18 jan, 2025 - 11:00 • Sandra Afonso , Arsénio Reis
Com mais de 60 mil trabalhadores no país, a indústria automóvel é uma das que mais contribui para o Produto Interno Bruto ou a riqueza criada no país. Exporta para 98% do mercado europeu, ou seja, qualquer carro construído na Europa tem uma peça fabricada em Portugal. No entanto, as empresas nacionais não estão imunes à crise instalada na Europa.
Em entrevista à Renascença, o presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), fala em processo de "rutura". Nem todas as construtoras atravessam dificuldades, mas adotaram uma política agressiva de corte de custos, para anteciparem a reorganização do mercado e tudo o que isso implica.
Neste momento, está instalada a chamada tempestade perfeita, com a queda da procura, o aumento da concorrência chinesa, a subida dos custos de produção e a guerra das tarifas comerciais. Portugal já sente este temporal.
José Couto, presidente da AFIA, diz ter ficado surpreendido com a queda das exportações no sector em novembro, acima de 17%, segundo os últimos dados conhecidos. Para este ano é esperada uma queda de cerca de 6% na produção automóvel em Portugal.
Apesar das vendas na Europa apontarem para diferentes direções, estes números deverão ter consequências na atividade em Portugal. Nesta entrevista, José Couto admite que em 2025 mais empresas vão recorrer, e com mais frequência, a paragens de produção, o lay-off. Também são possíveis encerramentos no setor. Já cortes salariais, só em casos de "desespero absoluto", garante o presidente da AFIA.
A indústria automóvel tem de se repensar e não se pode distrair, segundo José Couto. A concorrência chinesa revolucionou a produção e continua a entrar na Europa com novas ofertas, no próximo ano são esperadas 22 novas marcas, a maioria modelos elétricos.
A Europa tem ainda de olhar para os Estados Unidos, que produzem muito mais e que têm de novo na presidência Donald Trump, defensor de políticas protecionistas.
Na reconversão da indústria para os carros elétricos, José Couto sublinha que o consumidor de hoje já tem outras prioridades quando compra um carro, mas as preferências não são iguais em todo o mundo. Vamos assistir a uma transição para o elétrico em várias fases.
Por cá, o futuro da Autoeuropa depende da transição para os elétricos, que numa primeira fase pode passar por um modelo híbrido, segundo o presidente da AFIA.
Além de apoios à indústria, José Couto defende também a redução de impostos para as empresas que se queiram instalar no país e para quem compra automóvel.
Questionado sobre a produção e o mercado das baterias, José Couto defende ainda que Portugal não pode deixar de explorar o lítio que tem no solo. Apesar de ter aumentado na Europa a produção de baterias para carros elétricos, estas continuam caras e não conseguem competir com as que são fabricadas pela China.
Admite ainda que os construtores automóveis podem ser novamente multados, por não cumprirem as metas de emissões, como aconteceu em 2020. Em causa estão as novas metas, que entram em vigor este ano na Europa, que prevêm multas de 95 euros por carro e por grama acima do estipulado.
Garante ainda que os carros elétricos são o futuro, mas podem não estar sozinhos. Deverão surgir, entretanto, outras soluções no mercado, que já estão em estudo e desenvolvimento por várias marcas.
O Dúvidas Públicas é a entrevista semanal de economia da Renascença, que pode ouvir em antena aos sábados a partir do meio-dia, ou a qualquer momento no site ou em podcast.
A indústria vive uma tempestade perfeita, com a queda da procura, o aumento da concorrência chinesa, a subida dos custos de produção e as tarifas comerciais?
É tudo isso. A indústria está num processo de rutura. Vamos ter, acreditamos, coisas muito melhores nos próximos anos. Mas estamos numa fase em que a indústria tem que repensar-se a ela própria.
Porque, primeiro, a Europa não estava a pensar que a concorrência de outros países, nomeadamente da China, fosse tão forte, tão incisiva e tão qualificada. Até agora tínhamos a ideia de que os carros da China são uns carritos. Mas não é verdade. Estão tecnologicamente, até do ponto de vista dos elétricos, à frente do que se faz na Europa. Os chãos de fábrica são altamente robotizados e digitalizados.
