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Dúvidas Públicas

Óscar Afonso: "Sou a favor do escrutínio dos políticos, mas não podemos cair no exagero"

01 mar, 2025 - 12:00 • Sandra Afonso , Arsénio Reis

Os políticos não estão impedidos de terem empresas, mas não vale tudo, avisa Óscar Afonso, um dos fundadores do Observatório de Economia e Gestão de Fraude. O diretor da Faculdade de Economia do Porto defende o escrutínio dos políticos e o agravamento de penas e multas nos crimes de corrupção e diz que o Plano Anticorrupção do Governo não terá impacto, criticando a falta de vontade política no combate a estes crimes.

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Óscar Afonso defende escrutínio dos políticos, mas alerta para o risco de se cair em exageros
Óscar Afonso defende escrutínio dos políticos, mas alerta para o risco de se cair em exageros

O diretor da Faculdade de Economia do Porto (FEP), Óscar Afonso, defende o escrutínio dos responsáveis políticos e de cargos públicos, mas adverte para exageros.

"Sou a favor do escrutínio dos políticos. Agora, também não podemos cair no exagero", diz o economista e um dos fundadores do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) em entrevista ao Dúvidas Públicas, da Renascença,

"O escrutínio é bom, é virtuoso, mas em exagero, podendo criar perceções negativas, não e podemos chegar ao limite de os melhores não estarem disponíveis para a vida pública, o que também não é muito bom", completa.

“Para os efeitos do RGPC (Regime Geral da Prevenção da Corrupção) entende-se por corrupção e infrações conexas os crimes de corrupção, recebimento e oferta indevidos de vantagem, peculato, participação económica em negócio, concussão, abuso de poder, prevaricação, tráfico de influência, branqueamento ou fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito. (Mecanismo Nacional Anticorrupção)

É muitas vezes associada a cargos públicos, mas pode surgir em qualquer atividade económica. A corrupção, hoje, é um largo chapéu onde cabem muitos e diferentes tipos de infrações e crimes. Aqui, não basta ser, é preciso também parecer.

Óscar Afonso lembra que nada impede um político de ter uma empresa ou parte do capital, mas não vale tudo.

Neste momento, o país continua em suspenso a aguardar novas explicações de Luís Montenegro sobre a empresa familiar Spinumvida. Falta esclarecer exatamente que atividade tem neste momento, depois do Expresso divulgar que estava a receber uma avença mensal de uma empresa de casinos.

Ainda assim, Óscar Afonso diz que é relevante o facto de a empresa ter sido constituída antes das alterações à lei dos solos ou mesmo do primeiro-ministro tomar posse.

Este caso, que começou com a alteração de uma lei, entretanto aprovada, já levou à demissão de um secretário de estado e a uma micro remodelação governamental.

Plano Anticorrupção do governo é cosmética

A ministra da Justiça anunciou há duas semanas que mais de metade da Agenda Anticorrupção, com 32 medidas, já está executada. No entanto, não terão impacto na corrupção, garante Óscar Afonso. Segundo o professor catedrático este plano “não passa de cosmética”.

O principal problema é a falta de meios, acrescenta o director da FEP, que dá como exemplo o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), uma boa ideia mas que nunca teve meios para uma implementação efetiva. Outro exemplo do que não funciona, segundo o professor, é a CRESAP, a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública.

Óscar Afonso admite que falta vontade política para atacar a corrupção, o que é visível na inversão do ónus da prova. Defende ainda o agravamento de penas e coimas nos casos de corrupção e quando estão envolvidos cargos públicos.

A regulamentação do lobby é outro dossier eternamente adiado, que podia ser um instrumento de combate à corrupção, embora aqui o professor identifique vantagens e desvantagens. A União Europeia também ainda não assumiu uma posição comum sobre o lobby, cada Estado-membro tem a sua estratégia.

Óscar Afonso acrescenta também que a regionalização seria uma solução melhor para o país do que a descentralização, até para combater a corrupção, que ao nível municipal é mais elevada.

Para impedir as chamadas portas giratórias, entre cargos políticos e empresariais, defende um período de nojo de pelo menos 2 anos, até ao regresso a empresas do setor.

Nas prioridades do governo, para combater este tipo de crime, deve esta a descida dos impostos, a diminuição da burocracia e o aumento da fiscalização. É a receita contra a corrupção, deixada por Óscar Afonso em entrevista à Renascença.

