma fatia enorme para um clube desta dimensão quando as transferências são de milhões.

É um processo demorado e o clube ainda não recebeu os cerca de 250 mil euros da troca entre Coventry e Sporting por mais de 20 milhões de euros, ainda que tenha passado mais de meio ano. O impacto será “enorme”, segundo o presidente.

“O clube fatura uns 400 mil euros por ano, mas não gera lucro. Esse valor pode mudar muita coisa. Provavelmente não o vamos receber numa só tranche. De qualquer modo, vamos utilizá-lo para melhorar as condições para os nossos miúdos”, diz Björn, que prefere nem pensar numa saída recorde no verão: "Se há algo certo no futebol, é que é fértil em rumores".


Björn Thuresson é o presidente do IFK Aspudden-Tellus. Foto: Eduardo Soares da Silva/RR
Björn Thuresson é o presidente do IFK Aspudden-Tellus. Foto: Eduardo Soares da Silva/RR

Podemos levar-vos a conhecer a nossa bonita arena e verão que há oportunidades para fazer alguns investimentos”, convida. Björn, Göran e Hanna riem-se novamente.

Aceitamos o convite e arranca o passeio pela neve em torno do estádio. Hanna faz de guia. “Ainda não sabemos bem o que fazer ao dinheiro", diz, enquanto aponta para dois contentores. Faz força para abrir a porta de um deles e entramos. “É aqui que guardamos o material, a prioridade é arranjar algo melhor."

Hanna ia detalhar as necessidades, mas decide mudar a estratégia e apenas mostra. Dentro deste pequeno espaço, amontoa-se o material habitual num clube de futebol: mecos, coletes, garrafas vazias, quadros táticos, roupa esquecida. É difícil estarem duas pessoas dentro deste espaço em simultâneo. Não cabe mais nada.

Guardamos algumas bolas nos nossos carros. Precisamos de algo mais sério e esperamos que o dinheiro da transferência do Viktor nos ajude nisto”, explica, à saída do espaço.

Atravessamos o relvado até chegar a um casebre. É a sede do clube. Tem apenas uma divisão e está desarrumada depois de obras recentes feitas no espaço. Há dezenas de troféus espalhados pelo chão, nos parapeitos das janelas e em cima das mesas. Há fotos nas paredes e calendários desportivos. É uma mistura de museu e escritório.

O presidente Björn explica que a geração de 1998, a de Gyökeres, ia a “muitos torneios e habitualmente vencia”. Por isso, alguns dos troféus por aqui espalhados “têm o dedo” do avançado do Sporting.


Hanna adora Gyökeres e faz questão de mostrar que, por baixo do casaco do Aspudden-Tellus, traz vestida uma camisola do Sporting. Foi uma prenda de Natal do marido e planeiam visitar Lisboa em breve para ver um jogo em Alvalade.

Em simultâneo, Göran está em busca de troféus que venceu com a equipa de Viktor e encontra alguns. “Esta é uma taça de segundo lugar”, diz. “Deve ter chorado”, graceja Hanna.

A dirigente entrega uma taça a Göran e ele contempla-a durante algum tempo. “Foram tantas taças”, diz, num tom mais baixo. É como se, naquele momento, o tempo tivesse parado. Naqueles vinte segundos, Göran reviveu todos os momentos com a equipa de Viktor: as vitórias, os amuos das crianças, os golos festejados.

O guarda-redes improvisado e o salto para Bromma

O jovem avançado foi quase sempre treinado por Göran e pelo pai Stefan, que integrava a equipa técnica. Viktor deixou um legado que motiva os jovens da zona e, a cada transferência, empurrará o clube para um futuro melhor.

No entanto, o ponta de lança não estava assim tão esquecido naquele campo remoto no sul da capital. Mostrava potencial desde cedo e, por isso, era seguido pelos maiores clubes de Estocolmo. Chegara a hora de tomar uma decisão e dar o salto.

Gyökeres escolheu o Brommapojkarna (BP), a maior academia da Europa e um clube conhecido por apostar na formação como poucos. Foi, ainda assim, um processo lento e que durou cerca de quatro anos, vários empréstimos para torneios amigáveis e um olheiro atento.

Peter Kisfaludy é um dos nomes mais mediáticos do futebol sueco. Foi, durante mais de 25 anos, uma das principais caras do Brommapojkarna. Até hoje não consegue esquecer a primeira vez que viu Gyökeres.


