15 jan, 2025 - 09:00 • Sandra Afonso
A inflação já não é considerada uma ameaça para os negócios em Portugal e nem o abrandamento e possível recessão das economias é o que mais preocupa os empresários nacionais. Por cá, o maior receio prende-se com a mão-de-obra, ou a falta dela, e as condições de trabalho, aponta o inquérito para Portugal do Global Risk Report 2025, que antecipa a reunião anual do Fórum Económico Mundial, em Davos.
Apesar da taxa de desemprego permanecer baixa, é quase metade da registada em Espanha, o desemprego jovem em Portugal é o quarto maior da União Europeia, segundo o Eurostat. O emprego mantém-se em ligeiro crescimento. Estes dados refletem as preocupações dos decisores políticos.
Em comparação com o ano passado, “o primeiro lugar troca com o segundo lugar, a falta de mão-de-obra e o talento passa para o primeiro lugar e a recessão passa para o segundo lugar”. Por outro lado, “sai a inflação, que em 2024 ocupava o terceiro lugar, e entra para o terceiro lugar o que se designa como insuficiência dos serviços públicos, a proteção social”, avança à Renascença Manuel Coelho Dias, especialista de risco da Marsh McLennan.
Este ano há ainda pequenas alterações de designação, por exemplo, o quarto risco, que no ano passado estava descrito como “erosão da coesão social”, passou este ano para “pobreza e desigualdade”, que segundo este especialista “refletem a mesma realidade”.
No essencial, o inquérito de 2025 para Portugal revela “uma preocupação muito grande com a atração e retenção de talento, que já vamos vendo no contacto com as empresas nos últimos três a cinco anos. Ou seja, o agudizar dos riscos relacionados com as pessoas: falta de talento, equilíbrio da vida profissional com a vida pessoal, questões de saúde mental.
A nível mundial e no imediato, para 2025, a maior preocupação dos inquiridos são os confrontos armados entre Estados, um risco eleito por quase um quarto dos participantes, o que reflete “o aumento das tensões geopolíticas e a fragmentação a nível global”.
Este é um dos riscos considerado mais provável, que se junta aos “eventos climáticos extremos e aos conflitos geoeconómicos. Estes são os três riscos principais apontados numa lista do top 10”, explica à Renascença o especialista de risco da Marsh McLennan.
Nesta 20.ª edição do Global Risk Report são ainda assinalados outros riscos ligados, nomeadamente, “a crises sociais, como a polarização da sociedade e a falta de oportunidades económicas e de desemprego, mas também riscos tecnológicos como, por exemplo, a desinformação”, acrescenta.
“A grande novidade é este domínio dos riscos geopolíticos, estas duas entradas no top 3 são entradas muito agressivas”, defende Manuel Coelho Dias.
Numa análise mais fina, olhando para o que consideram o longo prazo, os riscos a 10 anos, tem mais peso o impacto do que probabilidade. Este “é totalmente dominado pelos chamados riscos ambientais: as alterações críticas no sistema terrestre, os eventos climáticos extremos e os restantes riscos ambientais que dominam o top 10”, explica Manuel Coelho Dias.
Face a anteriores relatórios, “o que se nota neste ano é, sobretudo, uma chamada para a ação”, defende este especialista. “Quando falamos em conflitos armados entre Estados, conflitos geopolíticos, eventos climáticos extremos, a própria desinformação, são chamadas à ação, sobretudo para decisores políticos e para uma ordem global que se quer mais coesa e mais interessada em dois, três, quatro, cinco objetivos que sejam objetivos da humanidade e não propriamente objetivos das regiões”.
O risco dos conflitos armados entre Estados já tinha surgido no ano passado, mas agora está “no ranking da probabilidade de se materializar em uma crise global em 2025”, lidera a lista e “isso é de facto uma novidade”, assim como “o facto dos conflitos geoeconómicos ocuparem as três primeiras posições”.
“Também é de destacar que neste top 10 temos quatro riscos sociais, o que também é uma evolução face a outros anos: a polarização da sociedade, a falta de oportunidades económicas e desemprego, que agora passam a ser um só risco social, a erosão de direitos humanos e liberdade civil, que é uma entrada muito forte aqui no top 10, e temos o risco de desigualdade, que também já tem aparecido nos últimos anos”, explica.
Manuel Coelho Dias destaca ainda “a eventual crise do sistema de comércio global e aberto, como nós a conhecemos, é algo que realmente preocupa os decisores das empresas e vemos aparecer aqui com muito mais força”. Reflete a preocupação dos inquiridos, cerca de 900 decisores de diferentes setores: governantes, executivos, dirigentes de empresas, membros da academia, sociedade civil e organizações internacionais.
Em edições anteriores “não era tão claro o ressurgimento de grandes blocos económicos, digamos assim, em conflito uns com os outros e isso é sem dúvida uma preocupação que ressurge e que preocupa aqui a comunidade dos inquiridos”, defende.
“Os inquiridos estão mais pessimistas no longo prazo do que no curto prazo, o que também tem a ver naturalmente com a tipologia de riscos identificados”, diz Manuel Coelho Dias. “Se de alguma maneira no curto prazo se identificam mais riscos que são de controlo mais fácil pelos humanos, sobretudo nos riscos de longo prazo, os riscos ambientais dominam. E é sobretudo em relação à crise climática que não se vê um grande otimismo por parte dos inquiridos”, conclui.
Mais de metade dos inquiridos, 64%, olham para os próximos 10 anos como um período em que se vão aprofundar as divisões e a fragmentação deverá redesenhar os cenários geopolíticos. Teremos um clima de competição entre médias e grandes potencias, em que a colaboração será essencial.
“As nações devem priorizar o diálogo, fortalecer os laços internacionais e criar condições para uma colaboração renovada”, defende a edição deste ano do Global Risk Report.
No fundo o que se vê é pouca confiança num futuro, pouca confiança na capacidade de tomar decisões. Se olharmos para este tal pessimismo que eu lhe falava no longo prazo e para esta ideia de que os riscos ambientais estão lá, estão perfeitamente identificados, sabemos as consequências, mas que não se consegue agir, é no fundo o que nos dá essa perceção das respostas. É que os riscos estão lá, mas não vamos ser suficientemente eficazes na sua mitigação e, portanto, esta chamada à ação”, conclui.
O Global Risks Report, que já vai na 20ª edição, é a publicação de referência do Fórum Económico Mundial sobre riscos mundiais e antecipa a realização do encontro de Davos, que este ano decorre entre 20 e 24 de janeiro. Líderes de todo o mundo vão estar reunidos durante 5 dias, este ano sob o tema “Colaboração para a Era Inteligente”.