15 fev, 2025 - 08:00 • Sandra Afonso , Arsénio Reis
Está em funções há cerca de duas semanas um novo grupo de trabalho, nomeado pela ministra Rosário Palma Ramalho, para analisar a sustentabilidade da Segurança Social (SS), quando ainda se discute o Livro Verde da SS, entregue ao atual Governo pelos peritos nomeados pelo anterior executivo. Vítor Junqueira, economista e um dos autores do documento, não discute as intenções da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, mas deixa avisos, alertas e recomendações sobre o sistema que deverá suportar as pensões futuras.
Em entrevista ao programa Dúvidas Públicas, Renascença, o economista defende as previsões mais otimistas do grupo de trabalho de que fez parte, sobre a sustentabilidade do sistema, mas avisa que medidas como a possibilidade de um salário extra isento de contribuições, que entrou em vigor no Orçamento do Estado para este ano, ou o discurso de alguns políticos contra a entrada de imigrantes, ameaçam a Segurança Social e a sustentabilidade do sistema.
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O antigo diretor do Centro Nacional de Pensões explica, também, como chegou a um corte de mais de 20% nas pensões futuras, uma consequência das últimas reformas e da alteração da fórmula de cálculo. Ainda assim, também garante que é possível chegar à reforma com uma pensão próxima do último ordenado.
Ainda em matéria de valores, defende alterações no mecanismo de atualização das pensões que, não sendo urgentes, diz serem necessárias. Entre elas, observar o crescimento durante mais tempo e, sempre que existir deflação ou inflação negativa, aplicar essa descida nas pensões, logo que se observem crescimentos.
Este perito avisa ainda, em linha com o que tem sido discutido no debate público, que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social não deve ser usado para pagar o défice da Caixa Geral de Aposentações, uma obrigação assumida pelo Estado.
O Dúvidas Públicas é o programa semanal de economia da Renascença, que este sábado conta com Vítor Junqueira, economista responsável pela produção de projeções da sustentabilidade do sistema de pensões. Foi diretor do Centro Nacional de Pensões, esteve envolvido na criação do complemento solidário para idosos e é um dos autores do Livro Verde da Segurança Social, recentemente concluído e entregue ao Governo.
Esta entrevista está também disponível no YouTube e em podcast.
Iniciou funções no final de janeiro um novo grupo de trabalho que vai analisar a sustentabilidade da Segurança Social e propor medidas para a reforma do sistema. O Governo está a adiar a tomada de medidas? Não foi justamente este o trabalho que a Comissão do Livro Verde entregou já a este executivo?
Não consigo falar muito acerca das intenções deste Governo em criar um novo grupo. Eu fiz parte da comissão que trabalhou no Livro Verde, publicado há pouco tempo e cujas notas técnicas também foram publicadas muito recentemente.
Procuramos nesse trabalho, sobretudo, fazer um diagnóstico do sistema de segurança social previdencial, que envolve contribuições, descontos por parte dos trabalhadores e que lhes confere o direito a um subsídio de desemprego, um subsídio de doença, uma pensão no futuro. Um diagnóstico se este sistema tem condições para ser sustentável no futuro, tanto do ponto de vista financeiro, como do ponto de vista social. Isto é, conseguir providenciar às pessoas pensões que de facto lhes permitam substituir o rendimento de trabalho que deixam de ter. Vou falar em nome próprio. Para mim, o importante do livro verde foi este diagnóstico.
É aí que se distingue este novo grupo de trabalho?
Este grupo, criado agora por este Governo, tem um caderno de encargos mais concreto, mas enfim, fico a aguardar pelas conclusões. Há temas que eu desde já fico com alguma preocupação, tais como a questão da Caixa Geral de Apresentações e respetivas contas. Pelo menos, da forma como estão a ser discutidas na praça pública.
Acho que, por desconhecimento na maior parte das vezes, por alguma outra intenção que não consigo aqui descortinar, há uma tendência para misturar o sistema previdencial da Segurança Social com a Caixa Geral de Apresentações (CGA), que foi uma caixa criada para servir os funcionários públicos e que tem regras, tem pressupostos, tem um histórico completamente diferente.