Peter Kisfaludy: “Ele quer ser sempre o melhor e nunca fica impressionado com os nomes ou reputação dos jogadores". Foto: Eduardo Soares da Silva/RR
Peter Kisfaludy: “Ele quer ser sempre o melhor e nunca fica impressionado com os nomes ou reputação dos jogadores". Foto: Eduardo Soares da Silva/RR

“Ele tinha 10 anos e fomos jogar contra o Aspudden. Vi um miúdo que pegava na bola, tal e qual como faz agora. Era rápido, fintava todos e marcava golos. E eu pensei: ‘M****, preciso de o ir buscar”, recorda.

E assim começou uma longa relação de atração entre Gyökeres e o BP. Todos os anos, Kisfaludy aproveitava a ascendência húngara que partilhava com o pai de Viktor para levar o jovem a torneios amigáveis com a camisola do BP: “Criámos uma ligação para que ele não fosse para outros clubes”, explica.

E não havia pressa. Viktor estava confortável perto de casa e o Brommapojkarna reconhecia qualidade nos métodos de treino de Göran e do pai de Viktor, o que permitiu a Gyökeres “desenvolver o seu próprio estilo, totalmente selvagem”.

A transferência definitiva aconteceu apenas em 2014 e com um novo protagonista. David Eklund, olheiro de formação do BP, recorda que o Hammarby e o AIK estavam interessados, mas ele chegou primeiro.

“Seguimo-lo durante vários anos e também fui treinar a equipa dele ao Aspudden-Tellus durante uns tempos. Havia uma espécie de acordo entre os dois clubes”, recorda à Renascença.

O ambiente no Tellus era tão livre que, por vezes, deu origem a momentos caricatos: “Sentei-me na bancada para ver um jogo, começo à procura do Viktor e não o encontro. Estava a jogar a guarda-redes, porque o titular lesionou-se”. Não sofreu nenhum golo, mas "era melhor como avançado", confessa.

Gyökeres chegou ao Brommapojkarna no verão de 2014 para se juntar aos sub-17 e, a partir daqui, a subida foi rápida. O BP é conhecido por ser o maior clube de formação da Europa e orgulha-se de ter mais de 3.000 atletas e 250 equipas.

O clube suporta mais de duas dezenas de equipas por escalão, sendo que duas delas são mais sérias e para onde são encaminhados os jogadores com mais talento e com possível futuro na equipa principal. As restantes servem para “que os miúdos possam jogar à bola juntos, divertirem-se e serem saudáveis”, segundo o diretor de comunicação do clube, Peter Appelquist.


Viktor marcou 25 golos e registou nove assistências em 67 jogos pelo Brommapojkarna. Ainda não era o avançado da máscara. Era o goleador da fita na cabeça. Foto: Reuters
Viktor marcou 25 golos e registou nove assistências em 67 jogos pelo Brommapojkarna. Ainda não era o avançado da máscara. Era o goleador da fita na cabeça. Foto: Reuters

No entanto, o que difere o BP é não ter medo de apostar nos jovens na equipa principal, com todos os riscos associados. E é um dos principais motivos que explicam que o clube nunca se tenha estabilizado na primeira divisão.

Desde 2007, numa montanha-russa de subidas e descidas – e muitas consecutivas –, o clube fez sete épocas na primeira divisão, seis na segunda e três na terceira. Procura, na época que começa no próximo mês, confirmar um inédito terceiro ano consecutivo na Allsvenskan.

É pela forte aposta na formação que muitos jovens de Estocolmo preferem o BP a outros clubes de maior dimensão, mais tradição e mais adeptos. O clube não movimenta multidões e até esse aspeto joga a favor da criação de um ambiente de menor pressão para que os jovens se desenvolvam no futebol profissional.

O currículo fala por si: John Guidetti, Dejan Kulusevski, os irmãos Ekdal, Lucas Bergvall e Gyökeres. A lista prolonga-se e há dezenas de outros jogadores que, não sendo grandes estrelas, fizeram carreira profissional em diferentes campeonatos europeus.

O clube não larga a sua identidade, independentemente do sucesso alcançado em campo. E isto orgulha quem vive a tradição no dia a dia.

Gustav Sandberg Magnusson é o capitão de equipa e o jogador com mais jogos disputados na história do clube. Já são mais de 300 partidas com a camisola listada de vermelho e negro do BP. Superou o próprio pai no topo da lista.