Óscar Afonso é doutorado em Economia, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) e atual Diretor da FEP. É membro fundador do OBEGEF (Observatório de Economia e Gestão de Fraude, autor de livros e de mais de 130 artigos em revistas científicas internacionais.

O programa Dúvidas Públicas é transmitido aos sábados, a partir do meio-dia, e está sempre disponível em podcast, no Youtube ou aqui no site da Renascença.

Esta entrevista foi gravada na quinta-feira, dia 27 de fevereiro.


Portugal caiu nove lugares em 2024 e teve o pior resultado sempre no Índice de Perceção da Corrupção, publicado pela Transparência Internacional. É um dos piores desempenhos na Europa Ocidental. Esta imagem que os cidadãos têm aproxima-se da realidade?

É verdade que caiu nove posições, para o lugar 43. Eu creio que essa queda foi influenciada pelos casos mediáticos de corrupção que todos conhecemos. Obviamente que isso tem implicações: prejudica a reputação do país e afasta certamente investidores; pode minar também a confiança nas instituições, há aqui uma perda de confiança interna que também não nos favorece muito; e os resultados negativos podem naturalmente influenciar medidas anticorrupção mais rigorosas, há aqui uma pressão para reformas, o que não deixa de ser algo positivo.

Essas são as consequências. Mas esta perceção que os cidadãos têm aproxima-se da realidade?

Acho que sim. Naquilo que eu vou observando e também nos estudos que fui fazendo, não diretamente relacionados com a corrupção, mas mais com a economia não registada, também da observação de diversos autores com trabalhos publicados em revistas científicas muito reputadas, acredito que este valor 43 se aproxima da perceção...

O que quer dizer que tem aumentado nos últimos tempos?

É verdade, tem aumentado nos últimos tempos.

No caso da economia não registada, observamos que tem de facto vindo a aumentar, nesse sentido esta degradação da posição de Portugal no índice de perceção de corrupção está alinhada com aquilo que acontece no caso da economia não registada.

O que é que é realmente considerado corrupção? Porque cabem aqui vários conceitos.

Muitas vezes até pode nem ser a economia não registada, aquela que não é contabilizada no âmbito do Produto Interno Bruto efetivo, portanto tudo aquilo que por diferentes razões não está no PIB efetivo. Pode ser motivada por economia ilegal, por economia subterrânea, subdeclarada ou oculta, pode ser por economia informal, pode ser por deficiências da estatística, pode ser por autoconsumo.

Também conhecida por economia paralela.

Economia paralela, se quisermos usar uma designação mais popular.

A corrupção obviamente que é muito disto, mas é um conceito muito mais abrangente, porque há muitas parcelas da economia registada que são também corrupção. Para mim corrupção, de uma forma muito mais abrangente, é uma caixa negra, que não deveria acontecer e que obviamente penaliza a economia, mas também a sociedade.

É mais abrangente até do que a fraude, é mais abrangente do que a economia não registada, é mais abrangente do que os abusos de poder. Inclui tudo, no fundo.

Tem analisado a chamada economia paralela. Há dados novos para Portugal, como é que têm evoluído?

Os últimos dados que temos são relativos a 2022, mas também os valores não se devem afastar muito. O que observamos é que ela representa à volta dos 30%, 30 e pouco por cento.

Este valor nunca é muito preciso. Quando nós fazemos o estudo apenas para Portugal, as estimativas são mais fidedignas.

Eu estou confortável a dizer que os valores rondam os 30 e pouquinho por cento, e que rondarão mais ou menos os 80 mil milhões de euros por ano. O que equivale, que é significativo, a seis orçamentos do setor da saúde, ou a 30% da dívida pública nacional. É um valor muito significativo.

Se fosse possível fazer o download da economia paralela para a economia real, o país estaria bastante melhor?

Certo. Mas muita desta economia não registrada acaba depois, mais cedo ou mais tarde, por entrar na economia oficial. Porque o dinheiro não desaparece, fica por aí, acaba por entrar na economia real.

Com estes valores, com mais impostos, teríamos naturalmente um excedente ainda mais significativo e mais expressivo. O Estado podia cumprir melhor as suas funções, promover a eficiência, a equidade, o crescimento económico e também a estabilidade macroeconómica, que são as missões, neste caso, do Governo. Para além disso, esta economia paralela também desvirtua a concorrência.