Mas, para além do que vem da área da produção, temos também outras áreas muito importantes. Hoje, os consumidores pensam de uma forma diferente, quando compram um automóvel. Quando éramos mais novos, provavelmente pensámos quantos cavalos tem o automóvel e quanto tempo demora a chegar a certa velocidade. Hoje os jovens têm outros argumentos para comprar automóvel.
Quanto gasto, o que economizo, quanto vou poluir?
Qual é a pegada de carbono que vou ter aqui. Esse é um lado do consumo, mas temos também o outro lado que é o das cidades, por exemplo. O meio urbano hoje tem objetivos completamente diferentes do que tínhamos há uns anos. Estamos a empurrar o automóvel para fora das cidades e estamos a dizer que não precisamos de parques de estacionamentos para os automóveis, por exemplo.
Isto tem efeitos claros naquilo que é o automóvel. O conceito do automóvel alterou-se significativamente. Hoje, quando vamos comprar um automóvel, queremos saber que tecnologia tem.
Há também uma polarização em termos industriais. Aquilo que um consumidor americano procura é diferente do que o consumidor europeu procura ou que um asiático procura. O veículo, o produto, é diferente para um e para o outro. Há um denominador comum: a tecnologia não é problema.
Polarização também porque a Europa vai querer 100% de veículos eletrificados. Os Estados Unidos já disseram que não, ou pelo menos não querem chegar tão rápido. Mas, por exemplo, a China é mais rápida que a Europa. Vamos ter aqui fases diferentes de produção e, provavelmente, isto é até um problema em termos de globalização. Isto é, não vou ter uma fábrica na Europa que exporte o mesmo produto para a América do Sul ou para a América do Norte. Tenho que me aproximar das áreas de consumo conforme os gostos e a procura dessas geografias. Isto tudo está em grande revolução.
A solução pode ser aquilo que Donald Trump já preconizou que é a instalação de fábricas estrangeiras nos Estados Unidos, que empreguem os americanos?
Temos isso desde a primeira eleição do Trump, houve um esforço de captação do interesse europeu. Os tier 1, ou seja, construtores de primeira linha, eram premiados por se deslocalizarem. Para alguns correu muito bem e para outros não correu tão bem. Ainda não percebemos como é que vai ser, mas vamos ter mais protecionismo.
Trump vai procurar captar o interesse para aquela região. A Europa não pode continuar distraída. A Europa vai ter que resolver isto porque são 11 mil milhões de trabalhadores na indústria automóvel e é uma indústria muito importante para uma série de setores que estão à volta dela e, nomeadamente, para a investigação e desenvolvimento, para a criação de valor.
Temos que andar muito mais rápido do que andamos até aqui porque já fomos ultrapassados pelos chineses. Nós temos dois desafios: acordar disto e pôr a coisa a andar e sermos capazes de andar muito rápido.
Mas têm sido tomadas medidas...
A Europa lançou duas medidas que eu acho importantes, no processo de reindustrialização, que até ao relatório Draghi parece que andava mais ou menos, mas não andava.
Primeiro, apoiar as empresas que produzem baterias no território europeu, desde que utilizem componentes europeus. Significa que estamos a pedir à cadeia que se desenvolva e que possa acrescentar valor ao processo. Segundo, desde que as patentes sejam registadas na Europa, há um incentivo por parte da União Europeia para as empresas que façam investigação e desenvolvimento.
Estamos a falar de crise, mas nem todos parecem ter sido atingidos ou afetados da mesma forma. A Volvo, por exemplo, e a Renault, aparentemente estarão a conseguir evitar parte desta crise. O que é que explica estas exceções?
A verdade é que nem tudo vai mal. Há países europeus, há marcas europeias, que independentemente de tudo, continuam em bons níveis de produção e de venda.
Por exemplo, o que acontece com a Volkswagen? Não baixou assim tanto as vendas em 2023, em 2024 caiu bastante, mas esta antecipação do problema pela Volkswagen e por outras marcas é mesmo uma antecipação do problema. Gerir uma crise numa situação destas dá-nos alguma vantagem e tempo para reagirmos nos termos certos.