Levanta-me alguma preocupação que se possa querer estar a colocar tudo no mesmo saco. A discussão está muito polarizada em torno deste tema, há quem ache que não deve haver qualquer mistura entre as duas coisas, há quem ache que a mistura deve ser completa.
"Não faria sentido nenhum usar Fundo de Estabilização da Segurança Social para cobrir responsabilidades futuras do Estado"
Qual é a sua opinião?
Enquanto economista e enquanto estudioso deste tema das pensões, entendo que as pensões e o futuro do financiamento de um regime como o da CGA, que se encontra fechado, isto é, não aceita mais novos trabalhadores a contribuírem, deve ser uma preocupação e deve ser estudado.
Estamos a tentar perceber como é que uma economia gera recursos que possam sustentar uma camada da população que já não trabalha e que está em maior proporção nessa sociedade.
As duas coisas devem ser vistas com lentes quase idênticas ou idênticas, porque o problema de base é o mesmo, é o envelhecimento da sociedade.
Mas este problema da Caixa Geral de Apresentações já se previa desde o início. É uma fatura que o próprio Estado assumiu como dele.
Exatamente. E desde há muito mais tempo, porque o sistema da Caixa dos Funcionários Públicos é muito mais antigo até do que o Sistema de Segurança Social uno, como o conhecemos hoje. E, se hoje ambos os regimes têm semelhanças, é muito por força da convergência introduzida em 1993 e que foi muito reforçada em 2005, 2006. A verdade é que temos um histórico diferente, que faz diferenciar estes regimes.
O Regime de Segurança Social, para o qual os novos trabalhadores da Administração Pública, que ingressaram desde 2006, contribuem, é o sistema contributivo em que qualquer um de nós, quando recebe o salário ao final do mês, há uma parte que vai para a Segurança Social, para pagar os encargos com subsídios de emprego, com subsídios de doença, com pensões dos que estão neste momento a recebê-las. Enquanto trabalhadores, pagamos as responsabilidades do sistema para aqueles que não podem trabalhar.
O caso da CGA hoje tem contornos semelhantes, os trabalhadores também fazem descontos, mas nem sempre foi assim. Só desde há 20 anos é que começou a haver aqui uma convergência nesse sentido. Portanto, o sistema nunca sobreviveu historicamente em função de contribuições dos seus trabalhadores. O patrão, neste caso o Estado, assumia que pagaria as pensões aos seus trabalhadores.
Concorda, então, com os receios que foram levantados recentemente por dois antigos ministros, Bagão Félix e Vieira da Silva, que alertaram para a possibilidade do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social ser usado para pagar o défice da Caixa Geral de Apresentações?
Eu estava presente e sim, concordo plenamente com aquilo que ambos os antigos ministros disseram. Receio que, ao misturarmos estes dois temas, possamos querer encontrar aqui soluções idênticas, com mecanismos idênticos, sendo que, por exemplo, o FEFSS - Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, foi criado para ocorrer a deficiências do sistema previdencial e tem vindo a ser financiado, sobretudo, por contribuições daqueles que se encontram afetos ao regime geral de segurança social.
Portanto, vejo com algum receio também que possa haver a ideia, espero que não, não faria sentido nenhum fazer uso deste fundo para cobrir responsabilidades futuras que são do Estado.
Este grupo de trabalho, de qualquer forma, vai analisar o regime da Caixa Geral de Apresentações em conjunto com o regime geral de Segurança Social. Isto faz sentido? Como é que se faz esta integração progressiva, mantendo os direitos das pessoas que estão na CGA?
Faz sentido, pelo menos, traçar o diagnóstico de forma integrada. A própria Comissão Europeia trata dos dois temas de uma forma conjunta. Perceber como é que a economia conseguirá suportar as pensões dos futuros pensionistas, sejam eles do regime geral de segurança social, sejam do regime da CGA, dos funcionários públicos. Encontrar aqui soluções idênticas para coisas que são diferentes, eu julgo que não.
Já falámos aqui da sustentabilidade, a ministra também já disse que não será feita nesta legislatura nenhuma alteração estratégica no sistema de pensões, que isso não está no programa do Governo. Podemos continuar a adiar soluções nesta área?