Voltando ao Índice de Perceção da Corrupção, uma das justificações para o agravamento deste índice para Portugal é o abuso de cargos públicos para benefício privado e eles dão como exemplo a Operação Influencer. Agora temos a polémica Lei dos Solos, mas são comparáveis?

Para já não, porque a Lei dos Solos ainda não está materializada, ainda não teve efeitos, não teve implicações.

Estamos a falar de algo que é legal, está em conformidade com a lei, pode é muita gente aproveitar-se da Lei dos Solos.

Partilha das críticas que são feitas de que essa lei promove a especulação e pode ser uma via verde para a corrupção?

Eu encontro vantagens e desvantagens. Como vantagens, vai ampliar terrenos disponíveis para construção e potencialmente pode reduzir os preços, incentiva o desenvolvimento de áreas periféricas, reduzindo também a pressão sobre centros urbanos.

Quais são os contras que eu observo? São as ligações entre decisores políticos e o setor imobiliário, que geram polémica e podem gerar conflitos de interesse. É o impacto ambiental, portanto a urbanização pode causar a impermeabilização do solo, inundações e perda da biodiversidade. Também, sem medidas complementares, a lei pode alimentar a especulação, aumentando o preço dos terrenos, no final do dia. Depois também observamos que a maior parte das denúncias de corrupção são sobre a ação das autarquias, mais ou menos à volta dos 49%, e portanto isto ainda pode aumentar essa percentagem.

Além disso, a expansão urbana exige investimentos em redes de saneamento, abastecimento de águas e transportes, e portanto acresce novos investimentos necessários, e pode levar à perda de património cultural e paisagístico de zonas rurais, que entretanto acabam por ser desvirtuadas ou descaracterizadas.

E neste debate em torno da lei dos solos e dos políticos com interesses imobiliários, estamos a confundir corrupção com conflito de interesses? O debate está enviesado?

Os políticos ou qualquer pessoa, qualquer um de nós, é livre, estamos numa economia de mercado, é livre de poder ter empresas e de poder atuar por essa via. Não há nada que nos limite. Sou sempre a favor do empreendedorismo e isso gera atividade económica.

Agora, se nós nos aproveitamos da lei para benefício próprio, criando empresas com a expectativa de que isso nos vai beneficiar, ou seja, se nós beneficiarmos de informação que temos que outros não têm para benefício próprio, aí já acho mal.

Um Ministro da Agricultura pode ter uma quinta, ou um Ministro da Economia, Participações e Empresas, desde que não usufrua desse facto por ter informação privilegiada. É isso que nos está a dizer?

É isso. Acho que o Ministro da Agricultura até é bom que tenha, que venha da área agrícola e que seja proprietário agrícola.

Em última instância, isso deve ser muito difícil de provar, certo?

Sim, é verdade. Depende também da consciência de cada um.

Neste momento, o que está a ser feito não é o contrário do que acabámos de dizer? Porque estamos a identificar o que é que as pessoas com cargos públicos e familiares têm ou não têm e quase que as pessoas são obrigadas a desfazer-se daquilo que têm, neste caso, empresas imobiliárias.

Porque se criou um bocado a lógica em Portugal de que andamos sempre todos a desconfiar uns dos outros. E depois andamos aqui a criar uma teia de leis e de burocracia que nos autolimita e que não sei se nos conduz a bons resultados.

Recentemente, o País esteve em suspensa a aguardar as explicações do Primeiro-Ministro, precisamente sobre uma empresa familiar que teve ao longo dos anos. Terá ouvido essas explicações dadas no Parlamento, ficou esclarecido?

Confesso que não acompanhei. Mas a ideia que tenho é que, se o Primeiro-Ministro tinha uma empresa na área e, entretanto, surgiu a lei, desde que se prove que a lei não o beneficia, que ele não criou a empresa para beneficiar da lei, o facto de ele ter tido uma empresa e manter a empresa, agora, aparentemente, mais ou menos inoperacional, eu não vejo razão nenhuma porque é que ele não poderia ter tido a empresa.

Agora, se depois vai beneficiar da lei, se ele fez a empresa com o intuito de beneficiar da lei, aí já é outra coisa.