Agora, todos sabemos que a produtividade da Europa relativamente, por exemplo, aos Estados Unidos, é dois terços. Isto é, os Estados Unidos têm uma produtividade mais alta do que aquilo que acontece na Europa. Isto significa que eu tenho preços mais altos, cerca de 30%, que os chineses, e tenho uma produtividade mais baixa que os Estados Unidos.
Isto tem a ver com tecnologia, digitalização, formação? Tem a ver com isto tudo?
Com qualidade dos recursos humanos. Temos que aumentar a nossa qualificação em termos dos recursos humanos, aumentar o nível de robotização, da automação no chão de fábrica. Temos que fazer mudanças significativas para ficarmos a um nível de produtividade igual aos melhores e conseguirmos baixar custos. E isto tem de se fazer agora.
As marcas chinesas estão neste momento a reinventar com os seus fornecedores alguns processos de forma a baixar custos. Ora, eles já têm custos mais baixos que os nossos. Significa que eu tenho que andar depressa, a Europa não pode continuar distraída.
Até porque a qualidade dos carros chineses, no caso, é idêntica à produção no continente europeu e no continente americano.
Um carro chinês para ser vendido na Europa tem de oferecer um conjunto de certificações, tem de haver um padrão de certificação.
Já não há diferenças identificáveis, óbvias?
É evidente. Diz-se que os carros que se vendem na China não têm tanta qualidade, em termos gerais, de segurança, como os que se vendem na Europa. Mas para entrarem na Europa, tem de haver uma entidade com a confiança dos consumidores que diga que este veículo automóvel tem condições para ser vendido na Europa, porque é igual aos que temos aqui. Isso é uma segurança, a homologação de um veículo automóvel.
A expectativa é que possam entrar na Europa mais 22 marcas de automóveis elétricos. São 22 marcas que tiveram que passar os critérios de homologação.
Todas as chinesas?
Mais de 90% chinesas. Mas a Volvo foi comprada pelos chineses. É uma marca chinesa que entrou na Europa e reaprendeu com o que acontecia na Volvo, o processo de construção dos automóveis, os critérios, preparar tudo para ser homologada.
Este processo que foi feito por um grupo chinês vai ser copiado por outros. Poderíamos até estar numa fase em que alguma coisa surpreendente possa acontecer, como a fusão entre empresas ou a aquisição de parte de capital de empresas europeias por grupos chineses. Porque a China vê este mercado com muito interesse e tem que ultrapassar alguns obstáculos...
As barreiras comerciais?
E portanto, comprar uma marca, entrar numa marca europeia, pode ter muito, muito interesse e é uma forma de crescer muito rapidamente.
Como é que esta crise está a afetar a produção nacional? Os dados de novembro já indicam uma quebra nas exportações de mais de 17%. Qual é a expectativa para o ano de 2024 e para o próximo ano?
Os dados de novembro surpreenderam-nos. Sabíamos que iria ser mau, tínhamos uma ideia de que pudesse estar entre os 15%, mas não tínhamos ideia que pudesse cair tanto.
Na nossa pesquisa junto de associados e não associados - são 250 empresas que trabalham para a indústria automóvel, que faturam 14.5 mil milhões, altamente competitivas, um caso de sucesso - a queda de 17.3% demonstra que o que aconteceu na Europa tem muita importância para nós e é estranho, há coisas estranhas.
Em dezembro, os números são provisórios, mas é possível que os carros vendidos na Europa sejam iguais aos do ano passado. Pode haver aqui uma diferença de 0.3%. Isto não é absolutamente nada. Mas é preciso perceber quantos carros são produzidos na Europa e quantos são importados.
Nós vendemos para quem?
Portugal, tem o mercado europeu como o seu primeiro mercado, é esmagador, e tem como mercado principal a Espanha. Segundo, a Alemanha, terceiro a França e quarto o Reino Unido.