Primeiro, precisamos perceber se existe a necessidade de tomarmos soluções, daí a importância que dou ao diagnóstico no Livro Verde. O que as projeções nos revelam agora é que podemos ter algum otimismo, embora eu tenha sempre muita cautela quando digo estas coisas, porque se tem que verificar um conjunto de condições para que as previsões se verifiquem. As projeções são feitas com base no que sabemos agora, o que conseguimos antecipar.
Nas reformas de 2002 e 2007, o sistema foi dotado de mecanismos que têm vindo a torná-lo resiliente a estas mudanças, mesmo quando tivemos crises como a financeira ou como a pandemia. Estamos hoje a atravessar um dos melhores momentos de sempre no sistema de segurança social.
"Quem tenha uma carreira completa, 40 anos de descontos, pode esperar chegar à reforma com uma taxa de substituição na ordem dos 90%"
Ainda assim, está instalada a ideia de que os trabalhadores, sobretudo os mais novos, já não terão reformas. O Livro Verde é mais otimista, mas é incontornável que as reformas futuras serão mais baixas?
Verdade. Em média, sim, terão tendência a ser mais baixas, porque com as reformas de 2002 e depois em 2007, mudou-se o paradigma de cálculo de uma pensão.
Antigamente, pelo menos de 1993 até 2002, a pensão era calculada com base nos melhores 10 anos dos últimos 15 de trabalho. Ora, normalmente as pessoas têm remunerações mais altas no final. Isto produzia pensões mais generosas.
Porque o cálculo tem vindo a contar cada vez mais com a carreira completa ou, pelo menos, os melhores 40 anos da carreira. Há aqui uma tendência para fazer baixar o valor dessa remuneração média, que é tida em conta.
Mas, atenção, nos cálculos que fiz para o Livro Verde estimo a diferença destes dois salários médios (os melhores 10 anos dos últimos 15 e a carreira completa), há aqui uma redução de 20%. Mas, não podemos esquecer que com a reforma também foram introduzidos ou foram alterados outros mecanismos que assistem ao cálculo de uma pensão que permitem, de certa forma, compensar esta perda.
Mas, até que ponto é que é compensada, digamos assim?
Em média, haverá sempre uma redução por comparação com o que era o modelo mais generoso, até 2002, 2007. Mas também não é aquilo que já tenho visto no debate público, inclusive no Parlamento, de que vamos ter aqui uma quebra brutal, que se baseia em dados que eu só posso dizer que estão errados.
O alarmismo todo que se gerou com a queda das taxas de substituição, aquilo que o valor da primeira pensão representa face ao último salário. Uma pessoa que recebia mil euros de salário e passa a receber uma pensão de 800, temos aqui uma taxa de substituição de 80%.
Circularam dados, produzidos no âmbito dos estudos da Comissão Europeia, de que as taxas de substituição em 2045, 2050, seriam de 30 e tal por cento. Isto era uma diferença brutal, mas não se compreende estes resultados, porque este estudo da Comissão Europeia apresenta uma taxa de substituição média na ordem dos 90% e depois, apenas em cinco anos, a quebra é para 38% ou 39%. Não faz sentido nenhum. Por outro lado, a nossa fórmula de cálculo das pensões é, ao nível europeu, uma das mais generosas.
Quem tenha uma carreira completa, 40 anos de descontos, pode esperar chegar à reforma com uma taxa de substituição na ordem dos 90%.
Deverá receber na reforma apenas menos 10% do que o último salário.
Exatamente, e estamos a falar em termos brutos. Se formos às taxas de substituição líquidas, que é quando comparamos a pensão líquida com o que era o salário líquido, esta taxa de substituição ainda é maior. Porque as pessoas, quando recebiam o salário, descontavam 11% para a Segurança Social, quando passam a receber a pensão, essa contribuição desaparece. Fica apenas o IRS.
Em termos líquidos, a taxa de substituição pode chegar até mesmo aos 100%, para quem tenha uma carreira completa.
Depois há fatores, mas isso acontece em qualquer sistema de pensões e, não há aqui outra forma de resolver, há fatores que conduzem a taxas de substituição mais baixas ao nível individual, em termos médios.
