27 jun, 2024 - 06:39 • Pedro Mesquita , Susana Madureira Martins
O caminho está aberto para o “melhor socialista” presidir ao Conselho Europeu, mas “ainda há riscos” para António Costa. A cimeira desta quinta-feira deverá ser decisiva para dar seguimento (ou não) ao acordo firmado há dois dias entre as principais famílias políticas sobre os nomes que devem ocupar os cargos de topo na União Europeia (UE).
Na cimeira de chefes de Estado e de Governo, que irá decorrer em Bruxelas, o nome do antigo primeiro-ministro deverá ser aprovado, Ursula von der Leyen deverá continuar a ser presidente da Comissão Europeia e a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, oficializada como chefe da diplomacia europeia, substituindo o espanhol Josep Borrell no cargo de Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança.
Tudo isto se não houver um volte-face. À partida, o acordo entre o Partido Popular Europeu (PPE), os Socialistas Europeus (S&D) e os Liberais, que inclui a nomeação de António Costa para a presidência do Conselho Europeu, "está feito" e fontes diplomáticas em Bruxelas dizem à Renascença que "não estão a ver que venha a ser desfeito".
Segundo as mesmas fontes, se não houver consenso e tiver de ir a votos, o pacote dos altos cargos da União Europeia terá apenas de ser aprovado, neste Conselho Europeu, por uma maioria qualificada dos chefes de Estado e de Governo, o que estará mais do que garantido. Ainda assim, diversas fontes diplomáticas apontam à Renascença que “ainda há riscos".
A questão é que a "Itália é a Itália e é um país grande", salienta uma fonte europeia à Renascença, e será certo que haverá grande esforço dos líderes europeus para convencer a primeira-ministra italiana a associar-se a uma decisão consensual e mais alargada.
Giorgia Meloni ficou de fora das negociações que levaram ao pacote que é agora levado ao Conselho Europeu, mas os negociadores do acordo estão cientes que a primeira-ministra italiana faz parte do grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, que passou a ser, depois das eleições de junho, a terceira maior força política.
Será, assim, preciso garantir que a renovação do mandato da presidente da Comissão Europeia não enfrentará sobressaltos quando o nome de Von der Leyen for colocado à votação, secreta, em julho, no Parlamento Europeu.
A moeda de troca poderá ser a promessa de que a Itália terá acesso a uma vice-presidência da Comissão e com uma pasta de relevo, salvando a face aos principais líderes europeus envolvidos nas negociações.
É por tudo isto que esta negociação, no Conselho Europeu, se faz "em pacote". Tenta garantir-se, em simultâneo, a recondução de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia, a escolha de Kaja Kallas como futura alta-representante da Política Externa e a nomeação de António Costa como presidente do Conselho Europeu.
Se esta quinta-feira for nomeado presidente do Conselho Europeu, Costa assumirá o cargo, ponto final. O seu nome não depende do veredito do Parlamento Europeu (PE). Será, na verdade, a única decisão realmente definitiva desta cimeira.
Ao que a Renascença apurou, se for nomeado, António Costa terá pela frente um mandato de dois anos e meio, renovável por idêntico período, sendo considerado o habitual. O PPE até chegou a lançar a ideia de que o mandato seria apenas de dois anos e meio, chamando depois a si a escolha de um outro nome para os restantes dois anos e meio, mas a ideia terá caído.
Apesar de o acordo entre os seis líderes europeus ser considerado sólido e um passo indispensável, várias fontes alertam à Renascença que “nada está seguro” e apontam como exemplo o volte-face de 2019 em torno do nome do socialista Frans Timmermans.
Na altura, o diplomata dos Países Baixos foi proposto para a presidência da Comissão Europeia à entrada do Conselho Europeu extraordinário, mas o acordo firmado entre o eixo Merkel-Macron-Tusk-Juncker acabou por cair por terra. “Tudo se desfez”, recorda uma fonte diplomática à Renascença.
O acordo de há dois dias é considerado um passo relevante e “indispensável, mas não é um passo que garanta alguma coisa”, salienta a mesma fonte. Pela razão apontada atrás em torno da primeira-ministra italiana que “não quer” António Costa na presidência do Conselho Europeu e, aparentemente, prefere para o lugar a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, que, embora já se tenha colocado fora da corrida, pode sempre voltar a ser colocada como opção em caso de apuros.
Mesmo no PPE, família política que tem 12 primeiros-ministros em funções na UE, apesar de incluído no acordo, há chefes de Governo que têm dúvidas sobre Costa vir a ser o próximo líder do Conselho Europeu, na sequência, por exemplo, do que foi visto como sucessivas hesitações sobre a adesão da Ucrânia à UE.
“Todos têm prós e contras”, admite a mesma fonte diplomática à Renascença. Apesar de tudo, admite, “as coisas estão bem encaminhadas e vai no ticket”, mas “é preciso trabalhar até ao fim”.
O maior risco apontado, até para a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, é Giorgia Meloni dizer que quer mudar o xadrez do acordo e pretender alterar uma pessoa, mostrando que a Itália tem força. A mesma fonte diplomática já citada e com forte experiência nestes processos admite isso mesmo: “Estou a vê-la a dizer ‘têm aqui três nomes, mudem um’.
Em relação a Mette Frederiksen é apontado a seu favor, na perspetiva de Meloni, a posição sobre as migrações, muito próxima do setor conservador europeu, apesar de ser da área socialista. O que obrigaria os negociadores a encontrar uma solução. “Isto é um casino”, conclui a mesma fonte diplomática em conversa com a Renascença.
Só depois de uma reunião com o Presidente da Ucrânia, Volodimyr Zelensky - que vai estar esta quinta-feira em Bruxelas para assinar um acordo de segurança com a União Europeia - é que arrancará a cimeira propriamente dita.
União Europeia
Ursula von der Leyen e Kaja Kallas também terão ti(...)
Será por volta das 14h00 (hora de Lisboa) e com dois temas essenciais em cima da mesa: os cargos europeus de topo, onde se inclui o nome de António Costa para presidir ao Conselho Europeu, e a Agenda Estratégica da União Europeia.
A ideia é tentar resolver primeiro a questão dos altos cargos, mas se o assunto se "embrulhar", dizem fontes europeias à Renascença, poderá inverter-se a agenda e, em simultâneo, procurar encontrar consenso para os cargos de topo da UE, recorrendo a reuniões bilaterais, que podem arrastar-se, pelo menos, ao longo desta cimeira.
Certo e definitivo é o apoio do primeiro-ministro português à nomeação de António Costa para presidente do Conselho Europeu. Antes de seguir para Bruxelas, Luís Montenegro, no debate quinzenal desta quarta-feira no Parlamento, defendeu o ex-líder do PS como o “melhor socialista dos que estão em condições de ser candidatos a presidentes do Conselho Europeu”.
Montenegro elogiou mesmo o percurso de António Costa, dizendo reconhecer a sua experiência política: “Foi membro do Governo em quatro funções diferentes e presidente da maior câmara do país.”
À Renascença, fonte diplomática já citada neste texto, garante mesmo que foi Montenegro quem “salvou” António Costa perante o PPE, assinalando que o nome do ex-primeiro-ministro “esteve para ser assassinado” pelo chefe de Governo polaco, Donald Tusk, na cimeira daquela família política.
Agora é continuar a trabalhar, avisa a mesma fonte. Cabe aos socialistas europeus e ao próprio António Costa continuarem a trabalhar. Porque, “até ao lavar dos cestos é vindima”.