Esse foi o caso que levou ao afastamento de um secretário de Estado, que criou uma empresa ainda no cargo. Há um escrutínio excessivo dos políticos nesta altura? Ou seja, quem é que vai sobrar para fazer política um destes dias?

Não, eu acho que deve haver um escrutínio dos políticos, eu sou a favor do escrutínio dos políticos. Agora, também não podemos é exagerar.

O escrutínio é bom, é virtuoso, se criar perceções negativas, aí acho que já estamos a exagerar e, no limite, vai levar a que os melhores acabem por não aceitar, não estão disponíveis para a vida pública, o que também não é muito bom.

Neste caso em particular, já estamos a cair no exagero de que fala?

Não sei. O primeiro-ministro não é proprietário, deixou a empresa, mas é verdade que tem a mulher e está casado em comunhão de adquiridos, portanto, não deixa de ser também proprietário, nem que seja de uma forma indireta. Mas, tanto quanto sei, a empresa não foi criada na expectativa de beneficiar da lei dos solos.

Dizia há pouco que é a favor do escrutínio dos políticos, acho que somos todos, mas isso não implica também a garantia de melhores salários em cargos governativos?

Completamente de acordo. Eu pessoalmente não consigo compreender os salários que os políticos têm e como é que queremos ter os melhores à frente da causa pública com os salários que temos.

O caso de Hélder Rosalino, que não foi para a Secretaria Geral do Governo porque o Estado não pagou o que ganhava no Banco de Portugal, acaba por provar um pouco isso?

Acaba por provar um pouco isso. Uma contradição foi, na altura, o Paulo Macedo, quando foi para Diretor-Geral da Autoridade Tributária, houve ali coragem política...

Teve uma cobertura política diferente, na altura a Ministra das Finanças era Manuela Ferreira Leite, que segurou a pressão política que houve em torno desse caso.

E se nós agora olharmos para trás, acho que foi uma boa decisão, trouxe um benefício que mais do que pagou o custo do seu salário, trouxe resultados. É a prova de que devemos pagar bem aos melhores, porque isso pode trazer resultados e mais do que compensa o salário que lhes é pago.

Mas isso é transversal à sociedade portuguesa. No caso do ensino, que eu conheço melhor, um diretor de uma faculdade não ganha mais por isso. Tem um subsídio, que acho que são mais 200 euros brutos, mas também tem muitas responsabilidades. No limite, se quiser fazer um seguro de responsabilidade civil, esse dinheiro já não lhe chega para pagar o seguro.

Em contrapartida, se eu for diretor de uma escola privada, posso ganhar até três vezes mais, ou quatro, ou cinco até.

É o seu caso?

Eu sou de uma escola pública, o que eu ganho são mais 200 euros brutos, face àquilo que ganhava como profissão normal.

O Índice de Percepção de Corrupção também aponta para a falta de mecanismos que evitem o abuso de cargos públicos. Já disse que é preciso mexer na legislação. Como?

Isso leva-nos para o Mecanismo Nacional Anticorrupção, para a MENAC. Foi criada para coordenar a política anticorrupção, contudo, a sua eficácia depende de recursos adequados e de ter autonomia. Não sei se tenho recursos adequados. Eu acho que não.

Tinha muitas vantagens de existir, uniformizava estratégias nacionais anticorrupção, permitia desenvolver conhecimento específico sobre a corrupção, acompanharia a implementação das políticas anticorrupção. Mas depois, sem recursos, não pode fazer nada disto.

O falhanço, neste caso da MENAC, está provado pelas sucessivas leis sobre corrupção que aparecem. Se isso é preciso, resulta de não terem recursos, de não lhes ser dado recursos suficientes.

Mas a criação da MENAC revelou-se útil? No concreto?

Era uma boa ideia à partida, assim como a CRESAP, são boas ideias à partida, mas depois os resultados efetivos acabam por ficar aquém do desejado, porque não têm meios, no caso da MENAC, ou não cumprem aquilo que era suposto cumprirem no caso da CRESAP. Desconheço que algum nome que tenha sido sugerido tenha sido vetado pela CRESAP. Se assim é, para o que é aquilo serve? Está a promover a meritocracia, que era o que deveria promover? Tenho muitas dúvidas.

