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Entrevista Bola Branca

Luís Sénica: “O gosto pelo hóquei vem também dos famosos relatos do saudoso Artur Agostinho"

23 jan, 2025 - 13:00 • Carlos Calaveiras

Antigo selecionador e atual presidente da federação tem 60 anos, 50 deles por dentro do hóquei. Em entrevista à Renascença, entre outras coisas, garante: "Portugal tem o melhor campeonato do mundo."

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Luís Sénica já foi quase tudo no hóquei em patins: jogador, treinador, coordenador técnico, selecionador, professor e dirigente. São 50 anos ligados à modalidade, cuja origem se explica por razões várias mas também pelos “famosos relatos” de Artur Agostinho, um nome histórico da Rádio Renascença.

Como "há sempre coisas a melhorar”, o futuro está em aberto, até porque "os projetos nunca estão acabados”, mesmo tendo Portugal o "melhor campeonato do mundo”, diz o dirigente que é também o presidente da World Skate Europe.

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Em declarações à Renascença, entre ideias sobre o nosso campeonato e o desempenho lá fora e ainda uma reflexão sobre o hóquei feminino, Sénica faz uma retrospetiva da sua história, que começou em Sesimbra e não tem ainda fim à vista.

São cinco décadas ligadas ao hóquei em patins em diferentes papéis. Comecemos pelo princípio: de onde vem o gosto por esta modalidade?
Comecei com nove, 10 anos em Sesimbra numa altura em que foi construído o pavilhão e o gosto vem de essa estrutura ter proporcionado o ensino da patinagem e vem também dos famosos relatos das nossas seleções muito através da voz do saudoso Artur Agostinho. Esse foi o início de todas as coisas com a rádio a ser muito importante na expansão do hóquei em patins, claramente.

Não tenho memória de o ver como jogador. Como era o Sénica atleta?
[risos] Isso é uma pergunta difícil. Eu predominantemente fiz a minha carreira na frente, como jogador de ataque, muito dentro da zona da área, muito perto da baliza. Depois, com a evolução as coisas foram-se modificando, fui ganhando outras competências, tinha alguma facilidade na leitura de jogo e isso foi-me transportando para outros papéis e acabei a carreira a defesa. Talvez pela condição física, pela forma como via o jogo, foi uma transição normal.

Pelo contexto, para o momento, faço parte da primeira equipa de formação do Sesimbra, onde não existia hóquei, fui um jogador mediano.

O Sénica jogador tinha lugar nas equipas treinadas pelo Luís Sénica?
Não, dificilmente. O Sénica treinador era muito exigente no nível onde andou.

Portugal historicamente sempre teve grandes hoquistas. Quem era o seu ídolo dos tempos de jogador?
O meu imaginário é Ramalhete, Rendeiro, Sobrinho, Chana e Livramento [quinteto do Sporting e da seleção em 1976/77]. Foi esta seleção que me motivou e me fez sonhar. Destacava este cinco, com predominância para António Livramento, mas também o Chana por ser um hoquista esquerdino e eu curiosamente era esquerdino [no hóquei], não me pergunte porquê, mas era como me sentia confortável, mas sou naturalmente direito.

Como treinador teve essencialmente duas paragens: seleção, por dois períodos, e quatro anos no Benfica. Na equipa das quinas destaca-se um título europeu, em 2016. Resumidamente, que balanço faz das suas passagens pela seleção? Apanhou uma Espanha fortíssima.
Comecei a minha carreira como treinador na formação do Sesimbra e tive também à minha responsabilidade a equipa sénior do Sesimbra e felizmente, logo na primeira experiência, subimos de divisão. O Sesimbra estava na segunda divisão, eu tinha acabado de jogar há muito pouco tempo e fomos felizes. A maioria da equipa tinham sido meus colegas e essa é a minha primeira experiência.