“Não deixamos cair a nossa identidade e acho que isso é muito importante. Às vezes jogamos nas divisões inferiores, às vezes na primeira divisão, mas isso não importa”, explica.

Dois treinadores entram num bar

Gustav era o capitão de equipa quando, no verão de 2015, Gyökeres foi promovido à equipa principal. O BP estava em dificuldades para se manter na segunda divisão e Magni Fannberg era o treinador.

Encontrou-se com o seu amigo e olheiro David Eklund num bar em Vällingby, perto do estádio do Brommapojkarna. E a conversa mudou a vida de Viktor.

“Tínhamos vários jogadores lesionados e perguntei-lhe se havia alguém na formação". E, depois de ter trazido Viktor para o clube, David voltou a assumir um papel essencial na carreira de Gyökeres.

"Ele disse-me: ‘Magni, prometo-te, o Viktor é a melhor opção, ele vai marcar golos em todos os patamares”, recorda.

O cenário deixou-o reticente. Um jovem de 17 anos pode não ser a solução ideal para um plantel que precisa de golos para sobreviver a uma descida à terceira divisão. David argumentava que Gyökeres “era o único com capacidade física para o futebol profissional”.


Magni Fannberg estreou Viktor na equipa principal do Brommapojkarna na época de 2015. Foto: Eduardo Soares da Silva/RR
Magni Fannberg estreou Viktor na equipa principal do Brommapojkarna na época de 2015. Foto: Eduardo Soares da Silva/RR
David Eklund descobriu Viktor no Aspudden-Tellus e foi um dos principais responsáveis pela sua subida à equipa principal do BP. Foto: Eduardo Soares da Silva/RR
David Eklund descobriu Viktor no Aspudden-Tellus e foi um dos principais responsáveis pela sua subida à equipa principal do BP. Foto: Eduardo Soares da Silva/RR


Foi no Brommapojkarna que Viktor Gyökeres se estreou como profissional. Jogou na segunda e terceira divisões. Foto: Eduardo Soares da Silva/RR
Foi no Brommapojkarna que Viktor Gyökeres se estreou como profissional. Jogou na segunda e terceira divisões. Foto: Eduardo Soares da Silva/RR

“Ele conhece os jovens todos de Estocolmo, até da Suécia. Estava muito impressionado com o Viktor e eu confio nos olhos dele. Sei o que já encontrou antes e nunca iria aconselhar um jogador da ‘boca para fora”, atira Magni.

Gyökeres estreou-se na equipa principal do BP a 8 de agosto de 2015, num jogo frente ao Östersunds, que acabaria por subir de divisão. O hoje avançado do Sporting fez mais sete jogos, nenhum como titular, e o Brommapojkarna desceu mesmo à terceira divisão.

Todavia, Gyökeres já não voltou à formação e a despromoção criou um cenário mais favorável à sua afirmação.

“Deu para entender logo que era especial. Recebemos muitos miúdos, mas ele era muito determinado e teimoso também. Sabia o que queria e estava focado nisso”, recorda o capitão Gustav, que dá um exemplo.

Lembro-me de gritar para ele passar a bola e ele só olhava para a baliza. Estava tão frustrado que sentei-me no meio do relvado a meio do treino. 'Não importa, ele não passa a bola'. Podia ser frustrante lidar com ele”, conta.


O ano da afirmação foi 2016. Apontou nove golos em 25 partidas e ajudou o clube a regressar rapidamente ao futebol profissional. O BP foi campeão da terceira divisão, mas a explosão surgiu no patamar seguinte.

"De um ano para o outro, vias que estava ali a acontecer qualquer coisa”, recorda o capitão.

Apontou 13 golos em 30 jogos e o Brommapojkarna festejou uma segunda subida de divisão consecutiva. Pelo meio, ainda impressionou no Campeonato da Europa de sub-19, um viveiro de olheiros internacionais. Foi o melhor marcador da prova com três golos, ainda que a Suécia não tenha vencido qualquer partida.

No Brommapojkarna, há um golo que continua cravado na memória de Gustav e Peter Appelquist. Foi nos quartos de final da Taça da Suécia frente ao Elfsborg, um dos maiores clubes do país.

