DÚVIDAS PÚBLICAS

Álvaro Covões avisa com “gigantesca preocupação” que o país está à venda

07 jun, 2025 - 08:30 • Sandra Afonso , Arsénio Reis

Em entrevista à Renascença, o promotor deixa duras críticas à política cultural, que em 51 anos de democracia nunca incluiu os privados, e às sucessivas tutelas, que deviam ser lideradas por um gestor. Álvaro Covões garante que não se ouvem protestos de mais empresários, porque têm medo de represálias. Acusa ainda a Autoridade da Concorrência de falta de transparência, no âmbito da entrada em Portugal da gigante norte-americana Live Nation, e alerta para o peso dos estrangeiros na economia nacional.

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Álvaro Covões: "O privado na cultura é um setor pária, que não tem ministério"
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É com "gigantesca preocupação" que o promotor Álvaro Covões alerta para o aumento da presença de estrangeiros nas mais variadas áreas de negócio.

O tema já tinha sido levantado há pouco mais de uma semana pelo ministro Miranda Sarmento, reconduzido agora na pasta das Finanças. O governante referia-se à concentração excessiva de espanhóis na banca portuguesa, para justificar a oposição à venda do Novo Banco ao Caixa Bank.

Em entrevista à Renascença, Álvaro Covões, que trocou o mundo das finanças pela cultura, avisa que os lucros empresariais não estão a ficar em Portugal: "vejo com uma enorme preocupação, uma gigantesca preocupação, o país ser vendido a capital estrangeiro em todas as áreas". O empresário questiona "como vamos sobreviver, se todos os anos a mais-valia gerada pelas empresas sair do país"?

Álvaro Covões faz soar os alarmes depois de ter sentido de perto esta ameaça estrangeira. O gigante da indústria, Live Nation, chegou com estrondo há pouco mais de um ano a Portugal e já controla a maior sala de espetáculos do país, o MEO Arena. Na resposta, a empresa do produtor português contesta agora na justiça o que chama de “concentração excessiva de poder”.

Álvaro Covões avisa com “gigantesca preocupação” que o país está à venda
Álvaro Covões avisa com “gigantesca preocupação” que o país está à venda

Álvaro Covões mostra-se preparado para qualquer resultado "não é tema, se o tribunal disser que não temos razão, não temos", esclarece. No entanto, deixa críticas à forma como a Autoridade da Concorrência conduziu o processo, com "um comportamento muito pouco claro".

Em causa estão os remédios ou contrapartidas exigidas pelo regulador para aprovar a operação. "Não concordamos com os remédios que foram apresentados". Acrescenta ainda que "há remédios que são secretos, como pode o mercado saber se estão a ser cumpridos?"

Por outro lado, denuncia "um comportamento muito pouco claro da AdC neste processo". Porquê? "Descobrimos que tinha havido uma reunião, a equipa que estava com o processo, mais o conselho de administração, mais a Live Nation. Não havia ata da reunião e nós, sendo contra-interessados, nunca reunimos com a administração", explica.

"O privado na cultura é um setor pária, que não tem ministério"

Muito crítico da política cultural, Álvaro Covões acusa os sucessivos governos de ignorarem os privados que trabalham neste setor.

Esta semana foi anunciada a integração do Ministério da Cultura na tutela da juventude e desporto, o que deixa o setor sem um ministério próprio. Na prática, o Governo alarga a todos o que já acontecia com os privados: Álvaro Covões, diz que os privados nunca tiveram Ministério da Cultura.

"As políticas são iguais há 51 anos e é um desafio que temos lançado aos últimos governos. Vamos assumir que falharam, vamos tentar políticas novas e, sobretudo, vamos passar a ter um ministério da cultura que também governe o setor privado da cultura, que é um setor pária, que não tem ministério", diz.

Álvaro Covões fala em "políticas culturais erradas" e começa por pedir um gestor na tutela da cultura, o que terá de esperar por uma remodelação ou pelos próximas eleições legislativas. O Ministério da Cultura, Juventude e Desporto é liderado pela jurista Margarida Balseiro Lopes, que mantém os secretários de Estado do Governo anterior, entre eles Alberto Santos, na Cultura.