Claro, se uma pessoa tem apenas 20 anos de descontos, não é expectável que tenha uma taxa de substituição elevada. Salários baixos também vão conduzir naturalmente a uma pensão baixa. Mesmo assim, a quebra nunca será de 30%, como os dados que depois vieram a trazer ruído na discussão pública.
Um dos objetivos do Governo é incentivar a permanência na vida ativa. O Livro Verde já propõe o fim do acesso à reforma aos 57 anos para os desempregados, mesmo com penalizações. Uma medida recebida com críticas. Há outras formas de travar a reforma antecipada, como aumentar as penalizações, por exemplo?
A questão das reformas antecipadas é complexa, temos diferentes formas de acesso e importa distingui-las.
A modalidade mais frequente é a antecipação por flexibilização. Damos a possibilidade de alguém se reformar a partir dos 60 anos e ter uma penalização que é calculada em função da distância que se encontra à idade da reforma. Estamos a dizer-lhe que pode deixar o mercado de trabalho, só que passa a ganhar menos. E há quem prefira abandonar o mercado de trabalho, porque já tem outras preocupações, a pensão com que fica é suficiente para suportar os anos que se espera que viva.
Outro regime importante de antecipação é o dos desempregados de longa duração. Aí estamos perante uma opção forçada, em que a pessoa se vê desempregada e com aquela idade já se torna mais difícil encontrar emprego. O sistema permite sair com ou sem penalização, conforme as diferentes modalidades que existem. O que é proposto no Livro Verde é que esta modalidade dos 57 anos seja repensada e, eventualmente, extinguida.
"Livro Verde propõe que a reforma antecipada aos 57 anos seja repensada e, eventualmente, extinguida"
Já não faz sentido?
Já não fará tanto sentido nos dias que correm, com a evolução do mercado de trabalho, a falta de mão de obra que existe e a esperança da melhoria de vida... Sabemos que há combinações entre empregador e empregado para o colocar no desemprego, porque depois vai para a reforma e a pessoa, se calhar até mal informada, adere à proposta. Portanto, acaba por tornar-se muitas das vezes um veículo de saída das pessoas do mercado de trabalho, não tanto por uma situação forçada de desemprego, mas por uma opção. E, para ser opção, o que o sistema diz é que é a partir dos 60 anos, pelo tal regime de flexibilização.
Um outro autor do Livro Verde, o economista Armindo Silva, diz que as reformas antes dos 60 têm servido muitas vezes para financiar as rescisões amigáveis nas empresas. É, no fundo, o que nos está a dizer?
Não é uma conclusão que tiremos a partir de dados, porque não conseguimos ter essa informação.
Mas concorda?
Concordo, sim. Vamos sabendo sempre de casos, quanto mais não seja de casos que nos são próximos, de familiares ou de amigos, isso acontece.
Faria sentido que a idade da reforma antecipada avançasse como a idade da reforma normal, em função da esperança média de vida? Ou isso já acontece, de alguma forma?
Foi aplicado. Além destes dois regimes grandes da antecipação da reforma existem, por exemplo, outros regimes muito específicos para pescadores, para bombeiros, para trabalhadores nas minas, nas pedreiras, para controladores de tráfego aéreo, pilotos de aviação, etc. A maior parte destes pequenos regimes da antecipação já tem essa indexação, em função da idade mínima de saída à esperança média de vida. À medida que a idade normal de reforma avança, também essa idade mínima de antecipação avança.
Eu acho que sim, que também o regime de antecipação por flexibilização e o regime de antecipação para desempregados de longa duração deviam ter isso em conta e também fazer avançar as idades mínimas.
O que é que está aqui em causa? O avanço na longevidade, na esperança de vida. Sabemos que em muitos casos mais anos de vida não significam qualidade, mas as pessoas estão a morrer mais tarde. Isso também leva a transformações no próprio mercado de trabalho e na vida das pessoas.
Gerações anteriores, começavam a trabalhar mais cedo, casavam mais cedo, tinham filhos mais cedo, era natural também que se reformassem mais cedo. Nós e as gerações seguintes entram mais tarde no mercado de trabalho, são mães cada vez mais tarde. Há aqui todo um avanço na vida das pessoas e um sistema de pensões deve ser dinâmico o suficiente para acompanhar estas mudanças na sociedade.