E há coisas que aparecem de maneiras diferentes em vários países. Por exemplo, as vendas na Alemanha são iguais às do ano passado. O Reino Unido aumentou 2.6% as suas vendas finais. A França caiu, a Itália caiu e a Espanha aumentou 7%. Há aqui sinais completamente diferentes.
Qual é a pespetiva para Portugal?
Portugal teve a crescer mais do que a Europa em automóveis, na produção, entrega de componentes, mais de 6% do que aquilo que estava a acontecer na Europa. E, de repente, nós vamos cair este ano cerca de 6%. Entre 6 e 6.3%, é aquilo que temos previsto para a final do ano.
É um valor claramente abaixo do que tínhamos em 2024. O que é que está a acontecer? Há empresas portuguesas que continuam a crescer porque entraram em produtos novos, porque estão em projetos novos e devido ao mix, estão a entregar o que os consumidores procuram. Há outros casos em que a produção caiu violentamente.
Ao nível da Europa perderam-se mais de 30 mil empregos em 2024, segundo dados da Associação Europeia dos Fornecedores da Indústria Automóvel. Tem dados para Portugal?
Os números que a Clepa publicou recentemente são um pouco mais altos que esses. Para Portugal, nós arrancámos com 64 mil trabalhadores, temos entre 64 mil e 62 mil, por alguma contenção e sem ser necessário reajustar a produção.
Temos empresas a crescer e temos empresas a diminuir e a fazer lay-off, a diminuir a sua capacidade de produção, que é sempre uma coisa muito complicada para a indústria automóvel. Perder pessoas qualificadas na indústria automóvel é uma perda de ativos, porque as pessoas que estão na indústria automóvel sofreram um processo de aprendizagem e têm competências muito importantes para o processo.
Podemos esperar mais processos de lay-off este ano?
Sim, é possível que exista, depende da evolução do mercado, mas temos essa expectativa, pelo que nos é manifestado.
E também é possível o encerramento de empresas?
Há empresas que estão em má situação financeira já, e, portanto, se lhe pusermos mais problemas em cima, provavelmente fecham.
Agora, temos que olhar para o que tem acontecido nos últimos anos, nomeadamente em 2020. É que as empresas da indústria automóvel têm, normalmente, uma robustez acima da média, porque são altamente vigiadas. Os funcionários e os consultores exigem que estejam musculadas e preparadas para sofrerem um abanão. É evidente que uma pneumonia é sempre muito mais complicada, espera-se que algumas das empresas possam não sobreviver ou termos fecho de empresas.
Tem alguma estimativa de quantas empresas poderão ser afetadas?
Não. Algumas empresas meteram lay-off há umas semanas e todos nós pensámos que seriam sempre as últimas a fazê-lo. Não podemos dar esse número.
Outra solução que foi encontrada na Europa, nesta indústria, foram os cortes nos salários. Esta medida pode ser aplicada também em Portugal?
Todos os instrumentos estão de cima da mesa, mas acho que este é um daqueles que seria só em caso de desespero completo. Acho que há várias coisas que se podem fazer, nomeadamente o que correu bem no Covid, a formação. Conseguir que o governo nos ajude neste processo, exatamente como aconteceu em 2020, onde as empresas puderam fazer formação à medida, que compensava os períodos de paragem. O lay-off é outra medida.
Esta indústria paga bem em Portugal. O que é um salário médio no setor?
Um estudo que foi feito demonstra que o salário que a indústria automóvel paga está claramente acima da indústria transformadora. Isso também tem a ver com a produtividade.
Consegue dar-me um valor?
Estará há volta de 18% do que temos na indústria transformadora.
Já falou das expectativas da indústria para este ano, e o que é que esperam do governo? Já foi anunciado algum investimento direto estrangeiro? É suficiente?
A ACAP e a AFIA sempre disseram ao governo que era muito importante termos outra fábrica de produção de automóveis em Portugal.
Outra Autoeuropa?
Se tivéssemos outra Autoeuropa já era bom, a Autoeuropa cresceu 30% na sua produção, vai ser o ano (2024) de todos os recordes em termos de produção. O T-Roc é de facto um sucesso e é muito importante. Bom bom, é que produzissem mais veículos automóveis e que aumentassem também a incorporação de componentes nacionais nesses veículos. Bom bom é que também aumentassem o valor acrescentado, não só em faturação.