Na seleção tivemos um período muito conturbado, com uma Espanha muito forte, mas em alguns momentos conseguimos fazer frente a essa Espanha. É verdade que conseguimos o título europeu em 2016, mas temos também algumas finais no Mundial, temos Taças de Montreux, torneios da Taça Latina e, portanto, diria que é significativamente positiva a minha passagem pelas seleções, com um trabalho estruturante que permitiu a continuidade e que Portugal pudesse chegar ao famoso título mundial de 2019.

Certo.
Estou satisfeito com aquilo que foi feito, foi preciso alguma coragem, nem toda a gente estava disponível para aquelas realidades e tocou-me a mim, nada que me perturbe, antes pelo contrário.

Já no Benfica venceu todos os títulos: campeonato, Taça de Portugal, Supertaças, uma Liga Europeia, uma Taça CERS e uma Taça Continental. Como foi este período na Luz?
Foi um período muito intenso. Tinha saído das seleções, há muito tempo que não estava com uma equipa, o Sesimbra não tinha a dimensão e o impacto dos encarnados. O Benfica necessitava de vitórias, vinha de um período muito longo de não conquistas, isso aumentava a pressão e é um clube com a dimensão que todos conhecemos. É um clube que não joga para perder, é um clube que tem permanentemente o seu foco na vitória e era preciso uma transformação na realidade do Benfica na altura. Não foi fácil, foi uma tarefa muito intensa, muito impactante.

O primeiro ano foi um ano difícil, mas também foi um ano de grande aprendizagem. Acabámos por conseguir conquistar a Taça de Portugal no final da temporada e essa Taça foi o acelerador daquilo que veio a acontecer. Depois fomos moldando a constituição da equipa às minhas ideias, fomos construindo um plantel cada vez mais capaz e fomos felizes, com muito trabalho dos jogadores e das pessoas que estavam à volta.

Hm, hm.
Foram quatro anos com resultados excecionais. Quando se ganha tudo num clube como o Benfica é um marco.

O FC Porto tinha uma equipa fortíssima na altura.
Sim, o FC Porto faz o deca [dez campeonatos seguidos] no meu primeiro ano e é este Benfica que eu comecei a trabalhar que retira a continuidade dessa longevidade e que obriga o FC Porto a reestruturar-se e a fazer um reset no seu momento. Encontrámos outros grandes opositores, mas fundamentalmente o FC Porto, com um trabalho muito forte do Franquelim Pais, um treinador que fica marcado na história do hóquei em patins. Não é fácil ganhar em qualquer modalidade 10 campeonatos consecutivos, mas foi um momento importante nesse trabalho que fizemos no Benfica.

Entre Benfica e seleção, se lhe pedisse o melhor cinco que treinou, quem seria?
É muito difícil. Trabalhei com muita gente, muitos jogadores de qualidade e muitos que fizeram parte da seleção nacional. Não arriscaria a um cinco, teria muito mais que um cinco, mas aquilo que posso transmitir com alguma tranquilidade, agora que estou há bastante tempo afastado do treino, é dizer que tive sempre a sorte de encontrar bons jogadores e também, na maioria deles, bons homens e isso ajudou muito o meu trajeto e a forma como fui trabalhando e conseguindo alguns resultados.

Depois destes anos todos junto ao ringue deu o passo para os gabinetes e é presidente da federação já há alguns anos.
Essa transição, sem pensar, aconteceu. Não era por aí o meu caminho, o meu caminho era manter-me no treino, mas aconteceu. A vida é assim, deixa-nos desafios e acabei por aceitar. Não estou, de maneira nenhuma, arrependido, é uma experiência diferente, é uma experiência que eu suporto muito naquilo que foi o meu caminho enquanto atleta e treinador, ajuda-me bastante.