Entramos agora na área da fiscalidade. O Livro Verde recomenda uma contribuição sobre o valor acrescentado líquido, o chamado VAL, que iria substituir a Taxa Social Única (TSU). Quais são as vantagens e os riscos desta medida? Concorda com ela?
Não sou a pessoa mais indicada, no grupo de pessoas que fez parte desta comissão, para falar deste tema. O que sei é que o peso dos salários na economia tem vindo a diminuir, muito por força das transformações que tem havido nas próprias economias, uma maior automatização de processos, uma maior digitalização e o fator capital que tem vindo a ganhar peso na produção de riqueza.
Essa é justamente uma das críticas dos empresários.
Aqui, uma vez que o sistema de pensões, o sistema de segurança social, está muito dependente do fator de trabalho, era uma forma de podermos retirar um pouco da importância do trabalho no financiamento do sistema e haver também a participação do capital no financiamento do sistema de pensões. Garantir aqui um equilíbrio, e para que não seja aqui prejudicado o financiamento das pensões futuras.
Mas tenho algumas dúvidas, receios, do que é que isto possa implicar em termos de afastamento de determinadas áreas emergentes da economia, especialmente na inovação, que são empresas que, como sabemos, têm muito capital intensivo.
Há, aliás, empresas que não descontam para a TSU, porque a lei, que não mudou desde 2011, neste momento nem sequer as abrange.
Porque há empresas que têm um número de trabalhadores muito reduzido, mas não deixam de ter uma grande produção, um volume de negócios bastante elevado. Há novas formas de trabalho a que o sistema de Segurança Social deve estar permanentemente atento e um passo à frente, para garantir que, pelo menos os trabalhadores, por exemplo, das plataformas digitais, possam não sair prejudicados.
Uma das medidas deste Governo, incluídas no Orçamento do Estado, é a possibilidade de as empresas pagarem um salário extra, isento de contribuições, que foi contestada por muitos partidos. O que é que pensa desta medida?
Representa uma fuga oficial, legalizada, às obrigações que empresas e trabalhadores devem ter no âmbito do financiamento da Segurança Social. Representam também um prejuízo para os trabalhadores, porque ao verem parte que, por vezes, pode ser bem significativa, dos seus vencimentos anuais ser isenta, depois também, menos direitos terão. Quando chegarem à altura de se reformarem, não terão a pensão que teriam se aqueles rendimentos não tivessem sido isentos. Vejo com muito receio medidas desta natureza. É um péssimo princípio, é um péssimo princípio.
Já tivemos também aqui alguns entrevistados que destacaram o contributo dos imigrantes para a Segurança Social, tanto nas receitas como através da natalidade. Que efeitos e consequências é que, no fundo, os imigrantes, que são absolutamente necessários, terão?
Há mais de 40 anos que as mulheres têm menos filhos do que deveriam para assegurar o rejuvenescimento da sociedade. O que a imigração aqui nos veio trazer é precisamente, se não o rejuvenescimento, mas pelo menos o reforço da população em idade ativa, o que é extremamente importante para assegurar a pensão e outras prestações daqueles que não podem trabalhar.
Desde pelo menos 2017, temos tido sempre saldos migratórios positivos, mais gente a entrar do que a sair, e por vezes com aumentos muito significativos. Isto tem ajudado muito a contrariar esse envelhecimento e essa erosão da faixa demográfica de pessoas em idade ativa. Os próprios imigrantes têm um índice de fertilidade maior. Há mais crianças a nascer de mães não portuguesas do que mães portuguesas.
Estes últimos anos foram muito importantes para o reforço e para os saltos importantes que houve no sistema de Segurança Social. Mas não são suficientes. Mas já nos permitem, pelo menos, ter algum otimismo naquilo que serão os próximos 30, 40 anos. Sabemos que vamos ter défices, mas temos um fundo de estabilização financeira da segurança social que constitui uma almofada para quando houver défices.
