22 abr, 2025 - 06:00 • Marta Pedreira Mixão com a equipa de verificação de dados da Euranet
Os EUA anunciaram uma pausa na ajuda militar à Ucrânia, depois da reunião na Sala Oval entre os Presidentes Donald Trump e Volodymyr Zelenskyy, e suspenderam a partilha de informações com a Ucrânia – o que foi visto como uma forma de empurrar a Ucrânia para a mesa das negociações.
A suspensão da ajuda militar dos EUA tornaria a situação no campo de batalha mais difícil para a Ucrânia, embora levasse algum tempo a produzir efeitos, graças à última ajuda norte-americana, ainda aprovada por Joe Biden.
Com a redução do apoio americano à Ucrânia, cresce a pressão sobre os governos europeus para que assumam um papel mais central na defesa da Ucrânia — e da própria segurança europeia.
O desafio de manter a Ucrânia na luta sem o apoio dos EUA parece difícil, mas pode não ser impossível, pelo menos no que diz respeito à ajuda financeira. A ajuda militar é outra questão mas vamos por partes.
No que diz respeito à ajuda financeira, a Europa poderia compensar este financiamento com a mobilização das grandes potências da UE.
De acordo com o relatório “Ajuda à Ucrânia: How Europe Can Replace US Support”, seriam, principalmente, os grandes países europeus - Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Espanha - que teriam de aumentar o seu apoio para substituir a ajuda dos EUA.
Mas como é isso seria feito? De acordo com a investigação da Euranet Plus, estes países teriam de aumentar as suas despesas, mesmo que de forma mínima, porque embora a Alemanha, por exemplo, continue a ser o maior financiador individual, continua a investir apenas uma pequena percentagem do seu PIB na Ucrânia.
Recorde-se que em março, os líderes da UE aprovaram um esforço da Comissão Europeia para aumentar as despesas europeias com a defesa em 800 mil milhões de euros, incluindo um plano para conceder até 150 mil milhões em empréstimos garantidos pela UE para permitir que os países comprem sistemas cruciais como a defesa aérea e os drones.
Os países também se comprometeram a fornecer “apoio financeiro regular e previsível” e a aumentar o montante do apoio militar atualmente prestado.
De acordo com um relatório da Delegação da UE nos EUA, publicado em Abril de 2025, a ajuda total europeia à Ucrânia (UE e Estados-Membros) já ascende a 155 mil milhões de dólares (valor alinhado com os dados do Kiel Institute), incluindo: 81,5 mil milhões em apoio financeiro, orçamental, humanitário e de emergência; e mais de 53 mil milhões de dólares em assistência militar - desde munições a sistemas de defesa aérea, tanques Leopard e jactos de combate.
A Comissão Europeia também desembolsou recentemente à Ucrânia o primeiro empréstimo adicional de 3 mil milhões de euros.
O Kiel Institute for the World Economy defende que a Europa é capaz de substituir grande parte da ajuda americana, sobretudo no domínio financeiro. Um esforço adicional equivalente a 0,21% do PIB anual europeu permitiria compensar a maior parte do apoio perdido.
Contudo, a substituição da ajuda militar é mais complexa, particularmente no que toca às capacidades de inteligência militar e fornecimento de armamento de alta tecnologia, onde os EUA continuam a desempenhar um papel insubstituível.
O compromisso dos Estados europeus é variável, sendo que os países nórdicos e bálticos são os que mais contribuem proporcionalmente às suas economias. A Estónia e Dinamarca apresentam ajudas superiores a 2% do PIB pré-guerra (2021), enquanto a Alemanha e Reino Unido estão entre 0,4% e 0,5% e França, Itália e Espanha entre 0,1% e 0,2%, por isso, abaixo da média europeia.
Estes dados indicam que, se os cinco maiores países europeus (Alemanha, França, Itália, Espanha e Reino Unido) elevassem as suas contribuições para os níveis das nações nórdicas e bálticas, a Europa conseguiria, em grande medida, colmatar a ausência dos EUA.
Mas vamos olhar detalhadamente para as contribuições:
Durante uma reunião com Emmanuel Macron, Trump afirmou que a maior parte da ajuda europeia era sob a forma de empréstimos e, por isso, reembolsável — algo que Macron corrigiu, afirmando que grande parte é ajuda "real", sem retorno esperado.
A ajuda à Ucrânia tem sido, essencialmente, uma mistura de empréstimos e subvenções.
O relatório da UE confirma que 65% da ajuda europeia são subvenções ou apoio em espécie (não reembolsável) e 35% são empréstimos com condições favoráveis.
A discrepância entre os dados da UE e os do Instituto Kiel pode resultar do facto de os cálculos da UE visarem a totalidade da ajuda (militar, financeira e humanitária). Enquanto, os dados do Kiel Institute, que olham apenas para a ajuda financeira, indicando assim uma fatia mais elevada de empréstimos — o que explica a diferença.
“Uma vez que a ajuda militar e humanitária é normalmente concedida sob a forma de subvenções ou de apoio em espécie (e não de empréstimos), a sua inclusão no total reduziria a percentagem global de empréstimos, aproximando o resultado do valor da UE”, disse Taro Nishikawa à Euranet Plus.
Se a ajuda financeira poderia ter uma resposta mais simples, uma vez que, segundo a análise da Euranet Plus, os países europeus poderiam ainda dar contribuições significativas em áreas fundamentais, no caso da ajuda militar pode ser mais complicado, já que implicaria substituir as armas americanas e os serviços de informação militar.
Os oficiais de defesa ucranianos estimam que cerca de 20% do equipamento militar utilizado na guerra provém dos EUA - além de mais cerca de 55% da Ucrânia e 25% da Europa. Contudo, estes 20% dos EUA estão entre os mais capazes, sendo por isso mais difíceis de substituir pela Europa ou por outros países.
De acordo com Rachel Ellehuus, diretora-geral do Royal United Services Institute, a contribuição dos EUA é fundamental em três áreas: defesa aérea, onde as alternativas europeias aos sistemas Patriot são limitadas; mísseis balísticos de longo alcance – a Alemanha a recusa-se a fornecer mísseis Taurus e os mísseis franco-britânicos ‘Storm Shadow’ estão em falta – ; e, em terceiro lugar, comunicações por satélite.
Como parte da ajuda é concedida sob a forma de financiamento, empréstimos ou subsídios, a Ucrânia poderia usar o financiamento europeu para para comprar armas a empresas de defesa americanas, mas não há certeza de que a administração autorize o envio de armas para a Ucrânia, mesmo que sejam compradas por outros países.
A decisão dos EUA de suspender a partilha de informações com a Ucrânia pode também complicar outros campos, já que muitas das armas europeias dependem de informações provenientes dos EUA.
Resumidamente, com base nos dados do Kiel Institute, a equipa de investigação da Euranet Plus defende que sim, já que conclui que a Europa tem capacidade para substituir grande parte da ajuda americana, especialmente no campo financeiro, com um esforço adicional moderado — estimado em 0,21% do PIB europeu por ano.
Contudo, pode ser mais difícil no que diz respeito à substituição da ajuda militar, nomeadamente no fornecimento de armamento e nas capacidades de inteligência militar.