Também era bom termos um elétrico na Autoeuropa?
Sim. Há um processo em curso, provavelmente não vamos ter numa primeira fase completamente elétrico, mas vamos ter uma solução híbrida. Eu espero, porque também tem a ver com o futuro da Autoeuropa, ter um veículo elétrico, porque não estou a ver ter um veículo de combustão durante muito mais tempo.
Mas há um sucesso também em Mangualde, com o grupo Stellantis, que fez uma viragem completa do ponto de vista da indústria dos elétricos.
Mas voltando à sua pergunta.... Bom bom era termos outro investimento, provavelmente como a Autoeuropa, mas se não for como a Autoeuropa, uma dimensão idêntica.
É bom e possível ou é bom e difícil nesta altura?
É muito bom, era possível, mas temos competidores fortíssimos, e os competidores não são empresas, são países, que hoje oferecem soluções muito, muito interessantes para quem quer investir.
Temos é que perceber se o fazem de forma curial e se respeitam as regras da concorrência. Não podemos estar distraídos com isso. Por exemplo, montar uma fábrica num país mais a leste da Europa, sabendo que vamos ter importação de componentes da China, é um carro que vai ser branqueado por ser montado na Europa, mas vamos importar concorrência desleal da China para pôr nos automóveis. Vou produzir financiamento para a produção, as peças são financiadas e não sei se cumprem as regras da digitalização e da descarbonização. Temos que perceber se estamos a concorrer no mesmo plano, isto para nós é fundamental.
Temos que saber o que podemos pôr aqui para ganharmos aos nossos competidores. Se temos qualidade de vida, bom ensino, capacidade de acolhimento, se vamos ter mão de obra qualificada, capacidade logística, se consigo pôr na Europa a um preço competitivo, mais competitivo que os outros. Lá vem a questão da ferrovia, como sempre. Também tenho que perceber o que é que eu posso oferecer inequivocamente a quem procura Portugal.
Entra aí também a questão da fiscalidade? Seria necessário mexer nos impostos?
Eu acho que vamos ter que baixar a fiscalidade, no caso do automóvel. Mas temos duas perspetivas. As empresas que se instalam cá, que vantagens é que eu lhes dou do ponto de vista fiscal e uma questão importante é a estabilidade, não andar sempre a mudar as coisas. E perceber que eu estou a concorrer com países que estão a dar 12%, há aqui 10% de diferença em termos fiscais, para além de outras vantagens, Por exemplo, se a empresa rapidamente conseguir resultados positivos, alguns países beneficiam, premeiam.
Depois, a questão da fiscalidade, para quem comprou automóvel, isso nem vale a pena discutirmos porque é um assunto no mínimo estranho. Mostraram-se há dias uma compra de um veículo que custa 120 mil euros em Portugal, custa em Espanha 80 mil.
O setor automóvel em Portugal tem beneficiado dos fundos europeus?
Sim, a nível do PRR, muitas empresas da indústria fizeram investimentos fortíssimos e os investimentos no PRR não são só em termos de estrutura de chão de fábrica, tem muito a ver com a investigação sobre novos materiais que têm que ter características iguais e obedecer aos mesmos princípios de segurança, por exemplo. Ou com o que se faz nas universidades.
Faz uma avaliação positiva?
Sim, isto é uma coisa que acontece em toda a Europa. Em 2023, foi registado mais que uma patente por dia produzida pela indústria, pelos investidores da indústria do automóvel.
Não chegámos a falar do impacto da reestruturação da Volkswagen. De que forma e, no fundo, que consequências pode ter para a Autoeuropa, uma empresa que é determinante em Portugal?
Perder uma empresa como a Autoeuropa, que vai faturar acima de 3.3 mil milhões em Portugal e que tem mais de 5 mil trabalhadores alocados, no mínimo, faria-nos mal ao ego. Mas fará muito mais. É muito importante que não se perca a Autoeuropa.
Mas há esse risco?
