Dúvidas Públicas

Fome "não foi erradicada" em Portugal e prestações sociais são "pouco eficazes"

25 out, 2025 - 08:00 • Ana Catarina André , Arsénio Reis

O alerta é deixado por Carlos Farinha Rodrigues, especialista em pobreza, que lembra que continua a haver pessoas que “ou passam fome ou têm uma alimentação deficiente”. Em entrevista à Renascença, defende, ainda, a necessidade de tornar as prestações sociais mais eficazes.

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Fome ainda "não foi erradicada" em Portugal
Fome ainda "não foi erradicada" em Portugal

As prestações sociais de combate à pobreza são “pouco eficazes” e é preciso dar-lhes “consistência”, defende o economista Carlos Farinha Rodrigues. Em entrevista ao programa Dúvidas Públicas, da Renascença, diz que a fome ainda “não foi erradicada” em Portugal.

“Nos últimos três anos, o Governo teve o apoio da OCDE para fazer, no fundo, a unificação de várias prestações sociais, dar-lhes consistência, dar-lhes eficácia. É necessário olharmos para as nossas prestações sociais, permitindo que elas efetivamente sejam um fator de auxílio e de transformação às pessoas que efetivamente necessitam e isso, claramente, é algo que está por fazer”, diz o investigador.

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O também professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG/UL) defende que, mais do que aumentar o valor das prestações sociais, é preciso “garantir a sua eficácia” e “combater o estigma associado a algumas medidas, como o Rendimento Social de Inserção (RSI)”. Ainda assim, diz o especialista, as prestações sociais “não resolvem o problema da pobreza”. “Para isso, é preciso medidas estruturantes”, sublinha.

“Há setores da população estatisticamente excluídos”

Carlos Farinha Rodrigues afirma, ainda, que, em Portugal onde há mais de dois milhões de pessoas pobres ou em risco de exclusão, a fome ainda “não foi erradicada”. “Os dados objetivos permitem-nos dizer que continuamos a ter pessoas com imensas dificuldades, nomeadamente na alimentação: ou passam fome ou têm uma alimentação claramente deficiente, em termos daquilo que seria necessário para terem uma vida digna”, diz o professor, que admite que haja no país mais pobres do que o número apontado pelos dados oficiais.

“As estatísticas oficiais não cobrem todas as dificuldades das populações em situação de maior fragilidade”, defende. E explica: “Há setores da população que não são apanhados pelas estatísticas oficiais. Um exemplo mais simples: os sem-abrigo. Não são captados pelas estatísticas oficiais, porque as estatísticas oficiais são baseadas em inquéritos a pessoas que têm aquilo que o sistema estatístico considera uma habitação normal. Se alguém vive na rua ou se está hospitalizado ou se está num lar, não é considerado nessas estatísticas sobre a pobreza. Portanto, há setores da população que não só são socialmente excluídos, mas são também estatisticamente excluídos.”

"Temos 6,5% de pessoas com ensino superior em situação de pobreza"

Para Carlos Farinha Rodrigues, que é também membro do fórum consultivo da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, “há falta de vontade política” para diminuir os níveis de pobreza.

“Enquanto sociedade, na minha opinião, teríamos condições para reduzir fortemente a pobreza infantil, desde que se investisse a sério nisso”, considera, dizendo que a “pobreza não é um problema dos pobres, mas um problema de todos enquanto sociedade”.

Nesta entrevista à Renascença, o especialista alerta, ainda, para o aumento do número de pobres que concluíram o ensino superior.

“Há 10 ou 20 anos, a percentagem de pessoas com ensino superior em situação de pobreza era negligenciável – eram casos pontuais. Hoje temos 6,5% de pessoas com ensino superior em situação de pobreza. Isto significa que, apesar do ensino, da educação e da qualificação continuar a ser um instrumento fundamental [para sair da pobreza], podemos dizer que em alguns casos já não é suficiente para garantir que as pessoas caiam em situação de pobreza”, conclui Carlos Farinha Rodrigues.

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