...
Mas ao pensar como treinador, enquanto presidente, acho que os projetos nunca estão acabados. No dia que eu entender que este é um caminho acabado estou a prestar um mau serviço à federação. Há sempre coisas a melhorar: a qualidade da nossa arbitragem, que cresceu bastante, mas pode melhorar mais, melhorar a qualidade daquilo que é a nossa comunicação, melhorar a capacidade de estarmos mais perto dos grandes centros de decisão. Temos uma reorganização informática interna e administrativa. Há sempre motivação para fazer coisas novas e para acreditar que estes são sempre projetos que nunca estão acabados.

Diz-se que Portugal tem o melhor campeonato do mundo. Concorda?
Sim, Portugal tem o melhor campeonato do mundo. As pessoas às vezes têm alguma dificuldade e misturam um momento de arbitragem menos feliz para, de alguma forma, fazerem logo um ataque feroz, mas nós temos o melhor campeonato do mundo. Sustentamo-nos em termos os melhores treinadores em Portugal, temos os melhores jogadores em Portugal, temos as melhores equipas em Portugal e temos também a melhor arbitragem a nível mundial do hóquei em patins. Agora, se as coisas podem melhorar nas organizações, nas dinâmicas, os clubes podem evoluir, podemos todos fazer mais e melhor? Sim, mas isso não implica que não se tenha a capacidade, orgulho e vaidade em assumir que temos, efetivamente, o melhor campeonato.

Neste seguimento, Portugal é o país com mais clubes na Liga dos Campeões…
Sim, nós temos dominado a Liga dos Campeões. Basta olhar para a história: se olharmos para as décadas anteriores vamos ver quem sucessivamente apareceu a vencer a Liga dos Campeões e, normalmente, aparece o Barcelona. Já se olharmos para a última década percebemos que há uma inversão em que o nome do campeão europeu é português. Neste momento, e espero por muito mais anos, o campeonato português é efetivamente o campeonato mais competente e o mais forte.

Já no hóquei feminino, o campeonato parece muito limitado ao Benfica. Há poucas equipas a apostar? A federação pode fazer alguma coisa para tentar melhorar a competitividade?
A federação tem feito. O Benfica tem feito também o seu trabalho. É importante que o Benfica esteja nesta competição, como seria importante o Sporting, o FC Porto, a Oliveirense. São desafios que vamos sempre fazendo de estimulação a estes clubes, até agora ainda não aconteceu, mas há muitos outros clubes que se dedicam ao hóquei feminino.

Neste momento temos mais equipas do que tínhamos há dois ou três anos, isentámos todas as taxas para que o campeonato feminino não ficasse condicionado, lançámos um campeonato nacional sub-15, um campeonato nacional sub-19, lançamos um Inter-Regiões. A federação tem feito o seu trajeto e precisa também que as associações e fundamentalmente os clubes façam também esse trajeto para que o campeonato, em vez de ter 17 equipas, possa ter 18, 19, 20, 25, 30 e possa evoluir a sua qualidade competitiva.

A seleção feminina foi segunda no último Mundial, mas ainda falta o título. Vai ser possível em breve bater a Espanha?
Vamos ser realistas: falta esse título. Já estivemos em duas finais. Temos potencial e podemos desenvolver esse potencial. A Espanha está muito à nossa frente. Estamos paulatinamente a encurtar distâncias. Acredito que em algum momento um Campeonato da Europa ou do Mundo vai cair para Portugal. É com esse espírito que trabalhamos, mas ainda não encurtámos distâncias suficientes para fazer inversão do domínio espanhol e isso implica dizer que temos de continuar a trabalhar, ser persistentes, a não desistir e temos que ter a certeza que um dia isso vai acontecer para nós.

O selecionador Hélder Antunes deixou o cargo no ano passado. A polémica com os encarnados sobre convocatórias teve peso na decisão?
O Hélder não me transmitiu, quando pediu para cessar as suas funções, nada que fosse nesse sentido. O Hélder transmitiu-me uma visão familiar e profissional a que nós fomos sensíveis.

Já está escolhido o substituto?
Estamos a trabalhar para ter essa decisão em breve e estamos também a trabalhar com as restantes equipas técnicas para fechar os pequenos pormenores. A planificação geral já está traçada há algum tempo, mas em breve teremos novidades.

