10 mai, 2021 - 08:02 • Hélio Carvalho
No final de abril, os trabalhadores da TAP souberam que a empresa estava a usar um algoritmo desenvolvido por uma consultora norte-americana para selecionar entre 435 e 500 trabalhadores para despedir (uma tentativa para procurar salvar a empresa). Mas os parâmetros aplicados pelo algoritmo despertaram dúvidas e receios, nomeadamente sobre a legalidade do método.
Produtividade/Absentismo, Experiência, Contributo, Custo e Habilitações são os parâmetros aplicados pela empresa. Por exemplo, um trabalhador com poucos anos na empresa e/ou com um salário elevado poderá ser um dos visados das medidas de adesão voluntárias que a TAP está a negociar com os trabalhadores, nomeadamente a rescisão por mútuo acordo.
Contactados pela Renascença, especialistas na área do Direito do Trabalho consideram que o método de usar um algoritmo para selecionar trabalhadores, seja para contratar ou para despedir, não é necessariamente ilegal, desde que haja um ser humano a definir os parâmetros e a tomar a decisão final. O problema é a transparência em torno do algoritmo.
Um trabalhador da TAP conta que os trabalhadores selecionados são chamados às reuniões para negociar as medidas de adesão voluntária, é-lhes dito o principal motivo, mas desconhecem o peso de cada parâmetro na decisão final. A TAP garantiu ao "Expresso" que os critérios de seleção são explicados.
"A identificação dos critérios deve ser o mais transparente possível para que os trabalhadores possam avaliar se estão ou não bem avaliados segundo esses mesmos critérios. É desejável que os critérios, a sua avaliação, a sua ponderação e o método de escolha sejam do conhecimento dos trabalhadores", explica Eduardo Castro Marques, advogado da área do Direito do Trabalho.
TAP
Em declarações à Renascença, José Sousa diz que o (...)
Já Teresa Coelho Moreira, professora da Escola de Direito da Universidade do Minho, reafirmou que, "dentro do dever de informação, o trabalhador tem o direito de saber como é que foi selecionado, a quota parte [dos critérios], o peso e como é que chegou àquela situação".
"O trabalhador tem de saber isso para poder impugnar essa decisão e saber se o algoritmo é ou não discriminatório", explica a especialista, que é também uma das coordenadoras científicas do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho.
Outra questão que o uso do algoritmo levantou tem a ver com a proteção dos dados pessoais dos trabalhadores. Na reportagem do "Jornal Económico" que denunciava a seleção de trabalhadores com faltas justificadas, o advogado Garcia Pereira questionou a análise e o acesso a dados de natureza íntima por parte de uma entidade terceira, neste caso, a Boston Consulting Group (BCG).
Eduardo Castro Marques partilha a opinião e considera qu,e "se informação pessoal está a ser fornecida, tratada por uma entidade terceira – e quando digo acedida ou tratada, basta apenas que essa consultora disponibilize uma ferramenta à qual tenha acesso à informação – o que no mínimo se impunha é o cumprimento do dever de informação nos termos do Regime Geral de Proteção de Dados".
O advogado concluiu que, a ser verdade que a BCG teve acesso a dados pessoas e íntimos dos trabalhadores, "a TAP tinha pelo menos a obrigação de informar os trabalhadores de quais os dados que iam ser fornecidos a uma entidade terceira, durante quanto tempo e para que finalidade".
O presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), Henrique Louro Martins, criticou duramente o uso destes critérios e avisou que o sindicato vai recorrer aos meios judiciais para conseguir pôr a limpo toda esta situação, de saber como é que uma empresa externa chegou a estas conclusões e como é que a própria TAP deixou isto acontecer".
"Estamos aqui a falar de dados da maior intimidade", salientou.
A Renascença procurou contactar a Boston Consulting Group mas, à data de publicação, não obteve resposta.
Enquanto decidiam se aceitavam as propostas de rescisão da TAP, o "ECO" noticiou que cerca de 380 trabalhadores viram os seus contratos ser suspensos enquanto decidiam se aderiam às medidas.
O trabalhador contactado pela Renascença também avisou que a companhia ofereceu pouco tempo aos trabalhadores chamados para que estes tomassem uma decisão.
