04 fev, 2025 - 06:30 • João Pedro Quesado
A solução para o problema de sobrelotação da Fertagus pode passar por “transferir” comboios iguais da CP para a empresa responsável pela ligação entre as duas margens do rio Tejo, ou por apostar nos novos barcos da Transtejo e, até, na criação de um corredor exclusivo para autocarros na Ponte 25 de Abril para resolver os problemas de mobilidade na área metropolitana de Lisboa.
João Cunha e Álvaro Costa, especialistas em ferrovia e transportes, não concordam na solução imediata, mas concordam na saída a longo prazo: Portugal tem que comprar “muitos” mais comboios na próxima década.
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“Eu só vejo mesmo uma solução: é transferir algum material igual que a CP tem, e que tem uma produtividade muito inferior”, afirma João Cunha, especialista em planeamento e operação de transportes.
Cunha esclarece que “o ângulo só podia ser exigir à CP uma disponibilidade de frota” que “nem precisa de ser tão elevada como a Fertagus, mas um bocadinho mais alta do que tem para poder libertar três ou quatro” comboios de dois pisos.
A Fertagus tem ao serviço 18 automotoras elétricas, cujo proprietário é o Estado, através da empresa Sagesecur. Esses 18 comboios de dois pisos e quatro carruagens fazem parte da série 3500, um grupo de 30 automotoras que foram compradas pela CP em 1998 - enquanto 18 foram cedidas para o serviço de passageiros no chamado Eixo Ferroviário Norte-Sul, 12 comboios ficaram ao serviço da CP, onde fazem parte do serviço urbano de Lisboa até a Azambuja.
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“A maior parte do trabalho de manutenção da Fertagus é à noite. A maior parte do trabalho de manutenção da CP é às horas de ponta”, diz João Cunha para explicar porque não acha que a entrega, à Fertagus, de comboios atualmente ao serviço da CP teria impactos negativos na transportadora pública.
“É por isso que a Fertagus, à hora de ponta, tem no mínimo 17 unidades em 18 a andar, e a CP, nas 12 de dois pisos que tem, se tiver 9... Já é um grande dia."
Álvaro Costa não segue a mesma linha. “Mudar material circulante de um lado para o outro é o que a CP tem vindo a fazer. E eu acho que agora a situação já está muito no limite em todos os sítios”, avalia o professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, que aponta soluções diferentes.
“Eu só vejo a hipótese, agora com os novos barcos da Transtejo, conseguir ali aumentar um bocadinho a frequência, o Metro Sul do Tejo ainda tem capacidade. É fazer com que venham mais pessoas de barco, melhorando o serviço”, sugere o engenheiro.
Álvaro Costa fala ainda em “criar corredores BUS na Ponte 25 de Abril” para ter “autocarros que levam as pessoas praticamente para Lisboa”, caso o aumento de serviço fluvial não fosse suficiente.
Para uma solução no médio prazo, “a seis meses”, João Cunha tem outra opção, olhando para uma ideia defendida pela gestora da Fertagus em 2019 e para comboios de perfil semelhante que Espanha está a retirar de circulação, da série 450.
“São, basicamente, iguais às 3500 no veículo não-motor. Também tem carruagens motoras e tem carruagens não-motoras, e as não-motoras são basicamente iguais. A adaptação era simples”, sendo necessária apenas devido à alimentação das linhas ferroviárias espanholas – Portugal usa uma voltagem de 25 mil volts em corrente alternada, enquanto a Espanha usa três mil volts em corrente contínua.
Com mais ou menos carruagens nos comboios, João Cunha considera improvável que a procura pelo comboio se reduza nos próximos tempos na margem sul do rio Tejo, já que “a experiência no carro também não é melhor”.
“É uma daquelas situações em que só há mesmo uma opção, é melhorar, aumentar a oferta, mesmo do lado dos carros não é possível aumentar a oferta. É talvez mesmo das zonas do país, senão a zona do país, se calhar ainda mais do que a linha de Sintra, em que todas as alternativas estão saturadas”, deixando os passageiros sem opção.