"As pessoas têm medo"

Álvaro Covões é conhecido por ser frontal e no meio é um dos poucos que critica publicamente a cultura em Portugal. Nesta entrevista ao programa Dúvidas Públicas da Renascença, o promotor diz que não se ouvem mais vozes "porque as pessoas têm medo" .

"Fala-se muito em 50 anos de abril, mas as pessoas têm medo (do Estado)", garante. "Quando alguém fala muito, antigamente mandava-se a Pide, agora podem mandar a AT (Autoridade Tributária), a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica), mandam tudo! É só fazer um telefonema... Ah estás armado em esperto?"

O promotor acrescenta ainda que nunca foi alvo de represálias, mas já assistiu, e deixa nesta entrevista alguns exemplos.

Reafirma ainda as críticas às medidas da tutela, como a gratuitidade na cultura. Admite apoios do governo, mas dados direitamente aos consumidores, por exemplo através de um vale para a cultura. Deve ser a população a escolher onde quer gastar o dinheiro, que produtos culturais quer consumir. Fala em liberdade de expressão e diz que há mesmo um artigo na Constituição Portuguesa que não permite que o Estado escolha pelo público.

Explica ainda que em Portugal a lei do mecenato não é eficaz, porque os benefícios são limitados. Os promotores estavam a discutir com o governo alterações, em linha com o que é aplicado em Espanha e no Brasil, e Álvaro Covões espera que os trabalhos continuem.

Contesta também a exclusão dos privados dos chamados vistos gold da cultura: "um projeto cultural tem acesso a vistos gold culturais se for apresentado por uma fundação de interesse público ou por estruturas do Estado (autarquias, empresas públicas ou Estado Central) e os privados estão excluídos. Mas porquê?", questiona.

"É preciso mais palcos, para aumentarmos a oferta"

Já com vários anos de actividade profissional na gestão de eventos culturais, Álvaro Covões já assistiu a um pouco de tudo, mas ainda consegue revelar o concerto que lhe falta ver.

Não fecha a porta à gestão de novas salas e até admite que tem um sonho, "que seja possível em Portugal os empresários investirem e construírem salas novas, porque é preciso mais palcos, para aumentarmos a oferta".

Defende que não há margem no país para reduzir o preço dos bilhetes, que já estão abaixo da média face ao que é praticado no resto da Europa, com custos iguais. Além disso, os empresário são prejudicados pela venda no mercado negro e responsabiliza os grandes operadores, como a Google, por esta "distorção do mercado". Já alertaram várias vezes as autoridades, mas denuncia que nada tem sido feito para aplicar a lei.

Ainda pelas salas de espetáculo, lamenta que nenhum ministro da cultura, em 51 anos de democracia, tenha pedido uma reunião "para visitar o Coliseu e perceber como é que um teatro privado sobrevive". Acrescenta ainda que, tanto o ministro como o secretário de Estado da cultura deviam ter uma verba para assistir a espetáculos geridos por privados.

Esta entrevista passou ainda pela Jornada Mundial da Juventude, que se realizou em Lisboa e que contou com a colaboração de Álvaro Covões. O empresário diz que a colaboração entre o privado e o público foi um dos motivos do sucesso do evento e não tem dúvidas sobre a capacidade do país para voltar a receber iniciativas desta dimensão.

Álvaro Covões foi o entrevistado deste sábado no programa Dúvidas Públicas, transmitido em antena ao meio-dia e disponível a qualquer hora, em áudio e vídeu, no site, em podcast e no Youtube.

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  • antonio
    07 jun, 2025 alverca 12:20
    Não sei onde esteve es senhor durante os últimos 10 anos! Referiu-se timidamente em 50 anos os privados não foram tidos em conta...todos sabemos co a esquerda trauliteira e a constituição dita.. Pena ter estado tão calado

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