Paulo Freitas é o selecionador do hóquei masculino. Tem contrato até 2025. Está satisfeito com o trabalho realizado até agora?
O Paulo é um técnico conceituado, um técnico que tem o seu trabalho, tem hoje mais informação do que são as variáveis da seleção nacional, conhece muito bem o contexto europeu e mundial. Os títulos hão de aparecer.

A formação tem de ser sempre uma prioridade num país como Portugal, seja qual for a modalidade, também no hóquei. O futuro está garantido?
Trabalha-se bem, existem sempre jogadores de excelência que se vão formando. O hóquei tem grande intensidade, grande paixão e grande motivação em Portugal. Nós temos a certeza de que vamos continuar a produzir gerações fortes e competentes. Neste momento temos uma base a consolidar ao nível dos inscritos, temos sucessivamente procurar essa base, agora estes trabalhos exigem continuidade, têm que ser estimulados e dependem muito daquilo que são os clubes e temos clubes a trabalhar bem, seguros de que esta dinâmica vai continuar.

O Luís Sénica tem igualmente um cargo internacional. O hóquei tem historicamente dois problemas: um é o facto de estar circunscrito a três/quatro países e outro é o facto de ser difícil ver a bola durante os jogos. Há alguma alteração que se possa fazer para minimizar estas duas questões?
São duas questões que muitas vezes nos são colocadas e surgem sempre quando falamos da projeção do hóquei a nível mundial. Digo-lhe de outra forma: algo de bom o hóquei tem porque tem mais de 100 anos. A realidade é que o hóquei tem a sua especificidade, tem feito o seu caminho, a sua evolução. Efetivamente está implementado em quatro ou cinco países que são muito fortes, é uma realidade, mas é uma realidade que não é muito distinta de realidades de outros desportos. Tem feito o seu caminho evolutivo, mas tem tido dificuldade em ascender ao legado olímpico.

Precisamente sobre os Jogos Olímpicos, o hóquei teve uma grande oportunidade de se mostrar ao mundo, em 1992, em Barcelona. O que correu mal para não ter havido continuidade?
Do ponto de vista prático não conseguimos estar na disputa das medalhas. Tenho uma vaga memória, mas não seria correto a esta distância dizer o que falhou.

A experiência do hóquei em Barcelona foi um momento que não foi positivo para a continuidade do hóquei dentro da família olímpica. Aquilo que eu sei é que, ao dia de hoje, é mais difícil entrarem desportos coletivos [nos JO]. É uma pena, mas é importante percebermos o seguinte: o facto de nós não entrarmos nos Jogos em termos de modalidade não implica que não devamos trabalhar como se fôssemos olímpicos ou como se estivéssemos à porta de entrarmos nos Jogos Olímpicos. E é isso que temos de fazer para, quem sabe um dia, os paradigmas e alterações de pressupostos possam mudar.

Para fechar, voltemos ao início: 50 anos ligados ao hóquei em patins. Quais vão ser os próximos passos? O que falta fazer?
Para os próximos quatro anos, até 2028, estarei na federação como presidente e estarei também na World Skate. Depois desses quatro anos não sei, sinceramente não sei. A única coisa que sei é que a patinagem e o hóquei em patins estarão sempre comigo.

Como o Luís Sénica, temos tido recentemente vários ex-atletas/presidentes de federações. Acredita que isso possa ajudar as respetivas modalidades?
Tenho a certeza de uma questão: a competência, a excelência e o conhecimento do meio em que está envolvido ajuda a gerir. O facto de ter sido ex-atleta está dentro desta realidade, como está o ex-dirigente, o ex-diretor. É uma análise interessante de fazer, mas só saberemos lá mais para a frente.

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  • Madalena
    23 jan, 2025 Sesimbra 18:37
    Ficou muito Feliz.e. Orgulhosa Beijinho ❤️

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