Agora, se temos movimentos que vêm contrariar este fluxo migratório e se temos esta perceção cada vez mais generalizada, mesmo ao nível do centro político, de que é preciso fechar portas, então voltamos à estaca zero e voltamos a ter o mesmo problema de envelhecimento como falávamos há 10, 15 anos.
Recomendam alterações no mecanismo de atualização das pensões. Esta mudança é urgente?
Na altura em que trabalhámos o tema, no âmbito da comissão, parecia mais urgente. Este mecanismo de atualização depende do crescimento económico e da inflação. E o que o mecanismo de atualização automática nos dizia era que quando houver um crescimento enorme, acima de 2% ou 3% (não é propriamente elevado), vamos aumentar mais as pensões. E foi isso que aconteceu. Mas, neste caso, era um crescimento económico a fingir. Era uma recuperação da queda abrupta com a pandemia.
Isto era um dos motivos que faria, e continua a fazer sentido, alterar o mecanismo de atualização para que observemos mais anos para trás. Atualmente, o mecanismo olha para os dois últimos anos de crescimento económico e o que eu propunha era que este horizonte temporal fosse dilatado, para atenuar estas oscilações mais abruptas.
Depois havia a questão da inflação negativa, quando as pensões não descem. Da maneira como o mecanismo foi criado, em 2006, elas desceriam quando houvesse uma inflação negativa. Quando isso aconteceu em 2010, o Governo suspendeu o mecanismo de atualização, para não fazermos descer o valor nominal das pensões.
Depois foi corrigido, passando a dizer que quando houver uma inflação negativa não há atualização das pensões. Acho que, ainda assim, deve ser corrigido também, porque se há uma inflação negativa e não fazemos qualquer atualização das pensões, a pensão ganha poder de compra. Acho que quando há inflação negativa, quando há deflação, quando os preços descem, então se não podemos atualizar, se não podemos reduzir as pensões este ano, então quando para o ano seguinte houver um aumento, incorporamos aquilo que devíamos ter reduzido este ano nesse aumento.
Desconta-se no ano seguinte.
Isso.
Quando defendem planos profissionais de poupança para a reforma, é um incentivo, de alguma forma, a fundos e a mecanismos privados?
Privados e públicos. É dar flexibilidade às pessoas, mais uma vez na perspetiva de que as pensões possam vir a descer, porque a fórmula de cálculo é um pouco mais... Penalizadora, ou menos generosa do que a anterior.
É uma possibilidade, por opção individual ou até no âmbito da contratação coletiva, como era prática muito comum nas grandes empresas públicas, que tinham um plano de pensões próprio da empresa para os trabalhadores.
Se tivesse que dar um conselho sobre esta matéria aos seus filhos, o que é que lhes diria para eles terem cuidado ao longo dos próximos anos?
Primeiro, para nunca entrarem em propostas de fuga ao sistema, de terem a preocupação de que os anos de trabalho contem para a carreira. Isso é importantíssimo no cálculo da pensão, quando chegarem à reforma.
Nunca aceitem ganhar ou declarar, que é cada vez mais difícil, parte do que recebem, porque isso também traz consequências graves no futuro. Muitas das pensões baixas que temos hoje são resultado disso. Pessoas que, por opção ou porque foi-lhes imposto, não tiveram capacidade de fazer os descontos que deviam ter feito, nos anos em que deviam ter feito.
Sobre os regimes de proteção complementar, eu acho que isso depende da forma como o sistema também for evoluindo e da saúde que o sistema for tendo. Eu, pessoalmente, não vi necessidade ainda de recorrer a mecanismos de proteção complementar. Mas, se calhar não o valorizo da mesma forma que outra pessoa da minha idade, na mesma circunstância.
O sistema pode não ser inteiramente transparente hoje, mas já vai fornecendo muitas pistas de como é que pode ser a nossa pensão no futuro. O cidadão comum pode ir à segurança social direta, tem lá os seus descontos todos e a previsão das suas remunerações futuras. Se as regras atuais se mantiverem, aquele será o valor da sua pensão. Já pode ter uma ideia se vale a pena avançar para um PPR, para um certificado público de reforma ou para qualquer outro produto que lhe garante maiores rendimentos no futuro.