Na indústria automóvel, neste tipo de grupos, eu nunca pensei o que é que é uma verdade hoje e o que não é amanhã.
Eu acredito que pelos bons resultados que a Autoeuropa tem, pelos níveis de produtividade, pelo sucesso do automóvel e por aquilo que já foi manifestado, quer pelos dirigentes nacionais, quer pelos diretores internacionais, que a Autoeuropa é um sucesso e vai continuar, pelo menos, com mais um produto que nos dará, pelo menos, mais 5 ou 6 anos em termos de trabalho.
Preocupa-o a possibilidade dos chineses instalarem fábricas na Europa e até a deslocalização para leste?
Não, a mim preocupa-me que os chineses se instalem na Europa sem cumprir as regras. Que alguém seja permissivo de maneira a não cumprir as regras. Que os chineses venham e aumentem a sua capacidade de produção de forma correta, é ótimo. Vai aumentar o PIB europeu, vai aumentar o emprego e a nossa capacidade de penetrar nos mercados.
Este ano entram em vigor novas metas de emissões na Europa. Se os construtores não cumprirem, arriscam o pagamento de multas, 95 euros por carro e por grama, acima do estipulado. Em 2020 já tiveram de pagar milhões em multas. Pode-se repetir este cenário?
Pode, e há um trabalho importante por parte dos construtores de forma a influenciarem ou demonstrarem a sua incapacidade para cumprir aquilo que foi regulamentado.
Os híbridos e os elétricos já ultrapassam aquilo que é a motorização tradicional, e portanto houve um crescimento nas vendas na Europa, mas não foi ao nível das expectativas. As metas que temos para 2030, depois 35, 2040, impunham um ritmo muito mais intenso.
O que é que está a falhar? A oferta não está adequada à procura?
O que lhe posso dizer é que houve um aumento dos 19% dos veículos híbridos, não tanto nos elétricos, mesmo assim passamos a cota dos motores tradicionais, mas isto tinha que ser muito mais acelerado. Estamos a falar de números que não dá para compreender.
E falha mais a produção ou falha mais a adesão das pessoas à compra de elétricos?
Nós temos um problema que tem a ver com as infraestruturas. Em cidades europeias, tipo Lisboa, não vamos ver as pessoas à janela a dizerem olha, tirou o carro, vai lá meter o teu para carregar.
E nós nem estamos muito mal! Há países muito piores do que Portugal, até se vê pelas vendas dos motores de combustão, os consumidores nem sequer querem pensar no assunto. É evidente que existe aqui uma questão: o investimento está a ser feito nas residências das pessoas e nos escritórios e nos locais de trabalho. Mas nem todos têm um local de trabalho onde possa ter isso, e vive no apartamento. A questão da regulamentação é importante e impõe que as empresas respondam. Neste momento, há aqui uma questão de custos.
O preço é claramente condicionador e a questão das infraestruturas.
Em termos práticos, para o consumidor, o preço da eletricidade e o preço do automóvel em si também ainda são condicionantes?
O preço do automóvel obviamente que é, e o preço da energia, porque vamos viver aqui um problema. Haverá "eletricidade", volume para tudo, para este boom dos elétricos? Como é que vamos produzir energia elétrica? Vamos andar a preocupar-nos com as emissões aqui, nas cidades, nas estradas, mas vamos continuar a produzir energia com carvão no centro da Europa?
Temos aqui um problema: para sermos verdes no automóvel, estamos a produzir muita energia neste momento com carvão no centro da Europa? Como é que vamos produzir energia? E aparece aqui a questão da energia provavelmente neste momento mais limpa, que é o nuclear. Esta discussão não é tão pequena quanto isso.
Em sua opinião, o elétrico é de facto a tecnologia de futuro?
Com os avanços que foram feitos com o elétrico, já não dá para recuar. Mas o elétrico não vai ser a única solução que vamos ter disponível e podemos ter soluções que se traduzam, por exemplo, numa pegada até mais benigna e mais interessante do que temos no elétrico. Os combustíveis sintéticos, por exemplo, podem ser uma solução.