A Ministra da Justiça anunciou há duas semanas que mais de metade do plano anticorrupção já foi executado, um plano criticado pela oposição, porque a maioria das 32 medidas reforçava o que já estava em vigor. Também concorda com estas críticas?

Eu concordo que o plano era generoso, tinha muitas virtudes, mas continuo a considerar que, por falta de meios, não tem aplicabilidade, ainda que a Ministra diga que metade já está aplicada.

Estamos a falar de medidas de cosmética, ou destaca alguma que seja concreta?

Havia muitas medidas que eu via como positivas. Agora, no limite, se fizermos alguma coisa pequenina, não deixa de se fazer alguma coisa pequenina, mas não passa de cosmética, não é estrutural, não tem impacto na corrupção. E a prova disso é o índice de perceção de corrupção, e a queda nesse índice.

As pessoas percecionam que, de facto, o que é feito é cosmético.

E isso acontece porquê? Quando se criam 32 medidas anticorrupção e depois não se atribui meios para que elas sejam efetivas, é falta de vontade política, é falta de meios, é alguma má vontade?

É um bocado de tudo isso. Em particular, falta de vontade política.

Por exemplo, há uma coisa que eu não consigo compreender, porque se tem receio de inverter o ônus da prova. Acho que falta vontade política, não sei se com receio de ferir suscetibilidades, mas aqui tem que haver de facto vontade política para mudar as coisas.

Se associarmos a isso a dificuldade que há em termos de investigação e prova em casos de corrupção, quer dizer que o crime pode compensar?

Sim, o crime compensa, na verdade, e a prova disso é o andamento da economia não registrada. Podemos perguntar qual é o negócio em Portugal que rende 23%, não deve haver muitos negócios que tenham essa taxa de rendibilidade. A fuga ao IVA, claro.

Por isso é que eu digo que uma das causas da corrupção, no fundo, é a burocracia, seguramente, e a carga fiscal tão significativa.

Deixe-me juntar mais um elemento à nossa conversa. Continua por regulamentar o lobby, que já caiu duas vezes com a dissolução do Parlamento, em 2021 e 2024. Acha que é desta que avança?

Não sei se há vontade política para isso. Mas acho que a existência de uma lei específica compromete a transparência e pode alimentar ainda mais a perceção de corrupção.

Também aqui, no caso do lobby, vejo muitas medidas a favor e algumas contra. A favor, obrigaria os lobistas a registarem-se e a divulgarem as suas atividades, o que aumentava a transparência, seguramente. Os decisores políticos teriam de divulgar interações com os lobistas, o que aumentava a responsabilização. E também reforçaria a confiança nas instituições democráticas, o que é bom para a confiança dos portugueses, neste caso.

Mas também vejo alguns pontos contra. Pode aumentar a carga administrativa e a burocracia. Sem fiscalização eficaz, o lobbying pode continuar de uma forma encoberta. Depois vamos ver, quando for legislado, qual é a definição que fica do lobista.

Há algum tipo de regulamentação europeia para o lobbying? Qual é o entendimento de Bruxelas sobre esta matéria?

Varia de país para país. Aqui, se vier a ser implementado, eu preferia que fosse claramente transparente da forma que existe, por exemplo, ao nível dos Estados Unidos. Acho que é a forma que serve melhor aos interesses de uma sociedade.

Mas, neste momento, não há uma posição única ao nível da União Europeia?

Desconheço que exista, portanto, não acho que exista.

E seria bom que existisse?

Seria. No contexto da União Europeia, se existisse, era claramente muito melhor do que existirem 27 situações diferentes de lobbying. Ter uma lei única aplicada a todos os países era muito mais transparente do que 27 casos individuais. Essa é uma daquelas áreas em que eu acho que deveria haver uma política comum no contexto europeu.

A Presidente do Tribunal de Contas disse recentemente, aqui em entrevista à Renascença e ao Jornal Público, que não há em Portugal uma cultura de corrupção, mas sim de desleixo. Concorda?

Há algum desleixo, mas é resultado da burocracia excessiva e muitas vezes estamos a fazer coisas que não devíamos por falta de conhecimento.

Acho é que o desleixo não explica tudo e, portanto, há casos de corrupção.

Já agora, tendo em conta que estamos em ano de eleições autárquicas, nas autarquias este fenómeno da corrupção é pior?

