24 mai, 2025 - 08:00 • Sandra Afonso , Arsénio Reis
Passou por vários bancos, sempre em lugares de topo, e chegou mesmo a liderar o Banco Montepio. Hoje diz, sem reservas, que “temos um problema de concorrência no setor financeiro” e dá como exemplo “o que se passa nas taxas de juro dos depósitos”.
Em entrevista ao programa Dúvidas Públicas, Renascença, o ex-ministro da Economia Carlos Tavares sublinha que “quando as taxas [de juro] subiram, as taxas de juro nos depósitos demoraram cerca de ano e meio a começar a ajustar, agora quando começaram a descer ajustaram-se quase instantaneamente”.
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O economista afasta uma situação de “acordo” na banca, mas aponta para a falta de concorrência. Uma situação que, diz, o Estado agravou ao tornar menos atrativa a subscrição dos produtos públicos de poupança, como os Certificados de Aforro. “O Estado poderia e deveria ter feito mais para aumentar esta concorrência com os seus próprios produtos”, explica.
Carlos Tavares acrescenta que “hoje a banca portuguesa já está suficientemente concentrada” e esse é o problema, não a nacionalidade dos acionistas. O economista contesta assim o argumento apresentado esta semana pelo ministro das Finanças, Miranda Sarmento, para se opor à venda do Novo Banco ao espanhol CaixaBank.
Sector bancário
CaixaBank está interessada, mas governo quer evita(...)
O ministro das Finanças não quer que aumente o peso dos espanhóis no mercado bancário nacional, onde já representam um terço do setor, mas Carlos Tavares diz que o critério principal deve ser uma solução que não aumente a concentração.
Na mesma linha, Carlos Tavares também não concorda que a Caixa Geral de Depósitos fique com o Novo Banco ou mesmo parte do negócio, porque “já tem uma dimensão muito significativa”. A solução deve passar por “um banco pequeno”.
Carlos Tavares, que durante mais de uma década foi presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o regulador da Bolsa, diz que à frente dos órgãos de regulação devem estar pessoas selecionadas “por uma comissão especializada, de peritos”, através de concurso público internacional.
Ao contrário do que acontece atualmente, em que a decisão é do governo, neste formato caberia ao executivo selecionar um candidato de uma curta lista preparada pelos peritos e indicar o nome ao Presidente da República, a quem caberia a nomeação.
Acrescenta ainda que esta fórmula já deveria ser aplicada este verão, no Banco de Portugal, onde Mário Centeno está em final de mandato.
No plano político, Carlos Tavares apoia uma revisão constitucional, um processo que deve ser encarado “sem complexos”.
Defende que a Constituição “é muito detalhada e excessivamente prescritiva” e dá vários exemplos do que pode e deve ser alterado, como o recurso sistemático ao Tribunal Constitucional com suspensão das penas, a não discriminação pela idade ou o texto sobre os latifúndios.
Mas apesar da maioria parlamentar de direita, o antigo ministro de Durão Barroso diz que qualquer revisão constitucional deve incluir os maiores partidos, ou seja, o PS não deve ficar de fora apesar da pesada derrota nas legislativas.
“É desejável que seja tão alargado quanto possível, todos têm votos com o mesmo valor. É altamente desejável que os três maiores partidos se entendam sobre essa revisão”, conclui.
O economista admite que as famílias mais vulneráveis sejam compensadas, mas o princípio deve ser o da tributação de todos os agregados familiares, para combater a evasão.
“Temos muitas pessoas fora do sistema fiscal. Temos 40% das empresas que não pagam qualquer imposto e um pouco mais de 40% das famílias que também não pagam qualquer imposto, isto incentiva a fuga fiscal”.
Segundo o economista, “todos devem pagar imposto”. Para quem não poder pagar, “deve haver uma contribuição social para os compensar”. As isenções fiscais “devem ser muito reduzidas”.
“A política social não deve ser confundida com política fiscal”, conclui.
Ainda de acordo com Carlos Tavares, o novo executivo da AD tem condições para lançar as reformas necessárias, como fez Cavaco Silva na primeira legislatura, e deve dar prioridade à reforma fiscal, com a descida dos impostos: “Quando me perguntam se é possível reduzir a carga fiscal eu fico nervoso, porque a pergunta não é essa, é saber o que é que se tem que fazer para se poder reduzir a carga fiscal”.
Lembra que vários impostos e taxas subiram quando a troika esteve em Portugal, medidas anunciadas como temporárias mas que ainda hoje se mantêm em vigor.
No caso do IRC, diz que não basta descer a taxa, é preciso rever a tributação às empresas.
Nesta entrevista ao programa da Renascença Dúvidas Públicas, Carlos Tavares fala ainda da dependência excessiva do país aos fundos europeus, diz que as projeções económicas dependem das políticas que forem implementadas pelo governo e minimiza o debate sobre se o crescimento ou o excedente fica umas décimas acima ou abaixo.
São alguns dos temas abordados no programa Dúvidas Públicas, que este sábado entrevistou o ex-ministro da Economia, ex-presidente da CMVM, ex-presidente do Banco Montepio e atual coordenador do Observatório da Políticas Económicas e Financeiras da SEDES, Carlos Tavares. Um trabalho que pode rever a qualquer momento no site da Renascença, em podcast ou no YouTube.