Aquilo que se apresenta hoje pode não ser exatamente aquilo que teremos daqui a 10 anos, porque existem muitas marcas europeias e não europeias que continuam a trabalhar em soluções de motorização que não tenham apenas o elétrico como conceito. Se pensarmos daqui a 5 anos, vamos ver que houve uma evolução muito mais agressiva, foi disruptiva e, provavelmente, não vemos só a solução do elétrico como a única forma de alimentar os motores em circulação.
Neste momento, qual é o peso deste segmento, do elétrico, na indústria automóvel em Portugal?
Isso não se pode dizer assim, porque os fornecedores em Portugal alimentam 98% dos automóveis fabricados na Europa. Portugal tem uma componente, ou mais do que uma, em cada automóvel que circula na Europa. Isto é muito importante para as empresas portuguesas, um motivo de orgulho.
Também já produzem, então, muitos componentes para carros elétricos?
Exatamente. Eu posso estar hoje a produzir o motor elétrico, ou a capa do motor elétrico, o recheio, ou o interior do motor elétrico. Nas estatísticas nacionais, não sabemos se ele vai para este ou para o outro. As exportações para a Suécia, tem crescido bastante e têm sido significativas e na Suécia só se produzem, neste momento, carros elétricos, por exemplo.
Voltando a olhar para o lado do consumidor, quem ainda está a comprar mais elétricos em Portugal, são sobretudo as empresas?
Sim.
Já compensa a uma família normal comprar um carro elétrico?
Palestrante 1
Vi há pouco tempo um estudo... Se eu tiver uma habitação unifamiliar, se tiver uma garagem para poder ter o carregamento, se viver a uma distância da estação de comboios ou do sítio onde vou trabalhar, que não me obriga a carregar o veículo neste processo, se não tenho que sair do sítio, sem contar para ir fazer uma viagem e tal, se tiver dinheiro para compensar todo este processo, o elétrico é uma boa solução. Os consumidores que compram veículos elétricos têm que estar convictos que aquilo é mesmo uma solução do ponto de vista da pegada de carbono.
Alguém que tenha, por exemplo, 60 anos, porque é que vai comprar um elétrico que é mais caro?
Mas a tendência do preço dos elétricos é que baixe progressivamente.
O limiar da rentabilidade das baterias ainda está longe, mas estamos todos a trabalhar para encontrar soluções que permitam que aquele que é o elemento mais caro dos automóveis elétricos possa baixar, possa ter um efeito altamente positivo.
A Europa ainda está dependente da China na questão das baterias? Apesar dos incentivos europeus, de que já falou.
Temos outra questão que é o número de fábricas de produtores de baterias em toda a Europa. Eu acho que temos uma overdose. Partimos do zero para termos uma overdose.
Mas continuam a ser um problema?
Continuam a ser um problema, mas mais do que tudo, é um problema pelo custo. E depois para os quilómetros de deslocação, quantos quilómetros é que eu posso percorrer? Isto é que é importante.
Porque é que os chineses conseguem colocar no mercado baterias mais baratas do que nós? Qual é a vantagem competitiva dos chineses?
Desde logo, as matérias-primas. O lítio, por exemplo. Em Portugal também temos lítio! E para além de tudo, produzem também mais barato, têm custos mais baixos. E é só isso? Provavelmente não é, porque também deve haver uma ajuda do Estado para que eles fiquem mais baratos e consigam entrar a preços mais baratos na Europa.
É o braço de ferro da União Europeia com a China.
Um inquérito Europeu sobre este assunto demonstrou que havia ajudas do Estado para a produção não só das baterias, mas de outras componentes.
Seria decisivo para o setor a exploração do lítio em Portugal?
Eu acho que o lítio é uma matéria-prima importante, com algum nível de raridade, é esgotável. Acho que devemos preconizar é o cumprimento das regras. Temos que procurar que o lítio não transforme a paisagem em buracos. Temos que ter um conjunto de regras que permitam que isso não aconteça e que se possa transformar um material raro, necessário à indústria, não só à automóvel mas a tudo o que tenha a ver com baterias, numa vantagem.
A solução não pode ser nunca não explorar?
Exatamente.