Ao minuto 82, com 1-1 no marcador, Gyökeres recebeu de costas para a baliza, quase encostado à linha lateral. Aguentou a pressão de dois defesas e desatou a correr em direção à baliza. O desfecho era inevitável.

Atravessou-os a todos, foi um golo incrível. Estavam a saltar para cima dele, mas nunca parou e marcou o golo”, recorda o capitão de equipa. "É a minha memória preferida dele", concorda Peter.

Gyökeres não está interessado em quem está do outro lado. Naquela partida, era apenas um jovem em afirmação na segunda divisão frente a um dos maiores clubes da Allsvenskan e Peter Kisfaludy reconhece nele uma característica importante para chegar ao sucesso.

“Ele quer ser sempre o melhor e nunca fica impressionado com os nomes ou reputação dos jogadores. Não quer saber disso, vai em frente”, explica.

O avançado ainda não tinha perdido a competitividade que o distinguia no Aspudden-Tellus e continuava a odiar perder, tanto que originava discussões com namoradas.

"Lembro-me que foi de férias com a [agora] ex-namorada, que era também futebolista. Foram jogar ténis e nem sei quem venceu, mas não falaram um com o outro durante o resto do dia. E eu adoro essa mentalidade", atira Kisfaludy.

Máscara é segredo bem guardado

Gyökeres não fazia a máscara quando jogava na Suécia. Era um rapaz discreto com uma fita na cabeça. O festejo foi um acrescento recente à estrela em que se transformou anos mais tarde no Coventry City.

Ainda assim, começa a ser um símbolo também no seu país. Acompanha o crescimento de popularidade, a cada golo que marca pela seleção. Mas o avançado não revela o segredo do gesto a ninguém, nem aos mais próximos. "Já lhe liguei para perguntar o que significava", confessa Peter Kisfaludy. "Não diz. Nem aos melhores amigos", acrescenta.

"O meu filho já o foi visitar duas vezes a Portugal. Pedi-lhe para perguntar, mas ele recusa-se", explica, entre risos.


Foto: Rodrigo Antunes/Lusa
Foto: Rodrigo Antunes/Lusa

Josh Eccles, antigo colega de equipa de Viktor no Coventry, garante que se trata de uma referência a Hannibal Lecter, do filme "O Silêncio dos Inocentes", um homicida e canibal.

A comparação causa estranheza a quem o conhece. "É estranho se for mesmo esse o motivo", ri-se Gustav Sandberg Magnusson. "Não vai poder dizer a ninguém, vai ser cancelado", conclui.

O adeus à Suécia e o que reserva o futuro

Mas chegara a hora de dar o salto, cenário conveniente e inevitável para todas as partes. Gyökeres foi para o Brighton e o Brommapojkarna encaixou um milhão de euros.

"Percebia-se que ele ia sair. Também é parte da nossa identidade. Vendemos jogadores, precisamos disso. Somos um clube grande e, ao mesmo tempo, um clube pequeno", explica Gustav.

O ponta de lança rumou a Inglaterra no fim da época, sem nunca se ter estreado na Allsvenskan e um desconhecido para a maioria do país: "Foi uma boa decisão. O Brighton é um clube grande e com instalações de treino fantásticas. Era um grande passo, o futebol em Inglaterra é muito mais rápido".

Kisfaludy completa: "Acabou por não jogar muito. Todos acham sempre que é uma linha reta até ao sucesso, mas as vezes não é assim".


Os anos que viveu em Inglaterra não foram fáceis. Nunca se estreou na Premier League e fez apenas um par de jogos na equipa principal do Brighton.

Rodou em empréstimos na segunda divisão alemã e inglesa, no St. Pauli, Swansea e finalmente no Coventry, onde se encontrou, já quatro anos depois de ter deixado a Suécia. No Sporting, joga pela primeira vez na carreira numa primeira divisão nacional.

"É um miúdo humilde e sabe o quanto custam as coisas. Nunca lhe deram nada de graça. Lutou por tudo o que conquistou na carreira. Acho que levará essas lições para o futuro", conclui Magni Fannberg, o primeiro a reconhecer o talento de Viktor no futebol profissional.

Ninguém sabe até onde vai chegar Viktor Gyökeres, mas quem se cruzou com ele aponta ao topo. E quem até hoje convive com ele, ainda reconhece o miúdo tímido e reservado do bairro de Aspudden e o adolescente talentoso que tinha dificuldades em passar a bola no Brommapojkarna.


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