"Isto não é razoável. As pessoas andam angustiadas, em stress, têm naturalmente de se aconselhar"
A situação é confirmada pelo advogado Fausto Leite, que forneceu apoio jurídico a trabalhadores da companhia. O jurista alerta que os funcionários precisam de aconselhamento jurídico sobre qual será a melhor decisão a tomar e a TAP, acusa, não está a ajudar.
"Eles [TAP] não podem impor nem fazer pressão; às vezes parece haver aqui assédio moral, por terem de decidir já. Isso não é razoável. As pessoas andam angustiadas, em stress, têm naturalmente de se aconselhar. Em função da proposta, tem de se tomar uma decisão e não é à pressão", vinca Fausto Leite.
O advogado diz, sem rodeios, que a pressão alegadamente exercida é "assédio moral" e é "uma pressão completamente abusiva e ilegal".
Eduardo Castro Marques diz que as medidas de adesão voluntárias são, precisamente, voluntárias, e nenhum trabalhador tem de aceitar a proposta da TAP. Apesar de admitir que poderá haver pressão por parte da empresa, descarta a hipótese de assédio moral por haver pouco tempo para decidir.
"O assédio moral é um fenómeno muito preocupante que deve merecer a atenção de todos. O que não pode acontecer, com qualquer coisa, ser agitada a bandeira do assédio moral. Vamos começar a banalizá-lo de tal forma que depois, quando ele ocorre verdadeiramente, temos dificuldade em prová-lo, em demonstrá-lo e em valorizá-lo. Não me parece que isso possa constituir per se, isoladamente, uma conduta de assédio moral. Não me parece que a mera circunstância de definir um curto prazo de tempo para apresentarem uma resposta constitua assédio moral", explica o especialista.
A empresa está na última fase do programa de medid(...)
O SNPVAC não tem dúvidas. Para Henrique Louro Martins, a atitude da TAP pela forma como convoca os trabalhadores convidados a sair é, por si só, passível de ser considerada coação.
"Quando um trabalhador é chamado a uma empresa e é-lhe apresentado um resultado de um algoritmo, e a empresa comunica-lhe que ele faz parte de um excesso, que reúne as condições para sair da empresa, isto não tem outro nome senão pressão e alguma coação. As pessoas são chamadas, é-lhes apresentada esta situação e eles podem chamar a isto a uma rescisão por mútuo acordo, mas a pessoa é quase que chamada a assinar a sua própria saída", critica o sindicalista.
Numa entrevista à SIC, em 23 de abril, o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, revelou que tinham sido enviados e-mails de conforto a pelo menos 6.240 trabalhadores a dizer que não estava em causa a sua permanência na empresa.
O e-mail não chegou, no entanto, para acalmar todos. O trabalhador contactado pela Renascença fala de um clima de "mal-estar", de "ansiedade", mesmo entre os pilotos e tripulantes que receberam o tal e-mail de conforto.
Para Henrique Louro Martins, o algoritmo usado para realizar a tarefa de selecionar trabalhadores "não tem coração, não tem sentimentos" e "está a causar na própria TAP uma ansiedade que ninguém quer".
"Acho que é preciso perceber que nós somos mais do que números, somos pessoas. Isso não está a ser acautelado. As pessoas estão a ser tratadas como números. Pessoas que têm 20, 30 anos de casa, e mesmo que tivessem dois ou três. Ninguém pode ser observado desta maneira", lamenta o dirigente do SNPVAC.
Também o SITAVA, o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, disse ao "Jornal Económico" que o algoritmo da BCG como "uma artimanha inventada pelas consultoras e advogados de turno para segregar trabalhadores pelos mais variados motivos".
O presidente do SNPVAC considera ainda que o algoritmo é "uma desculpa" da TAP, um método "para se dar as culpas noutra empresa que não a TAP". Henrique Louro Martins diz achar "incompreensível que num país como o nosso, que faz parte da União Europeia, que se diz desenvolvido, ainda haja atentados aos trabalhadores desta natureza e que as autoridades fiquem impávidas e serenas para o que se está a passar."