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Covid-19. O ano de "estagnação" e "solidão" do futebol de formação durante a pandemia

12 mar, 2025 - 13:40 • Inês Braga Sampaio

Foi há cinco anos que a FPF suspendeu todo o futebol devido ao novo coronavírus. A Renascença falou com um treinador e um psicólogo de formação para perceber o impacto, sobre os jovens jogadores, de passar um ano longe dos relvados.

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Um ano de "solidão" e "estagnação". Assim foi a paragem do futebol em 2020, para quem está na formação. Cinco anos passados do dia em que a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) suspendeu toda a atividade devido à pandemia da Covid-19, a Renascença procura entender o impacto, sobre os jovens jogadores, de um ano à espera.

Fábio Paquete era treinador dos escalões de formação do Espinho, primeiro dos sub-17 e depois dos sub-19, quando a pandemia levou Portugal de rajada, e considera que se perdeu um ano importante no desenvolvimento dos jogadores: "Sinto que foi um ano de estagnação."

"Houve uma paragem muito longa. Numa semana treinávamos, na outra já íamos para casa. Houve o confinamento, a suspensão dos campeonatos…os treinos online, que ajudaram mais para manter os laços do que em questões táticas físicas ou técnicas, porque sinto que o proveito nessas vertentes era reduzido", vinca.

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O técnico, atualmente no Dragões Sandinenses, considera que os treinos online ajudaram a perceber a verdadeira importância dos treinos presenciais.

"Aquele momento ao final do dia, muitas vezes depois de aulas, viagens e a saída tardia do clube, era algo que não tinha preço. Não há nada como o treino, a competição, o balneário, os laços que se criam e as memórias dos momentos que vivemos, que ficam para sempre connosco", diz.

Passou a ser tudo virtual, reforça Pedro Assis, que durante a pandemia era psicólogo dos escalões de formação do FC Porto. Em declarações a Bola Branca, fala de "um parar de não parar", em que os psicólogos tiveram "um papel ainda mais preponderante, de suporte emocional".

A maior dificuldade que os jovens jogadores encontraram, durante o confinamento, foi "a solidão", salienta Pedro Assis.

"A questão de estar muito tempo em casa com as mesmas pessoas, a falta do grupo, a falta do cheiro do balneário, daquelas dinâmicas que acontecem dentro do grupo. Da pandemia para frente, passaram a valorizar muito mais o grupo, a equipa, porque sentiram muito falta daquelas dinâmicas que eles tinham como adquiridas", sustenta.

Do "medo" à "saturação"

Antes do confinamento, contudo, já o novo coronavírus assustava. A informação, a desinformação e o número crescente de casos, em Portugal e no estrangeiro, semeavam o medo de contágio. Cada rosto era somente meio rosto, a outra metade tapada por uma máscara.

Fábio Paquete recorda que, ainda antes de o futebol parar, o dia a dia era vivido "com alguma desconfiança e apreensão". Os cuidados aumentavam, "com a proximidade e brincadeiras entre atletas".

"Sentimos alterações em coisas simples, como o cumprimentar, a proximidade que havia nos balneários, alguns dos atletas deixaram de tomar banho no clube. Senti que começou a haver um receio generalizado", assume o treinador, nesta entrevista à Renascença.

Também foi a altura em que alguns atletas deixaram de treinar, "porque tinham pessoas vulneráveis em casa": "O medo de infetar os familiares, nomeadamente os avós, era a justificação que mais nos davam. Até as coisas acalmarem, ficarem todos mais conscientes de que a vida tinha de seguir o seu rumo, com todos os cuidados necessários, e que tínhamos todos de continuar, vimo-nos privados de alguns atletas."

A vida seguiu mesmo o seu rumo, dentro de uma "nova normalidade".

Numa espécie de cronologia das emoções dos jovens jogadores durante o confinamento, Pedro Assis sentiu, ao início, "o medo, especialmente para quem tinha pais e avós, e o perigo de ficar doente e de contagiar os mais velhos, os mais frágeis". Mais para o fim, a frustração.

"Com o passar do tempo, começamos a ficar tão saturados de estar em casa que a certa altura já só queríamos era ir lá para dentro e voltar a estar juntos e abraçar-nos, que era uma coisa que foi muito difícil no início", recorda.

"Nem aquele 'high five', nem nada"

O Governo e a Direção-Geral de Saúde só autorizaram o regresso dos desportos de formação aos treinos, sem nova paragem, em abril de 2021. Para trás, ficou mais de um ano sem competição para a maioria dos jovens praticantes de futebol. Fábio Paquete conta que voltar aos treinos, após o confinamento, "foi uma enorme alegria para todos".

"Havia uma nuvem de desconfiança no ar, uns mais céticos que outros em relação a muitas questões, mas, no fundo, estávamos ali para voltarmos todos a fazer aquilo de que mais gostamos", frisa.

Fora de campo, Pedro Assis também sentia a apreensão dos atletas com a obrigatoriedade de distanciamento: "Não nos cumprimentávamos, nem aquele 'high five', nem nada disso. Era tudo tão controlado que o regresso foi muito estranho. Os protocolos, os balneários, o distanciamento, era tudo muito esquisito, não era claramente o futebol que conhecíamos."

No escalão de sub-19, detalha Fábio Paquete, foi criada uma competição curta, por zonas geográficas. O objetivo era "que as coisas fossem voltando à normalidade aos poucos" e colocar os jovens em competição.

"Foi um ano ingrato para aqueles para quem era o último ano de formação e viram-se privados de competir. Num ano importantíssimo para muitos que tinham a ambição de seguir o seu caminho no futebol e de encontrarem contextos seniores. Mas fico com a sensação de que os clubes também foram um pouco sensíveis a isso, no momento de abrir as portas dos clubes no ano de regresso da competição", assinala.

O técnico chegou a ter jogadores infetados na equipa de sub-19 do Espinho, uma situação a que "cada um reagia de forma diferente".

"Na altura respeitávamos, todos os protocolos estabelecidos, e ao mínimo sinal o atleta ficava em casa. Depois, todos nós fazíamos um teste para perceber se havia mais alguém infetado e ficava, também, ao critério de cada um, nos dias seguintes, ir estando atento a sintomas e ir testando, para perceber se havia infeção", relata Fábio Paquete, que também chegou a contrair Covid, ainda que "numa fase em que já se olhava para a doença com outros olhos, havia uma maior aceitação e acalmia".

O que perdemos e o que ganhámos

Pedro Assis trabalha, agora, no Famalicão e com atletas e treinadores a título particular. Olhando para trás, sente que, a partir do início do confinamento, os jogadores passaram a mostrar-se "mais abertos à experiência do psicólogo". E abre uma nova perspetiva neste debate.

"Perdeu-se muita coisa, mas também se ganhou muita coisa", vinca.

Se, num prato da balança, pesa a perda "convívio, otimismo, sensação de imprevisibilidade, ação mental", do outro está uma maior resiliência.

"Acho que os atletas ficaram mais resilientes, mais autónomos, apesar de tudo mais conscientes, emocionalmente conscientes, e valorizaram também mais a vida social. São quatro dimensões em que a pandemia até acabou por acrescentar em alguns deles", refere o psicólogo.

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