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“A aposta em Setúbal está a correr muito bem”, sublinha o fundador da revista ferroviária Trainspotter, avisando que “agora já há um público cativo de Setúbal que não havia antigamente, e não se pode agora simplesmente assumir que esse público vai à vida” com um regresso aos horários anteriores a 15 de dezembro. A ligação entre Lisboa e Setúbal passou a fazer-se de 20 em 20 minutos, ao invés de apenas uma vez por hora, ou de 30 em 30 minutos nas horas de ponta.
Na semana passada, o Governo disse à Renascença que “a procura teve um aumento total de 8%” desde o reforço da oferta para Setúbal, e que, “de Penalva a Setúbal, a procura aumentou 30%”
“As pessoas estão a mudar o seu local de residência para as periferias, e depois têm que vir todos os dias para os centros urbanos”, assegura Álvaro Costa, declarando que “toda a margem sul do Tejo está a ter um dinamismo que não tinha há dois anos”.
Portugal tem, neste momento, dois concursos de compra de comboios em curso. No caso dos 22 comboios para serviço regional comprados à Stadler, as unidades começam a chegar no final de 2025. No caso do concurso de 117 comboios, a adjudicação ao consórcio entre Alstom e DST foi impugnada pelos concorrentes, e está em tribunal desde novembro de 2023. De qualquer forma, são os primeiros novos comboios de passageiros a chegar ao país desde 2004, quando a encomenda de 34 comboios urbanos para o Porto foi concluída.
Esse facto deixa Álvaro Costa com a certeza de que “são precisos mesmo muitos comboios” para “aumentar fortemente o nível de serviços”. João Cunha, depois de olhar para os comboios que vai ser necessário substituir e para a necessidade de ter mais oferta ferroviária, assegura que a conta pode ser “faraónica” na próxima década.
Nas contas de João Cunha entra a substituição dos comboios iguais utilizados pela Fertagus e CP, assim como a necessidade de colocar mais comboios a ligar as margens do Tejo, e a substituição dos comboios urbanos no Porto, de séries de comboios regionais e interregionais, e das carruagens e locomotivas dos comboios Intercidades. Todas estas substituições correspondem a pelo menos 120 automotoras, mais de 40 locomotivas e cerca de 150 carruagens. Depois há necessidade de responder a novas fontes de procura – o novo aeroporto de Lisboa, as linhas de alta velocidade e a Terceira Travessia do Tejo, assim como outras adições à rede ferroviária.
Os problemas de sobrelotação dos comboios da Fertagus ressuscitaram ainda uma velha discussão: a necessidade de concessionar o transporte de passageiros no Eixo Norte-Sul a uma empresa privada, argumentando que a CP deve assumir a responsabilidade de ligar Lisboa a Almada, ao Seixal e a outros municípios da margem sul. João Cunha não concorda com essa opção.
“Eu acho que isso era saltar de cavalo para burro. Eu diria que nós temos é que tentar perceber como é que pomos a CP funcionar de modo a conseguir ser como a Fertagus”, indica o especialista em planeamento e operação, garantindo que “passar tudo para a CP é andar muitos anos para trás”.
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Apesar de achar mais recomendável o modelo atual, de concessões curtas e com o Estado a ser dono dos comboios, permitindo “ir mais vezes ao mercado”, Cunha reconhece que “há que ser pragmático”.
“O Estado não está a fazer concursos, mas é por incompetência”, e “não investe na concessão”, pelo que João Cunha assume que “está a chegar a altura de se pensar” em “fazer um modelo com uma concessão mais longa em que o privado seja obrigado a comprar o material”.
Álvaro Costa considera que essa mudança “tornaria as coisas mais simples”, apontando à “incapacidade que o Estado está a ter de comprar material circulante”. “Neste caso do setor ferroviário, é preciso muito pragmatismo, porque nós temos de ver o que funciona e o que não funciona”.