Os dados dizem-nos que sim. Por exemplo, os dados da Planap, dizem-nos que o nível de confiança são relativamente baixos nas instituições públicas em Portugal. A administração pública é de 54,2%, os tribunais ainda menos, 42,1%, já agora a comunicação social até tem um nível superior àquilo que acontece na média da OCDE, mas depois nas denúncias de corrupção, a maior parte acontece a propósito das autarquias, o que me leva a considerar que é ao nível das autarquias que existem mais estes casos de corrupção.

Nesse caso, a transferência de competências para as autarquias, em áreas como saúde ou educação, pode vir a agravar estes fenómenos de corrupção?

Depende dos meios que forem dados às autarquias e da forma como serão fiscalizadas estas transferências de competências.

Já agora, eu sou mais a favor da criação das regiões do que de uma forma descentralizada do país como a que está a ser feita. Apesar de tudo, prefiro isto a continuar com o centralismo que temos.

Outra questão são as portas giratórias, entre cargos políticos e empresariais. Como é que se controlam?

Controlam-se se criarem mecanismos em que pessoas que passam por determinados cargos ficam impossibilitadas de exercer outros cargos quando deixarem de exercer esses cargos públicos. E, portanto, acho que isso é relativamente fácil de controlar. Haja vontade política.

Mas faltam medidas concretas?

A esse nível acho que faltam.

Considero que o período de nojo deveria ser significativo. Agora, também percebo que as pessoas tendo, durante algum tempo, exercido cargos públicos e tendo salários tão insignificantes, não podem ficar durante muito tempo impedidos de exercer determinadas atividades.

Se são especialistas numa determinada área, vamos proibi-los, sendo certo que anteriormente não ganharam assim tanto como isso? Temos aqui um pau sempre de dois bicos. Mas sou a favor de que exista esse tal período de nojo, que devia ser o mais longo possível.

Quando fala em períodos longos, do chamado período de nojo, estaremos a falar de quantos anos?

Depende de setor para setor e de cargo para cargo, mas há volta de pelo menos dois anos.

O agravamento de multas, por exemplo, nos casos de corrupção, seria uma medida eficaz para controlar alguns destes casos, também as portas giratórias?

Podia ser. Aí é pela repressão.

Ainda em relação a titulares de cargos públicos, uma vez que têm o dever de dar o exemplo, mais responsabilidades perante os cidadãos, quando há corrupção concorda com o agravamento das penas?

Depende da situação e da gravidade da situação. Eu sou a favor do agravamento de penas e do agravamento de multas, da parte repressiva, mas também da parte preventiva.

Mas há outras medidas preventivas e que passam muito por sensibilização, por educação, por códigos de conduta, por situações muito diferentes.

Mas quem tem cargos públicos tem uma responsabilidade acrescida e deve também ter uma punição acrescida?

Eu acho que quem tem cargos públicos, sim, acho que tem que ter. Quem tem cargos públicos tem que estar consciente de que assume um compromisso de serviço público e, portanto, que tem uma responsabilidade acrescida. Tem que dar o exemplo.

Agora, há aqui uma contradição, é que, ao mesmo tempo, ficam limitadas em termos de ganho de salariais. Esse é sempre um problema.

O Governo já está quase a fazer um ano, é normal que se esperem resultados na área da corrupção, tendo em conta que esta foi uma área considerada prioritária desde o início, ainda em campanha?

É verdade. Fazia parte do programa da Aliança Democrática, primeiro do PSD, depois da Aliança Democrática. Foi apresentado o tal pacote. Em si até pode ser suficiente, mas volto ao que já disse atrás. Têm que ser reforçados os meios.

Imaginando que chegava à cadeira do Primeiro-Ministro, se eu lhe pedisse três, quatro medidas que consideraria absolutamente essenciais de aplicação, digamos, no curto, médio prazo, o que é que me diria que era essencial fazer neste momento?

Basicamente, temos uma carga fiscal elevada, e portanto que é preciso diminuir, temos uma burocracia excessiva que facilita a corrupção, e temos uma fiscalização ineficiente, e portanto temos que dar recursos para que essa fiscalização seja mais eficiente e mais efetiva.

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  • João A. Lopes
    01 mar, 2025 Porto 18:20
    ...se os melhores não estarem disponíveis para a vida pública, o que também não é muito bom…": Se não são honestos e fiáveis, não podem servir a causa pública, nem a causa privada...

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